terça-feira, 6 de abril de 2010

SEM TÍTULO

Não tem título, mas cada um pode dar-lhe o que mais gostar:
"Mulheres olhando o mar",
"Fim de tarde",
"Esperando",
"Contemplações",
"Saudades"...

Eu próprio ainda não o baptizei!


Dos quadros que tenho no meu consultório, este é o que mais gosto: Pelas cores quentes do verão e do azul forte do mar a fazer o contraste entre a terra e o oceano? Pelo tema em si, as mulheres (mãe e filha?) olhando o infinito, esperando alguém? Pela força serena e contemplativa que evoca? Pela intimidade cúmplice que desperta?
Não sei mesmo. Só sei que gosto muito dele.


Comprei-o há alguns anos, na Praça de Espanha em Madrid, a um daqueles pintores de rua, um homem simpático, ainda jovem, entroncado, de voz rouca de muito tabaco fumado. Nessa altura ainda não se falava da crise.

Fiquei impressionado por este quadro e por um outro, que retratava  uma tourada à espanhola. Neste, o vermelho era a cor mais forte, a dominante, e que sobressaía do capote, do sangue provocado pelos picadores, e que escorria pelo lombo do negro touro, e do vindo das bandarilhas espetadas, para além do "trace de luces", que era cor de rubi. Tratava-se de uma cena de toureio a pé, em que o matador ensaiava um natural que quase obrigava o touro a ajoelhar-se diante dele. Um quadro cheio de força, de movimento, rico em pormenores e de evocações marcantes das touradas em Espanha.

Comprei os dois. O do mar tenho-o aqui, diante de mim, e contemplo-o quase todos os dias. Do outro, guardo a recordação de o ver pendurado numa parede branca. Ofereci-o a uma pessoa que é amante de touros e que ficou impressionada pela força que aquela cena lhe transmitia. Penso que ainda está na mesma parede.


Voltei recentemente a Madrid e, claro, fui à procura do "meu" pintor, no mesmo canto da Praça de Espanha; as telas encostadas na parede e na coluna que sustenta o ângulo das arcadas, o cheiro forte a Ducados e a voz rouca castelhana afirmaram-me a sua presença. Falei-lhe dos quadros comprados anos atrás, e ele mostrou-me outros, muitos, mas nenhum me agradou. Largou os touros, fugiu ao mar e dedica-se, agora, a naturezas mortas, aquelas dos frutos, das framboesas e morangos numa taça, do naco de presunto e do queijo em cima de uma tábua de madeira, do jarro de vinho e do pão aberto, das peças de caça, a perdiz e o faisão, dispostas em cima da mesa...

É que, com a crise, contemplações do mar distante, sonhos, saudades e esperas não levam a nada, não se vendem! Também o preço dos bilhetes para as touradas está pela hora da morte, e sempre se vão vendo na televisão, além de que há muita gente, agora, que é contra a "fiesta" ou pertence à liga protectora dos animais.
E, com as peças de fruta apetitosa, com o presunto e o vinho, com o pão e o queijo, ali pintados, sempre se vai comendo com os olhos e se saciam os prazeres da vida e ele, deste modo, lá vai vendendo mais alguns quadros. 

E olé!




 

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