sábado, 30 de junho de 2012

TARDE NO MAR



(DO AUTOR - NOS MARES DO ALGARVE)

"A tarde é de oiro rútilo: esbraseia.
O horizonte: um cacto purpurino.
E a vaga esbelta que palpita e ondeia,
Com uma frágil graça de menino,


Poisa o manto de arminho na areia
E lá vai, e lá segue o seu destino!
E o sol, nas casa brancas que incendeia,
Desenha mãos sangrentas de assassino!


Que linda tarde aberta sobre o mar!
Vai deitando do céu molhos de rosas
Que Apolo se entretém a desfolhar...


E sobre mim, em gestos palpitantes,
As tuas mãos morenas, milagrosas,
São as asas do sol, agonizantes..."


Florbela Espanca, in "Charneca em Flor"




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sexta-feira, 29 de junho de 2012

VI

(DO AUTOR - DESFILADEIRO DE LOS BEYOS - RIO SELLA - ASTÚRIAS)









"Vi países de pedras e de rios
Onde nuvens escuras como aranhas
Roem o perfil roxo das montanhas
Entre poentes cor-de-rosa e frios.




Transbordante passei entre as imagens
Excessivas de terras e dos céus
Mergulhando no corpo desse deus
Que se oferece, como um beijo, nas paisagens".






Sophia de Mello Breyner Andresen, in Vi - Dia do Mar - Obra Poética.




quinta-feira, 28 de junho de 2012

HÁ PALAVRAS QUE NOS BEIJAM

(DO AUTOR - CANGAS DE ONIS - ASTÚRIAS)



"Há palavras que nos beijam
Como se tivessem boca.
Palavras de amor, de esperança,
De imenso amor, de esperança louca.

Palavras nuas que beijas
Quando a noite perde o rosto;
Palavras que se recusam
Aos muros do teu desgosto.

De repente coloridas
Entre palavras sem cor,
Esperadas, inesperadas
Como a poesia ou o amor.

(O nome de quem se ama
Letra a letra revelado
No mármore distraído
No papel abandonado)

Palavras que nos transportam
Aonde a noite é mais forte
Ao silêncio dos amantes
Abraçados contra a morte."


Alexandre O'Neill, in "No reino da Dinamarca".



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quarta-feira, 27 de junho de 2012

GROSELHAS

Tardaram um pouco.

É o costume!

É que ali, naquela dobra da serra, quase escondida pelo arvoredo denso dos carvalhos, dos sobreiros e dos castanheiros, o sol tarda sempre a chegar e parte mais cedo do que devia.

Por isso as groselhas demoram mais tempo a aparecer, maduram mais lentamente, mas, por isso também, vão tendo mais tempo para se encherem, para ganharem cor e para irem acumulando algum açúcar...

Agora, que estão cheias, que já estão bem vermelhas, daquele vermelho capaz de fazer nódoas que não saem, agora que os bagos estão firmes e consistentes, está na altura de as colher... delicadamente... manhã cedo, podadas com um tesoura pequena, em pequenos cachos, e colocadas em caixas de tamanho adequado,  para que não fiquem esmagadas.

Este ano há muitas... capazes de encherem muitas caixas e o olhar guloso daqueles que as vão comer...

(DO AUTOR - AS GROSELHAS DA QUINTA DA PROSA)


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terça-feira, 26 de junho de 2012

SOMBRAS CHINESAS

Não são, mas parecem!

(DO AUTOR - NA CIDADE DA HORTA, ILHA DO FAIAL, AÇORES)

São apenas dois desenhos na parede de um muro velho: uma açoriana, com o seu capote e capelo, e uma vaca desenhados como se fossem sombras projectadas numa qualquer parede rosa e velha da Ilha Azul!

Um traje que caiu em desuso nesta ilha açoriana do Faial, mas que, pelos anos vinte do século passado, era um traje  bastante comum.

Raul Brandão fez um relato cuidado sobre o uso deste traje no seu livro "As Ilhas Desconhecidas - Notas e paisagens":

"...

O que dá um grande carácter a esta terra é o capote. A gente segue pelas ruas desertas e, de quando em quando, irrompe de uma porta um fantasma negro e disforme, de grande capuz pela cabeça. São quase sempre as velhas que o usam, mas as raparigas, metidas na concha deste vestuário, que pouco varia de ilha para ilha, chegam a comunicar encanto ao capote monstruoso. É um ser delicado e loiro e o contraste realça a figurinha que saltita em passo de ave condenada àquele pesadelo, como certos bichos de aspecto estranho que trazem a carapaça às costas.

... Também me explicam que é uma coisa ao mesmo tempo monstruosa e cómoda: vai-se com ele pela manhã à missa, usam-no as velhas aferradas aos seus hábitos, e uma rapariga pode visitar uma amiga na intimidade, porque está sempre vestida: basta lançá-lo sobre os ombros. Envolve todo o corpo, e, puxando o capuz para a frente, ninguém a conhece. O que uma mulher que use o capote precisa é de andar muito bem calçada, porque tapada, defendida e inexpugnável, só pelos pés se distingue;  pelo sapato e pela meia é que se sabe se é bonita a mulher que vai no capote. O capote herda-se, deixa-se em testamento e passa de mães para filhas. O capote numa casa serve às vezes para toda a família. Mulher que precisa de ir à rua de repente, pega nele e sai como está.  - Este já foi da minha avó - diz-me uma rapariga. - Era dum pano inglês escuro, dum pano magnífico que dura vidas.

..."
(Raul Brandão, in As Ilhas Desconhecidas - Notas e paisagens - A Ilha Azul).


O capote, em lã ou merino, era em preto ou em azul ferrete e levava uns bons metros de pano. O capelo, também ele entretelado e armado com cartão e barbas de baleia, era cosido ao colarinho do capote e abria na frente lembrando o corpo de uma raia.
(Parágrafo retirado do Blog Virtual Memories - 15 de Maio de 2010).

O capote - que foi um símbolo do arquipélago - já quase se não vê, mas as vacas, essas, continuam a proliferar e a transformarem-se, cada vez mais, no ícone daquelas ilhas.

Agora o que parece é que, na realidade, a única sombra chinesa, naquela fotografia, é a do fotógrafo, com um típico chapéu de palha faialense na cabeça, e que se deixou apanhar pelo sol, àquela hora já meio levantado do horizonte, e que ia projectando a sua sombra no chão daquela terra que acorda, todos os dias, a olhar o Pico!


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segunda-feira, 25 de junho de 2012

SERRA DA ARRÁBIDA



"...


Na noite calma
a poesia da Serra adormecid
vem recolher-se em mim. 
E o combate magnífico da Cor, 
que eu vi de dia
e o casamento do cheiro a maresi
com o perfume agreste do alecrim; 
e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol castig
—passam a dar-se em mim. 

E todo eu me alevanto e todo eu ardo. 
Chego a julgar a Arrábida por Mãe, 
quando não serei mais que seu bastardo. 

A minha alma sente-se beijad
pela poalha da hora do Sol-pôr 
sente-se a vida das seivas e a alegri
que faz cantar as aves na quebrada
e a solidão augusta que me fal
pela mata cerrada
aonde o ar no peito se me cala
desceu da Serra e concentrou-se em mim. 

E eu pressinto que a Noite, nesse instante, 
se vai ajoelhar... 

… … … … … … …. … … … … … … …
… … … … … … …. … … … … … … …


Ai não te cales, água murmurante! 
Ai não te cales, voz do Poeta errante!, 

- se não a Serra pode despertar."



Sebastião da Gama - Serra-Mãe.

(DO AUTOR - O CABO ESPICHEL,  A PONTA MAIS OCIDENTAL DA SERRA DA ARRÁBIDA NO SEU MERGULHO MARÍTIMO, O MERGULHÃO NO SEU VOO RASANTE E O CRISTO-REI, AO FUNDO, A ABRAÇAR O MUNDO)



domingo, 24 de junho de 2012

MADRIGAL



"A minha história é simples.
A tua, meu Amor,
é bem mais simples ainda:


'Era uma vez uma flor,
Nasceu à beira de um Poeta...'

Vês como é simples e linda?


(O resto conto depois,
mas tão a sós, tão de manso
que só escutemos os dois)."




Sebastião da Gama - Madrigal.




(DO AUTOR - UM BOTÃO EM FLOR)








sábado, 23 de junho de 2012

PÔR DO SOL

(DO AUTOR - DA MINHA JANELA, O PÔR DO SOL)


"...


Toda a paz da Natureza sem gente
Vem sentar-se a meu lado.


Mas eu fico triste como um pôr do sol
Para a nossa imaginação,
Quando esfria o fundo da planície
E se sente a noite entrada
Como uma borboleta pela janela.


Mas a minha tristeza é sossego
Porque é natural e justa
E é o que deve estar na alma
Quando já pensa que existe
E as mãos colhem flores sem ela dar por isso.


..."

Fernando Pessoa - Alberto Caeiro, in "O Guardador de Rebanhos - Eu Nunca Guardei Rebanhos".


sexta-feira, 22 de junho de 2012

COMPASSO EM DESCOMPASSO

Cada ave bate as asas ao seu ritmo e ao seu compasso mas o efeito mostra que o bater, de cada ave, está descompassado do bater compassado de cada uma das outras aves. No entanto voam alinhadas, na mesma direcção e no mesmo sentido, mostrando a harmonia de um voo compassado.

Cada torre eólica gira as suas pás ao seu ritmo e ao seu compasso, resultante da força do vento que as faz rodar, mas cada giro, cada passo, de cada hélice, está descompassado do girar compassado de cada uma das outras hélices. No entanto todas giram em simultâneo, e no mesmo sentido, mostrando a harmonia de um girar compassado.

(DO AUTOR - PERTO DA COSTA ALGARVIA JUNTO À SALEMA)

E, no seu voo compassado, feito de bateres descompassados, as livres aves vão-se, irremediavelmente, afastando daquelas torres, definitivamente presas ao lugar, e que vão, compassadamente, girando as hélices de forma descompassada.


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quinta-feira, 21 de junho de 2012

BRISA LEVE

Apetecia-lhe descanso, fora o primeiro dia de verão, e a tarde agitada que tivera, associada ao calor que, àquela hora ainda se sentia, amolecia-o e o corpo pedia-lhe um minuto de sossego, um instante de paz, um momento de confidência e, sobretudo, o deitar-se na pedra refrescante do chafariz redondo da praça...

E, de olhos fechados, deixou que a brisa leve o envolvesse de mansinho, e lhe fosse trazendo, em confidência, o aroma daquele fim de tarde alentejano...

(DO AUTOR - PRAÇA DO GIRALDO - ÉVORA)
"É uma brisa leve
Que o ar um momento teve
E que passa sem ter
Quase por tudo ser.
Quem amo não existe.
Vivo indeciso e triste.
Quem quis ser já me esquece
Quem sou não me conhece.

E em meio disto o aroma
Que a brisa traz me assoma
Um momento à consciência
Como uma confidência."

Fernando Pessoa - É uma brisa leve, Poesias inéditas.


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quarta-feira, 20 de junho de 2012

DE OLHO ABERTO E OLHAR ATENTO

Que forças, que mistérios, que poderes, que convulsões foram capazes de "partir" e "dobrar" aquela falésia perto de Vila Nova de Milfontes, em plena costa alentejana?

Um cataclismo? Um meteorito que se esbarrou e quebrou aquela enorme massa de pedra? Um ajustar de placas tectónicas? Um golfo de magma que partiu a crosta terrestre, como quem quebra ou parte um galho de árvore?


(DO AUTOR - A COSTA VICENTINA, PERTO DE VILA NOVA DE MILFONTES)



Ou foi uma mão imensa e poderosa que a fechou na sua palma e a colocou, ali, para ser vista e apreciada por todos?

O tudo pode ter demorado milhões de anos, ou escassos segundos a acontecer - uma fracção de tempo no infinito tempo do universo - deixando marcas indeléveis que vão ficar a testemunhar a força imensa da Natureza! 

E a chamar a atenção ao homem que nada é perante tal força, que nada pode, apesar do tanto poder e da tanta tecnologia que julga possuir...

(DO AUTOR - PORMENOR)
Aqui, o "braço de ferro" conseguiu dobrar a rocha até esta fazer um ângulo de 75º, numa geometria perfeitamente linear.

Impressiona! 
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terça-feira, 19 de junho de 2012

A PEDRA NEGRA

É talvez a pedra mais fotografada por quem está na serena e acolhedora Praia da Luz.

Uma formação rochosa, de tonalidade muito escura, feita de lava vulcânica, que se originou na serra de Monchique, e que veio, aos atropelões, montanha abaixo, até se solidificar ao arrefecer no contacto com a água do mar.

Da praia distingue-se facilmente a sua silhueta contrastando com o mar azul.

Do mar, adivinha-se bem a sua origem, feita de um rio de lava solidificada que abriu um vale, num sulcar violento da pedra calcária, e que esbarrou, abruptamente, no mar.

À sua volta as rochas de calcário e marga, de cores quentes, erosadas pela acção constante dos ventos e das ondas, exibem restos e fósseis de vida marinha acontecida há milhões de anos atrás, atapetados, junto à rebentação, por mantos de algas verdes.


(DO AUTOR - A CAMINHO DA PONTA DE SAGRES E DO CABO DE SÃO VICENTE)

É assim, a costa marítima, cheia de pormenores, de vestígios, de marcas, de pedras claras, de fósseis e, também, com esta Pedra Negra, cheia de mistério e magia...

Basta estar de olho aberto e olhar atento!





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segunda-feira, 18 de junho de 2012

AS HARLEYS

Do silêncio pacífico de quatro dias de navegação, de mar tranquilo, de vento favorável, de harmonia constante, de companhia excelente, quando tudo se conjugava para se acabar o fim de semana no melhor dos mundos e na melhor das pazes... o atracar do barco ao cais da Marina foi saudado por um troar intenso, cavo, profundo, imenso, de milhares de motos, mesmo muitos milhares, as míticas Harley-Davidson, que resolveram, neste fim de semana, fazer o seu encontro anual em Cascais.

Eram mais de 10.000... todas barulhentas, todas roncantes, todas exibicionistas e atrevidas nos adereços... Um espectáculo único!

De todos os tamanhos, de todas as idades, as motos... de todos os tamanhos de todas as idades, também, os condutores...

(DO AUTOR - NA MARINA DE CASCAIS)


Esta foi uma das mais velhinhas, se não a mais, que por lá passou... o dono é que, ainda, nem tanto!




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domingo, 17 de junho de 2012

NÉVOA

O dia amanheceu cinzento, sem cor, silencioso, de uma humidade leitosa, transformando esta água toda, salgada e imensa, num mar imaterial e mágico, envolto num manto total de névoa doce e branda...

Ontem foi Lagos e o Dom Sebastião... Hoje a névoa a querer fazer cumprir a lenda, a imaginar o cavalo, alado e branco, a vir da ilha longínqua de ali ao lado, confundindo o Encoberto Rei com o Vizir de Odemira, e esperando a hora de voltar...
 
"Ó Portugal, hoje és nevoeiro...
É a hora!"

 Fernando Pessoa, in Mensagem: Terceira parte - O Encoberto



(DO AUTOR - AO LARGO DE SINES)

"Névoa... A manhã é névoa e o dia é este...
Que quero eu dele ou ele quer de mim?
Quero que a minha angústia nada ateste
De si, nem de quem quer um fim...


Quero que a manhã seja como é,
Porque o seria sem o eu querer;
E que eu tenha esse resto vil de fé
Que é ainda querer viver..."


Fernando Pessoa in, Poesia 1931 - 1935 e não datada, Assírio & Alvim, ed. Manuela Parreira da Silva e outras, 2006.




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sábado, 16 de junho de 2012

A ILHA DO PESSEGUEIRO





"...
Ao largo as águas brilham como prata
E a brisa vai contando velhas lendas
De portos e baías de piratas


Havia um pessegueiro na ilha
Plantado por um Vizir de Odemira
Que dizem por amor se matou novo
Aqui, no lugar de Porto Côvo."

Rui Veloso, in Porto Côvo.



(DO AUTOR - A ILHA DO PESSEGUEIRO AVISTADA, HOJE, A 2 MILHAS DE TERRA)


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sexta-feira, 15 de junho de 2012

BORRASCA

Surgiu num instante, na fracção de um momento, inesperada, súbita, sem suspeições prévias: o céu escureceu, o vento levantou-se forte, as águas começaram a agitar-se de modo rápido, a ganharem crespo, a encherem-se de rebanhos de carneiros, vindos do nada, como que a pastarem em sobressaltos serenos num campo lavrado de altos e baixos, com salpicos violentos, de ondas altas e rajadas fortes molhadas de água a saber a sal... 


(DO AUTOR)




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quinta-feira, 14 de junho de 2012

SE TU SOUBESSES...

Ah!...
Se tu soubesses...

Como o meu viver é feito
De saudades impossíveis...
Como os meus sonhos se vão construindo
Com realidades tangíveis...
Como a razão se perde
Em paixões desmedidas...
Como o amor se renova
Nas tuas fraquezas vencidas... 

Ah!...
Se tu soubesses...
Se tu imaginasses...
Se tu puderes...
Quando quiseres! 

(DO AUTOR - FERRAGUDO)
Cada dia,
Um novo dia... 

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quarta-feira, 13 de junho de 2012

GAIVOTA

Atravessou-se pela frente e, mudando por completo o seu rumo, circundou o barco três vezes, três vezes o olhou com a força do seu olhar penetrante e, depois, como se esquecendo do seu destino, foi acompanhando o navegar pachorrento do veleiro talvez pensando que este lhe trazia o peixe que não conseguira apanhar durante toda a sua viagem. 

Andou "horas" nisto, a elevar-se no ar, a circundar o barco, a seguir na sua rota até que, ao entrar no porto, foi poisar na amurada do cais, como se ficasse à espera...

O olhar, que agora estava mais perto, era penetrante e perscrutador, certamente na procura do peixe que lhe pudesse matar aquela fome de dias...

(DO AUTOR - EM PORTIMÃO)

... dos dias de uma travessia que tinha sido longa, sempre a voar, porque o vento forte  e  o mar bravio daqueles dias não a tinham deixado poisar e, muito menos, mergulhar.

Por isso, exausta, deixou-se ficar ali, quieta, à espera do peixe morto que um pescador ia tirando da rede.

E foi, quase sem forças para lutar, que assumiu aquela atitude de ameaça agressiva, para defender o seu pedaço de comida e garantir a sua sobrevivência.

(DO AUTOR -  NO FERRAGUDO)


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terça-feira, 12 de junho de 2012

OLHANDO O MAR, SONHO...

Vai ser uma semana, a olhar o mar!

Uma semana de navegação, de rotas traçadas e de vagas largas, de ventos cruzados e bolinas cerradas, de passagens de cabos, de conversas longas, de olhar as estrelas, de nuvens escuras, de chuvas salgadas, de cervejas geladas, de sopas bem quentes e ovos estrelados ou meio mexidos...

(DO AUTOR - A BORDO DO FREE MIND)

... de noites compridas, de manhãs precoces, de vermelhos feitos, ao nascer do sol, de luares pálidos, que sempre se atrasam, de sonos pesados soltos acordares, de zonas de brisa sem ondulação, de ventos com força, de rizar as velas, de sustos, mazelas e muita emoção...

Vai ser uma semana, a viver o mar! 

"Olhando o mar, sonho sem ter de quê.
Nada no mar, salvo o ser mar, se vê.
Mas de se nada ver quanto a alma sonha!
De que me servem a verdade e a fé?

Ver claro! Quantos, que fatais erramos,
Em ruas ou estradas ou sob os ramos,
Temos esta certeza e sempre e em tudo
Sonhamos e sonhamos e sonhamos.

..." 

Fernando Pessoa (20/1/1933) - Olhando o mar sonho sem ter de quê.


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segunda-feira, 11 de junho de 2012

UM GOSTO DE FRAMBOESA

As primeiras a ficarem maduras já foram colhidas. Uma mão cheia delas, pouca quantidade, mas o suficiente para se imaginar da qualidade e do sabor! 

As fiadas de arbustos estão cheias destes pequenos frutos cor de rubi e, pela amostra, o ano parece prometer! Só na zona com mais sombra é que a produção não é tão boa! Mas, mesmo assim, há quantidade que chegue para comer, para dar e para guardar!

Estas, de aspecto já bem guloso e de um rosa bem avermelhado, foram colhidas pelo fresco da manhã, antes que o calor do dia as amolecesse, garantindo, assim, uma consistência mais rija, mais suculência e a delicadeza de um sabor suavemente agridoce e de um aroma que enche a casa de tentação.
 



("roubada" a uma amiga do Facebook - obrigado Helena)

Estas framboesas foram delicada e deliciadamente saboreadas, na sala da prosa, na companhia de Cecília Meireles e escutando a melodia de Raimundo Fagner:

Canteiros


"Quando penso em você, fecho os olhos de saudade
Tenho tido muita coisa, menos a felicidade.
Correm os meus dedos longos, em versos tristes que invento
Nem aquilo a que me entrego já me traz contentamento.

Pode ser até manhã, cedo claro feito dia
Mas nada do que me dizem me faz sentir alegria.
Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa
Pra correr entre os canteiros e esconder minha tristeza.

..."

Eu só queria ter no mato um gosto de framboesa...






domingo, 10 de junho de 2012

O 10 DE JUNHO

Este ano, para a maioria dos portugueses, quase passa despercebido! 

É que calha num domingo, sem possibilidade de se fazer uma ponte, e numa altura em que querem excluir uma data de feriados. Mas parece que este não deve ser dos que vai acabar pois comemora, num três em um,  o Dia de Portugal, o Dia de Camões e o Dia das Comunidades

As festividades, habitualmente para os lados de Belém, este ano começaram de véspera, no Bairro da Mouraria, com uma homenagem ao Fado, que se cantou à janela, nos degraus das  escadinhas de rua, nas tascas... com a sardinha assada a encher de aroma e de fumo as ruas estreitas do Bairro.

Mas este ano, as comemorações, para além das cerimónias da praxe, das paradas, dos discursos inflamados, dos almoços e jantares, das condecorações... têm algo de mais inédito e que, de certo modo, simboliza o dia: na Doca de Pedrouços, vai ser dada a partida de mais uma etapa, a penúltima, da Volvo Ocean Race, acontecimento que tem trazido enorme movimento e animação a esta cidade. 

(do Google images)
Não há uma única embarcação portuguesa a participar nesta "corrida de Fórmula Um" de veleiros ultra-sofisticados e preparados para, sempre no máximo das suas possibilidades, cruzarem oceanos à volta do mundo.

Fica o espírito de há quinhentos anos atrás de onde, desse mesmo local, começaram a sair as caravelas portuguesas, também para uma "regata" à volta de mundos, até então, desconhecidos.

Foi a partir dessa largada, há cinco séculos, que Portugal se foi espalhando pelo mundo, deu origem a novos países, espalhou portugueses por todos os "cantos" deste globo, permitiu aos poetas, a Camões, a Pessoa..., que cantassem os nossos feitos, celebrassem a Diáspora e que esta pátria, tão pequena de tamanho, se tornasse tão grande e tão imensa como a língua portuguesa.


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sábado, 9 de junho de 2012

UMA RAZÃO SINGULAR

(DO AUTOR - SALVADOR DA BAHIA - BRASIL)



"Há em tudo o que fazemos 
Uma razão singular:
É que não é o que queremos.
Faz-se porque nós vivemos,
E viver é não pensar.
Se alguém pensasse na vida,
Morria de pensamento.
Por isso a vida vivida
É essa coisa esquecida
Entre um momento e um momento.
Mas nada importa que o seja
Ou que até deixe de o ser.
Mal é que a moral nos reja,
Bom é que ninguém nos veja;
Entre isso fica viver. 


Fernando Pessoa: obra édita - 15/09/1933





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sexta-feira, 8 de junho de 2012

NUNCA MAIS

(DO AUTOR - A CAMINHO DE VILAR DE MOUROS)


"Nunca mais
Caminharás nos caminhos naturais.


Nunca mais te poderás sentir
Invulnerável, real e densa -
Para sempre está perdido
O que mais do que tudo procuraste
A plenitude de cada presença.


E será sempre o mesmo sonho, a mesma ausência."


Sophia de Mello Breyner Andresen, in Obra Poética - Nunca Mais



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quinta-feira, 7 de junho de 2012

HYDE PARK

É sempre bom passear em Hyde Park, percorrer as margens do  Serpentine, passar ao lado do Peter Pan, tirar fotografias aos irrequietos esquilos e acabar a travessia do outro lado da rua, no Old Swan. As pie são maravilhosas! E a cerveja escorrega bem!

Mas atravessar o Park não é simples... há um quase imenso percurso a caminhar, seja por estradas alcatroadas, seja por veredas, seja por caminhos de areia, seja atravessando os sempre magníficos greens que, nesta altura do Jubileu, se encontram ainda mais verdes e viçosos, como se prestassem uma homenagem à Rainha. Depois, o atravessar implica várias paragens para umas fotos, para apreciar o trote elegante dos cavalos montados por bem vestidos cavaleiras e cavaleiros, para tomar um chá e comer scones num dos  pavilhões junto ao lago, para dar uma volta num barco a remos em pleno Serpentine e navegar juntos aos cisnes que passeiam, nesta altura do ano, atrás da sua cauda, uma fiada de patinhos feios, para apreciar as muitas estátuas dispostas pelo Park e procurar a Fada Sininho, junto à estátua do Peter Pan, e sobretudo, ficar-se estático e encantar-se com a vivacidade tremenda dos esquilos que calcorreiam, com a sua irrequietude, todo aquele espaço do parque.



(Do AUTOR - EM HYDE PARK)
Demora algum tempo este percurso de encanto e, quando atravessamos os portões de saída, o apetite já é devorador. O que vale é que, do outro lado da rua, no Old Swan, as pies e as pastas satisfazem, por completo, os mais famélicos estômagos. Se o dia promete, nada melhor do que, na esplanada, apreciar a comida e o calor do sol.

Agora, com as festas do Jubileu, em Hyde Park, os concertos abundam, as pessoas sentam-se nos anfiteatros de relva em deliciada escuta, pequenas orquestras vão enxameando os mais variados recantos do parque, enchendo de "music in the air", aquele espaço espaço único da cidade de Londres, sempre em festa e a abrir portas, já, aos Jogos Olímpicos...


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quarta-feira, 6 de junho de 2012

HÍBRIDO

Nestes tempos de crise nacional e mundial em que, cada vez mais, se alerta para a escassez das reservas dos combustíveis fósseis e para o seu preço que, ao subir constantemente, começa a atingir custos incomportáveis, em que é imperioso diminuir o seu consumo, a tecnologia dos híbridos, aplicada aos automóveis, vai ganhando, cada dia, mais força.

E não é rara a semana em que não são apresentadas as mais diversas soluções para tentar a resolução deste problema transversal: uns mais híbridos do que outros, com maior ou com menor rendimento energético, com mais ou com menos autonomia, uns mais caros e outros mais baratos...

Esta preocupação dos híbridos não é tão recente como isso e o nosso país pode considerar-se um verdadeiro pioneiro no desenvolvimento desta tecnologia e, mesmo, na sua concretização.

Este documento, de há 70 anos, mostra bem como o "engenho e a arte" fazem parte da índole lusa.

(do autor - fotografia da época)


E este veículo é, mesmo, um verdadeiro híbrido em toda a acepção da palavra porque até o animal, que faz a tracção do veículo, é um muar, um híbrido macho!

Em plano e a subir lá está o animal a puxar o veículo e nas descidas não faz mais do que "arrecuar" para a "box" e ali vai, repimpado, a apanhar o vento pela proa!

A fazer lembrar o anúncio da Pasta Medicinal Couto: "Palavras para quê, é um artista português...?" 



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terça-feira, 5 de junho de 2012

JUBILEU!

LONDRES ESTÁ LINDA!

E estava a transbordar de gente, principalmente britânicos, mas, também, muitos turistas estrangeiros. Todos envolvidos no espírito da comemoração, da celebração do Jubileu!

E sessenta anos de reinado não se fazem todos os dias... As ruas engalanadas de bandeiras da Union Jack e coroas do Império a assinalar o evento. Os desfiles, as marchas, o passeio no Tamisa, os concertos... um não acabar de festividades.

Um programa de Jubileu, de fim de semana muito animado, e prolongado até hoje, que não deixou as pessoas indiferentes e animou e elevou o ego dos súbditos de Sua Majestade!


(DO AUTOR - LONDRES JUNTO AO PALÁCIO DE BUCKINGHAM)
GOD SAVE THE QUEEN! 

E A NÓS TODOS, TAMBÉM!

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segunda-feira, 4 de junho de 2012

PALÁCIO DA PENA

Vê-se bem, lá no alto do Monte da Lua!

Lua que hoje está CHEIA, ENORME e RESPLANDECENTE, a encher o ar de luz suave, Lua que, sem vergonha, entra pelas janelas das casas e que se põe, também, a iluminar, lá no alto do Monte do nome dela, a concretização de um sonho romântico de um rei consorte.

(DO AUTOR - O PALÁCIO DA PENA - SINTRA)
Noite mágica, de magia também feita de histórias e aventuras que se passaram dentro das paredes daquele palácio...


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domingo, 3 de junho de 2012

MATERNIDADE

Parecia um casulo rosa raiado pronto a eclodir... como um ovo a abrir-se em duas metades... à espera de um vento frágil para soltar uma das partes...

De repente, num abrir e fechar de olhos, numa silenciosa explosão, saltam da cápsula delicados botões, filhos comprimidos, aconchegados no seu interior, que se soltam daquele imbróglio de cabeças e de pedículos e começam a individualizar-se em flores brancas, azuis ou liláses, que vão ganhando tamanho e formando uma inflorescência globosa como se fosse um chapéu ou coroa...

(DO AUTOR - EM SINTRA - O ECLODIR DE UM AGAPANTO OU COROA DE HENRIQUE)

(DO AUTOR - SINTRA - A COROA DE HENRIQUE)
... as coroas de Henrique

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sábado, 2 de junho de 2012

ABLUÇÕES

O dia a acordar!

A manhã azulada, feita de um céu claro ainda sem sol, mas a despertar pelo aviso do cantar do galo, pelo esvoaçar da passarada atrás dos milhares de insectos que pairam por cima do tanque dos peixes, dos nenúfares e das rãs, pelo agitar, leve, dos ramos das árvores...

"Leve, leve, muito leve,
Um vento muito leve passa,
E vai-se, sempre muito leve.
E eu nem sei o que penso
Nem procuro sabê-lo." 

Fernando Pessoa - Alberto Caeiro in O Guardador de Rebanhos - XIII Leve.



 ...pelo abrir das flores, como que a sorrir a mais um dia...

"Se às vezes digo que as flores sorriem
Se eu disser que os rios cantam,
Não é porque eu julgue que há sorrisos nas flores
E cantos no correr dos rios...
É porque assim faço mais sentir aos homens falsos
A existência verdadeiramente real das flores e dos rios.

Porque escrevo para eles me lerem sacrifico-me às vezes
À sua estupidez de sentidos...
Não concordo comigo mas absolvo-me,
Porque sou só essa cousa séria, um intérprete da Natureza,
Porque há homens que não percebem a sua linguagem,
Por ela não ser linguagem nenhuma.
É a Natureza a despertar!"


Fernando Pessoa - Alberto Caeiro in O Guardador de Rebanhos - XXXI Se digo às vezes que as flores sorriem.



É a Natureza a despertar!

Mas, no meio desta paz tão bucólica, tão simples de encantos, tão agradável aos sentidos, a algazarra surgiu, no meio do nada, inesperada... 

Eram chilreios, abanares de asas, chapinhares...

(DO AUTOR - NA QUINTA DA PROSA)

 ... eram os pardais, também no seu acordar, nas suas abluções rituais, na purificação do corpo, no lavar das penas...

Poderia ter começado melhor o meu dia?


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sexta-feira, 1 de junho de 2012

A CRIANÇA

Neste Dia Mundial da Criança penso nas crianças que sofrem, nas crianças que passam fome, nas crianças que são maltratadas, exploradas no trabalho, exploradas no sexo, abandonadas pelas famílias...

Dizia Pessoa que as crianças são o melhor do mundo, e são elas que nos prolongam na continuidade da vida, através dos filhos e dos netos, até dos bisnetos...

Temos que lutar para que todas as crianças do mundo tenham mais oportunidades, para que todas saibam sorrir,  para que todas se deixem encantar pela magia dos sonhos e todas possam alcançar um futuro capaz...

A PRETO E BRANCO

Pegou na tinta da china e espalhou com um pincel grosso, de pelos de marta, a tinta negra, pela periferia de toda a folha de papel Cavalinho. Era uma folha grande, de 40 x 60 cm., fixada no cartão grosso, também branco, que lhe ia servir de suporte.

Não tinha uma ideia do que iria desenhar, certamente iria começar por fazer um conjunto de riscos e de manchas negras, bem opacas, da cor da tinta preta vinda China. Era sempre assim que fazia: tinha uma ideia vaga, outras vezes já vinha com uma imagem mais precisa e definida, mas sabia, à medida que o desenho fosse ganhando forma, que o ia ajeitando até chegar ao boneco que também se ia, a pouco e pouco, idealizando na sua cabeça.

E era tão simples! Bastava-lhe só manusear a tinta preta, porque a branca era a do papel. E, como queria dar realce ao branco tratou, por isso, de espalhar, primeiro, o preto pelos lados, por cima e por baixo, para que a mancha branca ficasse centrada na folha que tinha diante de si.

Utilizou uma daquelas mesas de desenhador, com muito espaço, totalmente liberta de objectos para poder dispor apenas dos que necessitava: a folha, claro, os pincéis, de vários tamanhos - desde um bastante grosso, para fazer as manchas extensas de negritude, até um pincel fininho, quase um ou dois cabelos, para ser capaz de desenhar cabelos ou fios de teia de aranha -, um cadinho para colocar a tinta e, aí, poder molhar os pincéis, um pano branco de limpeza, um copo com água para lavar os pincéis, ou adoçar o negro quando o desenho o exigia, e papel absorvente. Mais, um pequeno bloco de folhas A3, um lápis B, uma borracha, para um esboço rápido, afim de avaliar as formas e as proporções, e nada mais!

E não podia falhar! A tinta da china não se apaga, não há safa que a tire, nem rasura que a leve porque, se rasurasse a folha, tirava o imaculado ao papel imaculadamente branco. Por isso, cada mancha, cada risco, cada cinza, tinham que sair no sítio certo, sem hesitações nem tremuras, sem desvios...

A primeira coisa que fez foi arregaçar as mangas da camisa branca e começar... por olhar para a folha branca. A tentar ver o que a sua imaginação projectava na tela diante de si. Esteve assim uns minutos largos a olhar o papel e a olhar, também, a janela rasgada na parede que projectava, na vidraça, o sol a pôr-se, escondido atrás das nuvens. 

Um pôr do sol diferente porque, no meio das nuvens cinzas que apareceram a ameaçar o fim da tarde, se abriu um rasgo por onde a bola de fogo se esplendorou uma última vez, antes de desaparecer por detrás do fim do mundo, deixando o lusco fusco, que se manteve por mais tempo porque a lua, em fase crescente, mas já quase terminal, enchia o céu da sua cor pálida.

(DO AUTOR - PORTALEGRE, FIM DE TARDE DE 31 DE MAIO)

Deixou, então, que a noite tomasse conta do ambiente e lá pegou no pincel grosso mergulhando-o, com suavidade, naquele caldo preto da tinta. Foi esborratando a periferia do papel preservando o centro. Depois de ter pintado de negro toda a moldura, pegou no pincel médio e foi garatujando riscos naquele miolo branco de forma mais ou menos arredondada; um risco aqui, um sombreado mais acima, uma curva mais gorda em baixo e quando deu por ela começou a tornar-se nítida a forma de um pato de bico estreito, de corpo pequeno, arredondado, de penas despenteadas na crista e de olhar lúcido e penetrante. Um traço mais, um risco fino a acabar um detalhe e, quando olhou a obra final, ficou satisfeito!

Só que, quando estava a dar a obra por terminada, no entusiasmo de a ver tão perfeita, deu um toque no cadinho da tinta negra, que se espalhou uniformemente por toda a folha desenhada.

Valeu-lhe a fotografia, a preto e branco, que tinha feito ao verdadeiro pato, dias antes, e que, inconscientemente, lhe foi servindo de inspiração... 

(DO AUTOR - ARGELA)


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