sábado, 31 de dezembro de 2011

DESTA VEZ É QUE É

Desta vez é que é! 

Está quase a chegar ao fim, mesmo na recta final... 

Daqui a pouco é o jantar, depois a conversa com os amigos e, quando se dá por ela, já é meia-noite e já estamos em amanhã, num novo ano.

Dizem que vai ser pior que este. 

Este foi mau mas teve uma coisa muito boa: livrámo-nos do Sócrates!

O próximo vai ter uma coisa também boa durante todo o ano, pelo menos dito em castelhano: vai ser o ano "dos mil y doce!

Assim, desejo a todos um Ano Novo, Feliz e Doce!




sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

ADEUS

- Desta vez é a última! Não vou pedir mais um ano. Desta vez não vou dizer até à próxima, vai ser um a Deus de verdade! Oxalá ELE permita!

E lá saiu, devagar, com a sua bengala, no seu passo inseguro, no seu passo trôpego... 

Noventa e quatro anos e uma bronquite, nada mais, além do cigarro, o seu único vício, o seu maior prazer.

Nos últimos anos, cada vez que vinha à consulta, apenas dizia: - Só vou pedindo um ano de cada vez, na minha idade...

Mas desta vez não foi assim. Saiu sem olhar para trás, sem qualquer tipo de comoção...

A lágrima, porque houve uma lágrima, escorregou lentamente na minha face.

Hoje foi a missa do sétimo dia. O momento apropriado para, definitivamente, lhe dizer o meu Adeus!

quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

QUASE NO FIM

Quase no fim!

Um ano que não deixa saudades, que não deixa boas lembranças, que não perspectiva melhoras e que não augura nada de bom.

Um ano que não pode ser esquecido porque as coisas más deixam sempre marcas mais fundas do que as boas.

De qualquer modo resta sempre a esperança e o ânimo para não nos deixarmos abater e sucumbir à malfadada crise.

Por isso a necessidade de reagir contra a adversidade, de encontrar maneiras de superar as dificuldades, de criar fórmulas para ultrapassar o desânimo.

E assim, quase no fim deste ano, em vez de pessimismos vamos falar de optimismos, em vez de choros vamos mostrar sorrisos, em vez de desânimos vamos ganhar ânimos e vamos vencer este monstro da crise!


quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

SALDOS

Hoje começam os saldos. Começa a vender-se, quase ao desbarato, aquilo que sobra nas lojas, aquilo que as pessoas não escolheram para comprar, ou que não compraram  na altura porque, por serem caras, se guardaram para agora, na esperança de as encontrarem a preço mais convidativo

Os descontos são grandes, chegam aos 70 e 80% do custo inicial!

É uma maneira de reactivar o comércio em quebra, de animar as lojas, não de mirones que se passeiam e não compram nada mas de, quase certos, compradores de produtos que lhes são úteis e com preços mais em conta.

As montras têm cartazes enormes com a palavra SALDOS em letras bem grandes. Uns até colocam o valor do desconto: "dos 30% aos 80% nos produtos indicados".

(Google images)

E os saldos são pelo país todo!

Altura boa para aproveitar e pôr, também em saldos, este país.

A despachar ou a pôr à venda, por bem barato, aqueles deputados que nada fazem e se espreguiçam pelos bancos da Assembleia da República, os que enriqueceram de maneira inesperada à custa de negócios ilícitos, de compadrios e de parecerias, os governantes que governaram mal o país e o ajudaram a pôr nesta desgraça, os "lobbies" que manipulam tudo, os colarinhos brancos que andam por aí e, enfim, todos aqueles "monos" que ninguém quer!

Podia ser que "isto" passasse a funcionar um pouco melhor, com mais seriedade e honestidade...

terça-feira, 27 de dezembro de 2011

BRINQUEDO DE LATA

No meio das prendas todas, com papéis de embrulhos feitos de Pais-Natal, de estrelinhas, ou flocos de neve e fitas de embrulho, douradas e vermelhas com enormes e sofisticados laçarotes, estava uma prenda embrulhada em papel pardo e amarrada com guita de cordel, fina, azulada, sem laçarote de remate, mas um simples laço, feito ao modo do dos sapatos. Uma prenda que, no meio daquela profusão de cor e espalhafato, sobressaía pela singeleza e pobreza de arranjo.

Esta não tinha etiqueta, não tinha nome a acompanhar, apenas estava ali, sóbria no aspecto, mas a sobressair pelo inesperado e quase insólito.

A cor azul do cordel quereria significar que, talvez, fosse um presente para rapazes. Apesar de ainda ser assim - cor-de-rosa para as meninas e azul para os rapazes - actualmente, essa separação sexual das cores já não tem o mesmo significado de antigamente.

Mas, voltando às prendas, poder-se-ia imaginar o que estivesse dentro daquele conjunto de embrulhos dispostos à volta da árvore de Natal: para as crianças as bonecas e casinhas de brincar, os carrinhos de comando e os legos para montar, os CD e DVD das séries infantis do Noddi ou do Walt Dysney, os jogos de computador ou das Play-Station... No caso dos adultos, seriam livros, perfumes, casacos de malha, camisas, luvas, cachecóis, CD de música, objectos com alguma utilidade, do porta-chaves ao saca-rolhas, do paninho de renda ao frasco de aromas, e outras coisas que dependessem da imaginação de quem oferece ou das necessidades de cada um.

Depois da febre do distribuir as prendas, do desembrulhar apressado e rasgado dos papéis, do abrir das caixas com os brinquedos, do ver o que era e abrir o próximo, do todos baterem palmas à admiração das crianças pela surpresa de cada brinquedo, da abertura mais tranquila das prendas, no caso dos mais velhos, ninguém se deu conta que aquele presente, o tal do papel pardo e do cordel azulado ficou esquecido, afogado por montanhas de papel colorido e rasgado e de fitas vermelhas e douradas ainda de laçarotes armados, algumas.

Foi o avô velho, mas lúcido, que, quase no final desta festa dos presentes, chamou a atenção para o esquecido embrulho e pediu ao neto que lhe estava mais próximo que lho trouxesse.

E foi desembrulhando, com calma, aquele presente: primeiro tirou o cordel azulado que enrolou com cuidado e colocou em cima da mesa, depois foi o papel pardo que, em vez de o rasgar, foi abrindo delicadamente  e o dobrou pelos vincos que já tinha, e o tal presente começou, tanto no meio da pequenada como dos adultos, a ganhar uma curiosidade inesperada. É que ainda vinha embrulhado, para que ficasse mais protegido, não naquele filme de plástico com bolhas que agora tanto se usa, mas, simplesmente, em papel de jornal.

Até que, como o pinto, o presente saiu do "ovo"!




E saiu uma camionete de lata, como podia ter saído um carrinho, uma moto, um barco, um comboio, um boneco articulado, ou um carrossel...

Causou surpresa, admiração e espanto: na pequenada pelo efeito de inovação, por que era diferente dos que conheciam, sem luzes a apagar e a acender, sem baterias nem botões prontos a activarem sistemas electrónicos, de lata e não de plástico; nos adultos pela nostalgia dos seus tempos de criança... um dos presentes até disse ter um igual e que deveria ainda estar guardado no baú dos brinquedos velhos.

Antigamente eram assim os brinquedos, de lata, pintados à mão com cores garridas, com as rodas, também de lata, a girarem de forma oscilante. Alguns tinham um motor de corda, com a chave em separado. Faziam as delícias da pequenada, eram simples de fabricar, quase de forma artesanal, não exigindo grande tecnologia e, quando não estavam a ser usados na brincadeira ainda poderiam dar, como no caso desta camionete, para guardar os berlindes na caixa aberta.

Fora o avô quem pusera aquele presente, daquela maneira embrulhado, no meio dos outros.

Uma maneira de lembrar que, nesta civilização de consumismo exagerado, de alta tecnologia que nos pretende facilitar tudo, neste tempo do usar e deitar fora, neste tempo e modo de viver que nos levou à falência de um sistema, é altura de recuar um pouco nos conceitos de vida, é tempo de voltar às coisas simples, é tempo reencontrar as pessoas reunidas à volta de interesses comuns, é tempo de saber dar as mãos e olhar os outros.

Tempo de voltar ao verdadeiro espírito de Natal!

segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

SEGUNDA-FEIRA

Parece uma segunda-feira de férias ou de feriado.

As ruas quase vazias, com poucos carros e um pouco mais de peões, os transportes públicos sem gente e muitas lojas fechadas ou a abrirem mais tarde, a evidenciarem pouco movimento comercial. Foi como se as pessoas tivessem fugido ou abandonado a cidade ou, pura e simplesmente, se tivessem deixado ficar no remanso ou na ressaca de um fim-de-semana de festas.

Mas, se as ruas estavam quase sem gente, os caixotes do lixo estavam cheios de papel, colorido, rasgado com a pressa de quem queria ver o conteúdo da embalagem, de fitas vermelhas e douradas algumas com os laços ainda armados, de caixas de brinquedos esventradas, de caixotes de vinho e de champanhe vazios, de montanhas de papel de embrulho amarfanhado e amontoado ao redor dos caixotes de tampa azul à espera dos homens do lixo, a lembrar um fim da festa.

Foi mais um Natal que passou, desta vez um Natal mais triste que os outros, um Natal pouco celebrado, um Natal apreensivo, um Natal a olhar o amanhã que se avizinha duro, complicado e difícil.

O que vale é que para o próximo fim de semana, embora já não sendo Natal, volta a haver festa, de novo!



domingo, 25 de dezembro de 2011

OS SONHOS

Desta vez também eram de calda de açúcar e de abóbora!

Neste dia de Natal os sonhos tomaram conta da noite e do dia.

Para além dos sonhos de verdade, daqueles de sonhar deitado, ou acordado, também há sonhos de Natal.

São os sonhos de comer, feitos de massa frita, com a forma de bolas ocas cobertas de açúcar e canela, ou mergulhados numa calda de açúcar, ou, ainda, maciços, com abóbora na massa, também polvilhados de açúcar e canela.

Sabem bem, mas fazem mal... mas compensa o mal que fazem pelo bem que sabem e "pecar" por comer um sonho no dia de Natal não deve, mesmo, ser pecado.

Por isso, hoje, este dia de Natal, vai ser um dia de sonhos!

Mas não apenas por isto!


sábado, 24 de dezembro de 2011

UM NATAL FELIZ

No meio de tantas vicissitudes, de tanta interrogação, de incertezas, de, até, angústias estes dias de Natal, da família, da cristandade, do nascimento e da renovação que sejam bem passados, que sejam alegres, que tragam sorrisos, que se acompanhem de paz, de amor e de coisas boas e doces.

Um Santo e Feliz Natal para todos!

sexta-feira, 23 de dezembro de 2011

OS MAQUINISTAS

Resolveram fazer greve na altura do Natal!

Com ar de Administradores de Empresa, os privilegiados maquinistas da CP, resolveram não ir trabalhar por causa de uns processos disciplinares que a Administração lhes levantou por não terem cumprido os serviços mínimos numa greve anterior. Ou seja, não cumprem o que devem e recusam, agora, os processos disciplinares que lhes são devidos. E como não querem ser admoestados, não fazem mais nada: declaram, prepotentemente, uma greve nestes dias de Natal e nos de Ano Novo.

Vão prejudicar milhares de pessoas que, nesta época do ano, costumam utilizar o comboio para irem ter com a família distante, independentemente do prejuízo causado aos outros trabalhadores que usam o comboio no dia a dia para o seu trabalho. Os prejuízos para a companhia, para Portugal, são avultados. Mas eles não querem saber: ganham bem, a família viaja de borla nos comboios e têm uma data de regalias.

É mais um daqueles sindicatos comandados por chefes intelectualmente anquilosados, agarrados ao poder, que não querem largar o tacho, submetidos às ordens de um partido que se recusou a prestar homenagem a um grande defensor das liberdades democráticas, Vaclav Hável, que chorou a morte do querido líder tirano da Coreia do Norte, e está apostado em afundar, ainda mais, este país em má situação.

Mas a desgraça não acaba aqui: o Governo disse que não ia dar tolerância de ponto no Natal! O país está na penúria, é preciso trabalhar e cada dia de paragem de trabalho representa uma perda de mais uns milhões euros.

E, como é preciso trabalhar, o que fazem algumas câmaras Municipais, nomeadamente a de Lisboa? Concedem, à revelia das indicações do Governo, a tarde de tolerância. E o Parlamento? Mete férias até ao próximo ano, porque os funcionários e os senhores deputados estão muito cansados! E os Tribunais? Metem, do mesmo modo, férias judiciais até ao próximo ano e os processos atrasados de anos vão ficando cada vez mais atrasados!

E a classe média o que faz? Não tem outro remédio: trabalha sem tolerâncias, paga os impostos sem atrasos e subsidia as tolerâncias, as férias e as greves desta gentinha que se está marimbando para um país chamado Portugal.

Para estes, para os grevistas, para os "tolerantistas", para os "ferialistas", só para eles, desejo um infeliz Natal!

Para os outros, para os que trabalham, para os que lutam por um país melhor, os votos de Feliz Natal!

E viva esta democracia!

quinta-feira, 22 de dezembro de 2011

PÁLIDO INVERNO

"Um pálido inverno escorria nos quartos
Brancos de silêncio como a névoa
Um frio tão azul brilhava no vidro das janelas
As coisas povoavam os meus dias
Secretas graves nomeadas"

Um pálido inverno - Sophia de Mello Breyner Andresen - Obra poética.

O frio é muito na serra húmida e escorregadia. O fino manto de geada que cobre o mato rasteiro e o vento que desce da encosta arrefecem, ainda mais, o ambiente.

As paredes do quarto, escurecidas pelo tempo, ressumam a humidade entranhada e os vidros das janelas, frios como a serra, parecem chorar lágrimas geladas e cristalinas que vão escorregando silenciosamente.

A enxerga fria obriga-o a enroscar-se em si próprio tentando aquecer, com a manta de quadrados castanhos em que se embrulhou, o corpo gelado e as mãos frias, quase insensíveis.

Sem sono, mas cansado, vai deixando passar, silenciosamente, as horas, demoradas e longas, esperando que a claridade pálida do alvorecer o acordem de um dormitar breve e solto. 

E, enquanto ali está, deitado e tremendo de frio, vai desenrolando o filme da sua vida, libertando o passado, revendo os Natais da sua infância, pensando na família e nos amigos que foi perdendo, olhando a vida que foi deixando escapar e que agora, na solidão e tristeza do seu viver, não passam apenas de recordações e de memórias esgotadas...


quarta-feira, 21 de dezembro de 2011

NEM SEMPRE TUDO

Nem sempre tudo o que desejamos, conquistamos.

Nem sempre tudo o que queremos, conseguimos.

Nem sempre tudo o que temos à mão, agarramos.

Nem sempre tudo o que cobiçamos, alcançamos.

Nem sempre tudo o que olhamos, vemos direito.

Nem sempre tudo o que escutamos, ouvimos.

Nem sempre tudo o que prometemos, cumprimos.

Nem sempre tudo se diz, embora tudo se pense.

E, se nem sempre tudo é muito, quantas vezes o nada é tudo ou o tudo é nada?
 

terça-feira, 20 de dezembro de 2011

FICOU CALADO

Ouviu-a silenciosamente do outro lado do telefone enquanto ela descarregava lamentos irritados.

Ouviu-a e não disse nada.

Não sabia, nem interessava, de quem eram as razões, se razões houvesse, mas sabia que, ao ficar calado, ao não retorquir, não ia macular nem acabar com os afectos, a ligação, a cumplicidade e a amizade entre os dois.

Sabia que, muitas vezes, mais vale calar que falar! 

Por isso se calou. Só por isso...

segunda-feira, 19 de dezembro de 2011

CASA BRANCA

"Em nome da tua ausência
Construí com loucura uma grande casa branca
E ao longo das paredes te chorei"

Sophia de Mello Breyner Andresen - Em nome - A casa
- Obra poética.

Em nome da tua ausência
Te recordei.
Em nome da saudade
Te chorei.
E, por agora estares sempre ausente,
Embora me estejas sempre presente,
Construí,
Para ti,
Uma casa grande, uma casa branca
com risca ocre, larga, amarela,
Onde, agora, me vagueio sem destino
Onde, por lá, sem ti, me durmo
Onde passo, hora a hora, cada hora
Dum tempo sem tempo, num desatino,
Passando as mãos nas paredes nuas,
Na cama branca e fria
E espreitando,
Através da janela grande,
Virada a poente,
Ansiando
A tua chegada
Num fim de tarde
Resplandecente...



domingo, 18 de dezembro de 2011

O PERÚ

Tem estado, desde que nasceu, a crescer e a engordar para ser morto esta semana.

Um destino pouco simpático, mas é o seu destino.

Cresceu com os irmãos e, assim que atingiu o tamanho e o peso certos, foi afastado e colocado no terreno das traseiras para que, com a liberdade condicionada à sua área, fosse alimentado com milho, com farelo, com couves e com tudo o que conseguisse debicar naquele chão cheio de ervas e plantas rasteiras.

(Google images)
Agora está cheio, luzidio, glu-glu-gla com força, de vez em quando passeia-se com as penas todas abertas, imaginando peruas à sua espera mas, provavelmente, vai morrer virgem.

E vai morrer bêbedo, vão enchê-lo de aguardente até quase não se aguentar nas pernas, agitando as asas com a sensação que é capaz de voar longe e alto. 

Assim a carne fica mais macia e saborosa, dizem...

É este o destino deste perú de Natal!



sábado, 17 de dezembro de 2011

PASSADEIRA VERMELHA

O caminho parecia preparado para uma procissão: o chão atapetado de folhas, quase todas de um castanho outonal, e no meio, entre o rodado dos carros, uma passadeira vermelha, de um vermelho bem vivo, de um vermelho feito de medronhos maduros caídos dos arbustos, carregados de frutos, que ladeiam o caminho.



É a natureza, cada ano, a preparar-se para a época festiva, a enfeitar as árvores, a decorar os caminhos, a colocar passadeiras bem vermelhas, a criar trilhos, a indicar os caminhos do Natal!


sexta-feira, 16 de dezembro de 2011

QUE DIA!

Parece que hoje os ventos, as águas, os desconfortos, os desagradáveis se juntaram e, vai daí, cozinharam um dia horrível.

Um dia que até nem acordou mal mas que, com o correr das horas, se foi invernizando e, agora, se transformou num fim de tarde horroroso.

O vento já não uiva, brame, a chuva já não pinga, molha mesmo, as árvores partem-se pelos galhos, as folhas secas do outono cirandam pelo ar, a casa estremece e ecoa barulhos, as janelas abanam e dão estalos, a televisão perdeu a imagem e o pio, as luzes tremelicam e a lareira nem se deixa acender por causa do vento que lhe sopra da chaminé.

Lá fora, os gatos, por causa do cio de uma gata amarela, lutam bravamente e gritam de forma desalmada.

A tarde escureceu mais cedo e a noite promete do mesmo.

Enrolado numa manta quente deixo-me estar quieto a esperar que o sono me obrigue a ir para a cama! 


Entretanto, e enquanto tiver luz, vou lendo um livro.

Felizmente que hoje não é uma sexta-feira-13 porque, dizem, costumam ser dias azarados!



quinta-feira, 15 de dezembro de 2011

PUBLICIDADE

Nunca vi tanta!

São os jornais com páginas inteiras de publicidade e agora até já trazem, muitas vezes, uma capa extra a anunciar produtos de grande consumo; é a rádio a ter cada vez mais intervalos para meter anúncios que, tal como acontece na televisão, elevam o som para que os produtos anunciados se façam ouvir bem; é a televisão a meter "buchas" publicitárias em tudo o que pode, como no começo das novelas e dos programas de grande audiência, sob a capa do patrocínio, são as próprias novelas a mostrarem que o azeite é "oliveira", que o refrigerante é o "sumol", que os carros são todos da mesma marca, a mostrarem bem o logotipo "H" da marca, quando arrancam ou estacionam...

Um entrar pela casa dentro, através da caixa do correio, de milhares de folhetos de publicidade, seja de supermercados, seja de lojas de electrodomésticos, computadores, telemóveis, máquinas fotográficas, "tablets", ou viagens de sonho...

Tudo a pedir consumo, a pedir comprem, a pedir gastem dinheiro, a pedir usem o cartão de crédito.

(Google images)

Como se a crise não existisse, como se o dinheiro abundasse, como se vivêssemos num mar de rosas.

Como se tudo fosse verdade!

Paradoxos...


quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

MAR

"De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua."

Sophia de Mello Breyner Andresen - Obra poética - Mar.

(Google images)

Sabe bem parar o carro e ficar assim, tempos parados, a sentir a quietude da maré vazia, a cheirar o aroma fresco da maresia, trazido por leve brisa, e a olhar o disco amarelo de uma lua plena, límpida e tranquila...



terça-feira, 13 de dezembro de 2011

FRUTO VERMELHO

A romãzeira está cheia de frutos prontos a serem colhidos.

(foto do autor)

Bolas coroadas, frutos dos réis, as romãs vão-se abrindo à medida que amadurecem e ali ficam, penduradas nos ramos, a oferecerem as sementes de rubi às mãos de quem as quiser pegar e provar.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

ENTROU-LHE EM CASA

Entrou-lhe em casa de mala cheia, dois sacos de viagem, um ar ansioso, chorado, cansado, desesperado...

Saíra de casa, largara a vida que tinha, o sofrer constante, as agressões verbais, o esconder de conversas, as variações de humores, as justificações, a angústia do viver assim.

(Google images)
Entrou-lhe em casa a pedir-lhe apoio, suporte, encosto. Precisava de um local, de um abrigo, também de um ombro mas, sobretudo, de sair daquele mundo, daquela vida...

Saíra de casa com a sua roupa, alguns livros, o computador e um atestado médico, passado na véspera, para justificar as ausências próximas ao trabalho.

Entrou-lhe em casa à procura de paz, da paz que ela tanto tem procurado, a paz que, finalmente, ali ia encontrar...

 


domingo, 11 de dezembro de 2011

ENFEITES DE NATAL

Este ano não há iluminações de Natal. Ou melhor, quase não há!

Também não são muito precisas. Estão associadas ao Natal, não pela Festa da Natividade, não por causa do nascimento de Jesus, mas por questões puramente comerciais. 

Pensar em Natal, pelo menos aqui em Portugal, é pensar em prendas. 

Os nossos vizinhos espanhóis entendem a quadra natalícia de uma forma mais acertada: guardam a noite de Natal para a celebrar em família, da forma mais cristã possível, e fazem a entrega das prendas na data correcta, o dia de Reis, que corresponde à altura em que os Reis Magos ofereceram as prendas ao Menino: o ouro, o incenso e a mirra.

Mas o comércio do Natal é muito forte e, por isso, as decorações e as iluminações de Natal: as luzes a piscar, o efeito de neve, os pinheirinhos, os trenós, as renas, o Pai Natal - agora há uns horríveis que trepam pelas paredes e entram pelas chaminés quase a confundir-se com os assaltantes que, cada vez mais,  há  por aí -. 

O topo das decorações de Natal são, ou têm sido, as árvores gigantes feitas em estruturas enormes e muito altas com uns bons milhares de luzinhas das mais diversas cores, que apagam e acendem, sob a batuta de um programa de computador. E cada terra quer reivindicar, para si, o estatuto da árvore mais alta, da mais luminosa, da mais original... como se o Natal, o verdadeiro Natal tivesse alguma coisa a ver com isto.



(foto do autor - Ponta Delgada)

De qualquer modo esta árvore, associando-se a esta resignação natalícia, resolveu prescindir das luzes, das bolas, dos sinos e outros berloques, do algodão a imitar neve e cobriu-se de um vermelho brilhante e intenso para festejar a quadra festiva que agora se aproxima.



sábado, 10 de dezembro de 2011

EQUILÍBRIO

Está ali há anos!

No entanto, parece que vai cair a qualquer momento, que vai inclinar-se pela força dos ventos e da água das  chuvas e escorregar por aquele telhado abaixo.

(foto do autor)

Cada ano que vai, cada ano que vem, o casal volta ao ninho, repara-o dos estragos do inverno, ajeita-o, traz mais uns galhos para o reforçar e ali continua naquele equilíbrio aparentemente instável, mas firme como uma rocha, determinado, seguro de si, como a querer desafiar as leis da natureza.


sexta-feira, 9 de dezembro de 2011

O FILÓSOFO

Deixou este país de rastos, deixou uma dívida imensa a pagar, deixou esta e as futuras gerações com um encargo enorme do qual não se vão libertar tão cedo, deixou a esperança da juventude à porta do inferno...

Depois de meses de silêncio abriu a boca para dizer que as dívidas não são para serem pagas e que pagar a dívida é ideia de criança... que foi assim que aprendeu na universidade onde andou a estudar.

Curiosamente, no país onde nasci, na minha universidade da vida, aprendi, ensinaram-me, que os compromissos são para serem honrados e que, quem deve, deve pagar!

Estou errado? Ou devo ir para Paris aprender esta nova filosofia, não de vida, mas de dívida? 

quinta-feira, 8 de dezembro de 2011

CINZENTOS...

Acordou com a cidade envolta em mistério. 

O nevoeiro intenso, da manhã ainda a acordar, esbateu o colorido dos prédios da avenida, transformou os poucos carros que circulavam em pontos de luzes brancas e vermelhas, abafou os sons metálicos da cidade e trouxe frio, um frio húmido que, rapidamente, se entranhou nos ossos. 

Gosto destas manhãs misteriosas, de pouca gente nas ruas, de cores atenuadas pela névoa, de frio que pede agasalhos e uma bica quente e amarga que nos aquece as mãos e deixa um travo áspero por dentro do peito.

Manhã de cinza, de tons cinzentos, mas já com cheiro a Natal!

quarta-feira, 7 de dezembro de 2011

CHONG FUNG CHA

Encheu a cafeteira com a água do garrafão de vidro. Pôs ao lume brando do fogão, para que a água fosse aquecendo de forma suave, sem grande convulsão das suas moléculas, proporcionando uma subida gradual da temperatura até estabilizar uns graus abaixo do ponto de ebulição. Não a podia deixar ferver, era sagrado!

Aquele chá, vindo das montanhas verdes de Chintochao, de plantações situadas a meio da encosta virada a sul, era único.

As folhas verdes, ainda enroladas, eram colhidas às primeiras horas do dia, depois de terem repousado em noite de lua cheia, uma a uma, as primeiras das pontas dos ramos dos arbustos, por mãos pequenas, delicadas, e depositadas em pequenos cestos forrados a seda. Sofriam uma maturação especial, quase secreta no modo de a fazer, e era apresentado como o chá de Chong Fung Cha.

Tinha de ser importado directamente, a quantidade produzida cada ano não passava de algumas centenas de quilos, e o preço, quase astronómico. E vinham, com as folhas do chá, a água daquelas montanhas e, da primeira vez que se comprava e que se fazia o registo como comprador-apreciador, também o material para preparar e beber aquela preciosidade.

Por isso o cuidado na sua preparação, o material apropriado, a água exclusiva, os cuidados com o calor para a aquecer, os tempos de infusão, a temperatura da sala, o ambiente, as cores, até a música (também, da primeira vez, veio um CD de músicas que ele chamava de Zen).

O chá, aquele chá, necessitava de uma preparação, quase espiritual, para ser bebido: um ritual próprio de gestos, de respiração própria, de relaxamento, como se tratasse de uma sessão de yoga. 

Por isso não era um chá que se bebesse todos os dias, não era um chá para acompanhar com bolinhos ou scones, não era um "five o' clock tea", era um chá que não queria conversa, apenas acordes de música oriental, introspecção, sossego e tempo... E tempo, também, para preparar tudo,  o ambiente, a cabeça e o próprio chá.

Quase tinha reservado a tarde toda para o cerimonial! É que, depois de ter sido bebido, e quase que não é bebido, mas apreciado, olhado, cheirado, sentido, aquele chá pede tempo para ser verdadeiramente degustado e poder transmitir a paz, a tranquilidade e o zénite de bem estar.

Momentos raros de felicidade. 

Do tudo só não gosta do nome: CHONG FUNG CHA!

É um nome cuja onomatopeia lhe faz lembrar um caminhar em terrenos lamacentos, um caminhar feito com botas grossas e andar pesado, um nome que nada tem a ver com a delicadeza, graciosidade e quase feminilidade daquele chá!


terça-feira, 6 de dezembro de 2011

MÃOS

MÃOS

"Côncavas de ter
Longas de desejo
Frescas de abandono
Consumidas de espanto
Inquietas de tocar e não prender"

Sophia de Mello Breyner Andresen - Obra Poética - Intervalo III


(imagem da net)


Naquela tarde em que surgiste
As mãos,
Ávidas de dar consolo,
Tocaram inquietas 
O teu corpo
Que se abandonou,
Em desejos,
Às ternuras frescas e longas
Guardadas na concavidade 
Das minhas mãos.



segunda-feira, 5 de dezembro de 2011

VESTIDA DE NOIVA

A Gabriela trabalhava para uma empresa de limpezas.

Era romena, tinha 21 anos, veio para Portugal com 19 anos e fazia a limpeza diária da clínica.

A empresa que a contratou cobrava, por cada hora de serviço, 7 euros, e a Gabriela recebia apenas 2 euros. Cinco euros que ficavam, bem guardados, nas mãos de quem sabe bem explorar estes trabalhadores vindos de longe e que aparecem sem mais nada do que uma mão vazia à frente e outra atrás das costas. Tinha-nos dito tudo isto há poucos dias e, por causa, queria despedir-se e ir procurar trabalho noutra empresa onde não se sentisse tão explorada.

A Gabriela era uma pessoa, quase uma menina, delicada, cuidadosa, preocupada com o seu trabalho e, porque era asmática, era seguida pelos médicos da clínica.

A Gabriela tinha cá família, um irmão casado, com quem vivia. E tinha um namorado, o Pedro, de 26   anos, com quem passava os fins de semana. A Gabriela dizia que o Pedro era o homem da vida dela.

Mas tudo é passado. A Gabriela já não tem presente e, muito menos, futuro... Nem a Gabriela, nem o Pedro!

Morreram ambos, intoxicados, num incêndio provocado por um aquecedor, aceso, que estava no quarto onde ambos dormiam.

O sonho da Gabriela era casar e ter filhos.

Agora a Gabriela vai para a Roménia onde vai ser enterrada.

Há-de ir vestida de noiva, como é a tradição romena das meninas que se foram antes do tempo... 



VOLUNTARIADO

Cada vez se torna mais necessário o voluntariado.

É uma questão de solidariedade, de entrega, de dádiva, de disponibilidade, de amor ao próximo.

O voluntariado é mais uma forma de evidenciar a importância dos valores, os mesmos valores que, tantas vezes, estão ausentes nos actos e nas atitudes das pessoas. Os valores que, tantas vezes, são lembrados pela sua falta...

Agora que, daqui para a frente, a vida vai doer para muitos, que vai deixar de haver dinheiro para pagar as dívidas e os créditos feitos ao desbarato, que vai deixar de haver dinheiro para comprar comida, que vai haver mais desemprego, o voluntariado vai ser um dos bens mais importantes e necessários.

Hoje houve muitos apelos, até do próprio Presidente da República, para o despertar do voluntariado nas pessoas...

Acho que ninguém, que sabe o que são os valores morais e do espírito, fica indiferente ao apelo e à realidade.

Só não vejo, nem imagino, os Limas, os Loureiros, os Varas, os Isaltinos e outros tantos, que tão hábil e influentemente souberam desviar para as suas contas bastantes milhões de valores materiais a, voluntariamente, exercerem essa forma de voluntariado.

Pode ser que um dia, brevemente quem dera!, a justiça se faça e esses milhões que andam por aí nas mãos desses indivíduos ou em nome de sociedades duvidosas, em "offshores" e paraísos fiscais, voltem para os cofres do Estado e se faça uma melhor distribuição da riqueza.

sábado, 3 de dezembro de 2011

CHOCOLATE

Acordou com o sabor na ideia e passou o resto do dia a pensar no chocolate que tinha comprado na véspera.

Um chocolate preto com amêndoas crocantes. Cento e cinquenta gramas a prometerem sabor, muitos gramas e muitos quadradinhos para degustar com tempo; pedacinhos que iria  deixar derreter lentamente na boca, saturando as papilas gustativas daquele sabor forte, untuoso e amargo, ao mesmo tempo que iria mordiscando os bocados de amêndoa tostada e caramelizada, dispersos pelo seu interior, para contrabalançar a adstringência final.

A embalagem de papel vermelho escuro, apelativo, convidava a um consumo imediato mas preferiu guardá-lo para mais tarde. Para quando, sentado no sofá, acabando a leitura de "Os Imperfeccionistas", e acompanhado por Mozart e pelo copo de malte da Macallan, o pudesse saborear nas condições ideais.

Deixou-se ir atrás da leitura, do piano da Maria João Pires, do "single malt" e dos quadradinhos negros.

Só se levantou quando acabou a leitura do livro, quando o piano se calou, quando o fundo do copo ficou vazio, quando o papel vermelho e a prata deixaram de servir de capa ao chocolate que já não havia... 


 

sexta-feira, 2 de dezembro de 2011

91 anos

Hoje, como há um ano atrás, quero deixar uma homenagem à minha mãe no dia dos seus 91 anos.

Uma idade que merece festejo, que merece parabéns!

Uma mãe que merece tudo, uma mãe que nunca regateou nada dos filhos e da família.

Uma mãe que continua a ser mãe e, também, avó e bisavó. 

Uma mãe que reúne e congrega o amor, a admiração e o respeito de toda a família.

Que Deus a conserve lúcida, independente e com o sorriso e o olhar que mais ninguém tem!

Um beijo, Mãe!


quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

FERIADO

Parece que vai acabar!

Comemora o dia da Restauração da Independência, o dia da saída dos espanhóis do Terreiro do Paço representados, nessa ocasião, pela Duquesa de Mântua e o seu secretário de estado Miguel de Vasconcelos.

Foi no dia 1 de Dezembro de 1640.

Um grupo de nobres, os Conjurados, liderado por Dom Antão de Almada, convenceu Dom João, Duque de Bragança, que vivia no  palácio de Vila Viçosa,  a liderar esta revolta, que foi bem sucedida, e se concretizou com a prisão da Duquesa, a morte do traidor Miguel de Vasconcelos e a expulsão das tropas espanholas. Dom João foi aclamado Rei de Portugal dando origem à dinastia de Bragança como o nome de D. João IV.

A situação em Portugal, nessa altura, era de verdadeira miséria, o dinheiro prometido pelos espanhóis, 60 anos antes, nunca chegou, tendo ficado pelos caminhos ínvios de uma administração mal gerida e corrupta.

Os campos mais férteis estavam cobertos de urze e ervas daninhas, o país decrépito e decadente e à beira da ruína.

A verdade é que, contra todas as expectativas, contra muitas previsões e contra toda a lógica, o país resistiu sem muito se conseguir entender, ainda hoje, como o conseguiu fazer.

Mesmo numa verdadeira miséria, esfomeado e decadente, o país conseguiu reunir forças para enfrentar a própria desgraça e sobreviver.

Hoje, no dia 1 de Dezembro de 2011, 371 anos depois, parece que voltámos à estaca zero.


quarta-feira, 30 de novembro de 2011

DUAS MÃES E DUAS FILHAS

A Susana entrou no gabinete acompanhada da Mariana e da Joana.

Estavam marcadas as três consultas seguidas, três consultas a três gerações de mulheres: mãe (e avó), filha (e mãe) e neta (e filha).

Começara a tratar a Susana, tinha uns seis anos, e foi-a acompanhado desde então: assistiu às suas crises de adolescência, conseguiu que deixasse de fumar, libertou-a do estigma do "asmático-coitadinho", acompanhou-a nas gravidezes, quando a asma, nela, se agravava de forma intensa, e agora, a entrar na menopausa, de novo com os sintomas a incomodarem e a necessitar de apoio e tratamento.

A Mariana deu trabalho a nascer, com a mãe em crise asmática, as cianoses, o índice de Apgar baixo, a colaboração intensa com o pediatra, a infância com as bronquiolites, as vacinas contra os ácaros, os broncodilatadores e os anti-inflamatórios, e a Mariana foi crescendo, entrou bem na escola, raramente faltou às aulas, praticou desporto e chegou a ser praticante federada de atletismo, gostava da natação e corridas de corta mato. A Mariana nunca se deixou iludir pelo tabaco e outros fumos, cresceu bem, tirou o curso que queria e dedica-se, como fisioterapeuta, aos seus idosos nas aulas de hidroginástica. A Mariana mantém a terapêutica de controlo da asma com o rigor e regularidade que a doença exige e passou bem a sua gravidez.

A Joana nasceu bem, apenas umas semanas antes do previsto, e passou uns dias na incubadora, até obter um peso mais consentâneo com a vida fora de água. Os primeiros sintomas da asma apareceram-lhe aos três anos e hoje, no dia dos seus seis anos, apareceu, contente, radiante, com uma boneca enorme que a avó lhe ofereceu e com a caixa da vacina que agora vai iniciar.

Ao vê-las, as três, quase mais amigas que doentes, lembrou-se daquela adivinha das duas mãe e duas filhas que vão à missa com três mantilhas. A Joana foi rápida na resposta. São três, e explicou com o exemplo vivo ali presente: como a avó também era mãe e a mãe também era filha e ela, neta, também filha.

Quando saíram, ficou a pensar nas coisas boas que, muitas vezes, os seus quarenta anos de médico lhe têm trazido.

 

terça-feira, 29 de novembro de 2011

À TABELA

Ainda se lembrava das velhas locomotivas a vapor, do cheiro do carvão, da nuvem branca e densa que saía dos êmbolos junto ao rodado da máquina, como um bafo, do fumo negro que borbotava da chaminé alta, da fuligem que andava por todo o lado e que sujava o colarinho e os punhos brancos das camisas, das carruagens de compartimentos fechados e de corredor lateral, das janelas que se abriam ao puxar de uma fivela de couro, do silvo estridente da máquina, antes de partir, aguardando o apito fino e prolongado do revisor ou do chefe da estação.

(Estação do Rossio - Google imagens)

Eram uma aventura as viagens no comboio a vapor: o tuff-tuff do arranque, o tuuu-tuuu-tuuu quando se cruzava com o comboio descendente ou saudava o pessoal que acenava na passagem de nível, o abanar constante e ritmado das carruagens na sua deslocação e o tac-tac das rodas ao passarem nas juntas dos carris. 

O revisor, de fartos bigodes e alicate na mão, a pedir os bilhetes para perfurar, a pergunta constante da senhora do banco da frente a saber quantas estações ainda faltavam para a Lageosa de Cima, o cesto que se tirava  da prateleira por cima das cabeças e o farnel que se abria, o papo-seco que se comia com marmelada, a maçã que se descascava com a navalha de ponta-e-mola, o senhor do lado a fumar um Definitivos ou Provisórios e a ler o jornal O Século, o fumo que tudo invadia cada vez que o comboio entrava num túnel, e a emoção que era quando se passava de uma carruagem para outra, naquela passagem metálica, estreita, a descoberto, e que abanava por todos os lados.

A paragem breve nas estações, com as mulheres, de xaile e chinela, a venderem água fresca do cântaro de barro, mais os rebuçados de açúcar queimado, as arrufadas, as santinhas e as orações a São Cristóvão para uma boa viagem. Também se aproveitava a paragem para o ajudante do maquinista ir batendo nas rodas e nos eixos das composições com um martelo de cabo comprido, para ouvir se nada soava a rachado.

Depois eram as paragens, às vezes longas, no apeadeiro, à espera do comboio que vinha em sentido contrário, porque a linha era de via única. O chefe da composição a baixar a alavanca do sinal para dar a indicação de via aberta e o maquinista a virar a agulha para dar entrada na linha lateral do apeadeiro. É que o Rápido e o Sud-Express tinham sempre a prioridade...


Finalmente a chegada, o descarregar das malas e dos cestos de vime, as mantas que não ficassem esquecidas, porque no inverno fazia mesmo frio e, lá ao fundo da estação, agitando a mão bem ao alto, a figura ímpar do avô esperando os netos para o terno abraço das saudades...


Eram assim as viagens, no tempo em que o vapor era rei e senhor e o comboio, raramente, andava à tabela!



segunda-feira, 28 de novembro de 2011

ATLÂNTICO

"Mar,
Metade da minha alma é feita de maresia."

(Sophia de Mello Breyner Andresen - Atlântico - Obra Poética).


Passara muitas vezes por aquela porta, a porta que lhe dava acesso ao mar, ao mar que ele tanto gostava, tanto gostava e tanto amava...

O mar onde tantas vezes se banhara, onde, vezes sem conta, mergulhara saltando da rocha lisa que servia de acesso à água.

O mar que era a fonte dos seus sonhos, das aventuras imaginadas, da sua poesia, das canções que apenas cantava para si, o mesmo mar das lágrimas salgadas, o mesmo mar de Sophia, o mesmo mar do canal e  do mau tempo...

(Ilha Terceira - Açores)

Mas agora já lhe custava descer as escadas de acesso e, muito mais, caminhar por sobre as pedras e as rochas cobertas de musgo e limo. Era fácil escorregar naquele piso quase sem atrito, como lubrificado de óleos de essências marinhas...

Por isso preferia ficar por ali, sentado numa cadeira, à entrada daquela abertura que já tivera uma porta, a olhar o mar, o seu atlântico, a cheirar a maresia, a olhar o sul para lá do horizonte, a despedir-se, solitário, como sempre quis que assim fosse...



domingo, 27 de novembro de 2011

O FADO

Hoje ficámos cheios de Fado, de fadistas, de casas onde ele se canta, de entrevistas, de opiniões, de regozijos, de alegrias, de contentamentos...

A forma de cantar de um povo, o Fado, do maltrapilho ao selecto, do Marialva ao popular, do Marceneiro à Hermínia, da Amália à Mariza, do embuçado às tabuinhas, do fado gingão ao fado triste, do fado cantado ao fado tocado...


(retirado da net)

A alma dum povo, a sua universalidade, hoje feito património imaterial, um património do mundo!




sábado, 26 de novembro de 2011

DA COR DO CÉU

Hoje, no fim de tarde glorioso, o céu era bem vermelho, com "nuances" de amarelo...

(foto do autor)


Ontem, durante o dia, tinha uma cor azul brilhante e lavada...

Anteontem, carregado de nuvens, parecia um esborratado de cinza-azulado...

Quarta feira acordou sem se deixar ver porque resolveu lançar um véu denso de neblina...

Na terça feira era negro, feito de nuvens maciças, prontas a despejarem toda a água de dentro delas para cima dos peões mais desprevenidos...

Segunda feira o céu tinha a cor da minha lembrança, um azul penteado de riscos brancos dos aviões que passavam lá no alto...

Afinal! De que cor é o meu céu?

sexta-feira, 25 de novembro de 2011

VIOLÊNCIA

Teimosamente continuava ali. 

Era a única flor amarela no meio daquele prado verde.

Solitária mas afirmativa!

Resistira à chuva forte do início da semana e hoje, neste dia que foi de sol quente e luminoso, abriu ainda mais as pétalas, aprumou o caule e, como sentinela daquele pequeno prado, ali estava, vigilante e atenta.

Ela, que não se deixara torcer pelo vento forte e violento dos dias passados, permitia agora que as pequenas brisas que por ali passavam, a acariciassem e a envolvessem, oscilando de contentamento a estes abraços de ternura da Natureza.

(imagem do Google)

Era a Natureza a manifestar-se solidária, nestes pequenos gestos de ternura e afecto, com o dia do Não à Violência Doméstica.

quinta-feira, 24 de novembro de 2011

O TRABALHO

Saíra cedo de casa! A manhã estava fria mas o dia prometia sol e, por isso, arriscou em não levar o chapéu de chuva e a gabardina que tanto jeito lhe tinham feito na véspera.

Ia quase sempre a pé para o trabalho, e só tomava o transporte público se o dia o não permitia.

Era a maneira de se manter em forma, de combater a diabetes que, por herança familiar, lhe poderia bater à porta, um destes dias, se não fizesse uma boa prevenção.

Cuidado com a boca, exercício físico regular e nada de ociosidade! Fora o conselho do seu médico de família. E ele tentava cumprir, sempre que podia, o aconselhado.

A manhã estava mais fria que o habitual mas era assim, nesta altura do ano, quando não chovia e o céu estava liberto de nuvens; como se estas servissem de cobertor à noite e não deixassem que a temperatura baixasse tanto.

Mas o dia prometia sol, prometia cor e, por isso, soube-lhe bem sentir aquele frio na cara provocado pelo seu caminhar apressado.

Pegou o jornal gratuito que o ardina distribuía junto aos semáforos, no cruzamento das avenidas, entrou no café da dona Lena para a bica habitual, deu uma vista de olhos pelas notícias mais gordas, fixou a sua atenção na história da criança que precisa de um transplante de medula e na do casal de idosos assaltado em plena rua por dois adolescentes, e lá seguiu rumo ao seu trabalho.

A mais um dia de trabalho!



quarta-feira, 23 de novembro de 2011

ENCANTOS

Encanto-me quando a cidade acorda com luz, com o sol a dourar as folhas no chão dos jardins e dos passeios.

Encanto-me quando vejo os pardais a esvoaçarem, por aí, soltos e a chilrearem de contentes.

Encanto-me quando olho as flores do jardim da praça por onde passo, cheias de cor e de viço, a contrariar o outono invernoso da véspera.

Encanto-me quando vejo as pessoas de sorriso nos lábios, a cumprimentarem-se na rua.

Encanto-me quando quase tropeço nas crianças da minha vizinhança, felizes e contentes, a correrem ao agarra, a jogarem à macaca, ali, no jardim, sob o olhar enternecido dos pais ou dos avós.

Encanto-me, mas nem sempre, não assim tantas as vezes... 

É que a maior parte do tempo, quando olho e quando passo, vejo e sinto, não encantos, mas desencantos...