domingo, 31 de outubro de 2010

HALLOWEEN

Decidiu comemorar o dia das bruxas da melhor maneira.

Foi até Salem, a norte de Boston, no Massachusetts. 

Tinha lá estado há uns anos atrás, na mais famosa cidade das bruxas, mas longe do dia 31 de Outubro.

Ficara-lhe a curiosidade e o desejo de viver uma verdadeira noite de bruxas, bruxarias, encantamentos, magias e de medos.


E foi... desta vez decidiu-se.

Recuou à Idade Média, trajou-se de mago Merlin, encarnou o espírito da Távola Redonda, do Rei Artur e da espada Excalibur, acompanhou-se de um livro grosso, de capas duras, onde tinha escritas, e anotava, as magias, as poções, os rituais, os encantamentos... 

Chegou no momento em que o conselho dos magos e das bruxas se reunia numa roda, sob a presidência do mago chefe; no meio da roda o caldeirão, sobre um lume vivo, um vapor arroxeado saindo da fervura da poção, um cheiro a enxofre misturado com mirra, e o mago chefe a falar... em bruxês.

Vozes concordantes, murmúrios discordantes, e o mago chefe, auxiliado pela bruxa Utopia, à medida que falava, ia temperando aquela poção com escamas de víboras, pedaços de pele de sapo, algumas unhas de morcego, dois ou três dentes de caracol babado e Mandrágora, muita Mandrágora.

O tom da discussão ia subindo, as divergências quase ao rubro, os magos a contradizerem as bruxas e estas a entrarem em histeria, a fazerem soltar faíscas das suas varas de azinho, incendiando o ambiente. Raios, coriscos, trovões e uma chuva ácida a cair no meio daquela roda alucinada.

Até que a poção ficou pronta e o mago chefe a foi distribuindo por todos... E teve efeito quase imediato e a discussão acabou com um acordo comum. A roda desfez-se e as bruxas e os magos saíram contentes da roda em alegre cavaqueira.

Enquanto ali estava, naquela roda de bruxas e de magos, lembrou a discussão do orçamento... Será que já tinha  acabado? Será que teriam chegado a algum acordo?



sábado, 30 de outubro de 2010

VENTANIA

Hoje foi um dia assim, de muito vento... vendaval, mesmo. 

Depois veio a chuva, forte, grossa, inundante.

Chuva forte e vento forte dão temporal.

Durou pouco mas o suficiente para arrasar e arrastar tudo o que aparecia à frente.

Devem ser as bruxas, que andam por aí, a descabelarem-se, a desarranjarem-se, a descomporem-se... é que amanhã é o "Halloween" e elas devem estar a preparar-se para a festa.

E Salem, a terra delas, deve estar num virote!

sexta-feira, 29 de outubro de 2010

ROSAS VERMELHAS

Ele oferecera-lhe um "bouquet" de rosas, vermelhas, de um vermelho forte, profundo, a expressar a intensidade e a força dos afectos que ele sentia por ela... Decerto que a reciprocidade dos sentimentos era igual.



Tinham-se conhecido há já alguns anos, em Cracóvia: um encontro casual, de rua, de duas pessoas que se descobriram a falar a mesma língua, em terra estranha.

Estavam ambos, ali, por motivos profissionais, em áreas diferentes de trabalho.

Começaram a encontrar-se, a matar saudades do falar a língua materna e foram-se encantando na estima, dedicando-se um ao outro e, de forma doce, deixaram que amizade se fosse cimentando, que a cumplicidade se estabelecesse naturalmente, que a proximidade dos pensares os unisse de forma única e especial.

Eram como dois gémeos, separados no viver, mas não na dedicação, na cumplicidade, nos afectos e nos sentires.

Conviveram momentos de grande aproximação, de mútuo entendimento, mas sempre sem paixões ou envolvimentos amorosos.

E, se a vida os aproximou, a vida os afastou. A profissão de cada um colocou-os em lugares diferentes, distantes, acabando, de um dia para o outro, aquela presença física, quotidiana, aquele encontro de conversas.

Mas as rosas vermelhas, essas, nunca deixaram de estar presentes. Apareceram logo no segundo encontro: ele levou-lhe três rosas, vermelhas, ela emocionou-se e ele nunca mais deixou de lhas levar.

Ficaram a ser quase que como uma espécie de talismã, um símbolo especial para eles.

Agora, afastados, conceberam um ramo de rosas virtuais, bem vermelhas, que enviavam diariamente um ao outro, através das conversas que tinham na net.

Mas hoje não, hoje, foi ele que recebeu um verdadeiro ramo de rosas, um "bouquet" de rosas vermelhas, de um vermelho forte, profundo, a expressar a intensidade e a força dos afectos que ela sentia por ele...

quinta-feira, 28 de outubro de 2010

O SAMOVAR

Trouxera-o de Minsk. Comprou-o num antiquário e  custou-lhe uma pequena fortuna, em rublos.

Em prata, todo desenhado, com motivos florais e arbóreos, de uma minúcia e perfeição que quase diria ter sido feito com a perícia e a paciência de um chinês. De um dos lados, uma plantação de chá, com duas ou três figuras de mulher a colherem as folhas das plantas. Do outro três flores, provavelmente de Camélia sinensis.


Tinha-o comprado porque lhe agradara a peça mas nunca lhe passara na ideia usá-lo para fazer o seu próprio chá. Para isso tinha um bule, antigo, de porcelana, que nunca lavava, e onde preparava, com algum ritual, o seu chá.

Chegava habitualmente cedo a casa. Ocupava parte do dia no escritório, despachava o correio e o expediente e, depois, fazia o trajecto a pé até casa; uma forma de manter a sua actividade física neste passeio diário de cerca de 30 minutos. 

E chegava quase ansioso pelo seu chá.

O seu chá Oolong, com sabor entre o chá preto e o chá verde, num balanço de aroma e paladares, mas forte na intensidade com o amargo deixando um resquício de sabor adocicado. Preferia o cultivado nas Montanhas de Wuyi enrolado em longas folhas curvas. Encomendava-o na mesma casa de chás e cafés, já há muitos anos, sempre com a mesma qualidade.

Depois de feito, sentava-se na varanda, com vista para o mar, e ali ficava, escutando Mozart, Beethoven, Bach, os seus favoritos, bebendo o seu chá e imaginando cenários para a sua próxima peça...

quarta-feira, 27 de outubro de 2010

EM PESSOA

Aproveitou uma ida ao Bairro da Bica e de Santa Catarina e por ali se ficou um pouco. Fazia tempo que não andava por aqueles lados... o miradouro a perder-se de vistas sobre o Tejo e a outra margem, o Adamastor, o elevador da Bica, o Largo de Camões, o Largo do Chiado e, inevitavelmente, a Brasileira do Chiado. 

Veio-lhe a vontade de um café e de um pastel de nata. Mesmo acabados de fazer, a transbordar de canela, com um cheiro, um aroma, irresistíveis.

Procurou uma mesa desocupada naquela esplanada soalheira, repleta de gente: turistas de câmara fotográfica em punho, com plantas da cidade abertas sobre as mesas, um ou outro cidadão pacato na leitura do jornal diário, mas nada mesas nem de cadeiras livres.

E a bica a arrefecer e o pastel de nata a esmorecer...

Uma cadeira livre, estranho ser de bronze, uma mesa, metade livre, com um tipo estranho, do outro lado, sentado, a ler uns papéis, de chapéu, tão absorto na leitura que nem deu pela pergunta se se poderia sentar naquela parte da mesa.

Como quem cala consente... assim concluiu, e ali se sentou a saborear o seu pastel, ainda morno e de massa estaladiça,  a bebericar a bica, também já morna, e a olhar quem passava; não viu a menina das tranças pretas, nem o Chiado, do alto do pedestal, a declamar.

Mas, o que se deu conta, de repente, foi que estava ali, sentado, ao lado do seu poeta, o dos heterónimos, o fingidor... nunca lhe tinha acontecido isto: estar a beber a bica com o Pessoa, em pessoa.

terça-feira, 26 de outubro de 2010

CHUVA MIUDINHA

O dia tinha alvorado com chuva, não daquela grossa e pesada, mas da outra, da miudinha, pegajosa, molhada, insistente, apesar de tudo, pouco convincente.

Foi chuva de pouca dura.

O sol, esse, faz lembrar aquele anúncio das pilhas: dura, dura, dura... e lá apareceu, a espreitar por entre as nuvens, a  afastá-las com decisão e a deixar o dia feliz. E ainda bem, porque o sol alegra, ilumina, aquece e dá cor.

Mas o outono não pode ser só sol.

O outono precisa de dois ingredientes: da chuva e do fresco. São as oliveiras a pedi-los para agora, quase em vésperas da apanha da  azeitona, os campos que começam a ficar sequiosos de água, e com necessidade de se prepararem para a semeadura, a água que é precisa para infiltrar bem a terra e criar as suas reservas subterrâneas.

E a manhã foi assim: acordou com chuva e acabou em sol.

É também esse um dos encantos desta época: a imprevisibilidade do tempo, sem rotinas, ausente de estereótipos, livre de regras e de determinações.

Como um livre pensador, descomprometido, aberto... de  verdadeiro "free mind".


segunda-feira, 25 de outubro de 2010

PASSEIO DOMINICAL

O dia acordou lindo, cheio de sol, fresco como seria de esperar numa manhã de outono.

A bica habitual na Versailles, um ritual de domingo, desta vez foi alterada. Meteu-se na moto, atravessou a ponte, e foi até Sesimbra.

Ver o mar de perto, naquela praia de areia estreita,  junto às arribas, a sentir-lhe o cheiro a sal, a conversar com as ondas e segredar à espuma.

Ao sair reparou nas marcas das suas pegadas deixadas na areia daquela maré vazia e pensou que, dali a pouco, iriam desaparecer assim que as primeiras águas da maré a encher ali chegassem.

Fáceis da apagar, estas marcas de areia; assim outras, as da vida, às vezes se pudessem desfazer com a mesma facilidade.

A bica, essa, foi tomada num café de pescadores, acompanhada de uma broa de Alfarim, apenas levemente perfumada a anis e tostada, como ele gostava.

domingo, 24 de outubro de 2010

CASTANHAS

Quentes e boas!, como diz o pregão!

Quentes, quase sempre, mas  boas são as assadas naqueles assadores de barro, com o carvão em brasa por baixo, preparadas e vendidas no meio da rua, naqueles triciclos ou em pequenos quiosques.

São um dos ícones do outono e do inverno!

 
Os castanheiros estão no seu pleno, os ouriços, bem espinhados, começam a soltar-se da árvore e a libertar as castanhas.

Têm um sabor único, lembram o frio, as mãos geladas a aquecerem-se no cone, feito de folhas de papel de jornal ou das páginas amarelas, cheio de castanhas quentes, o comê-las na rua, a caminho de casa, à dúzia, que ficam mais baratas.

No dia de São Martinho, que está quase a chegar, a celebração do Santo é feita com jeropiga ou água-pé e as imprescindíveis  castanhas.

As castanhas fazem parte da tradição, da época, dos sabores e dos cheiros da infância, assim como aquele fumo, quase ecológico, dos assadores.

Quentes e boas!, como diz o pregão.

sábado, 23 de outubro de 2010

LUA CHEIA

É sempre assim, cada vinte e oito dias, mais alguns minutos ou horas, lá aparece este círculo redondo. A Lua Cheia, claro. Sem luz própria, a pedi-la emprestada ao sol. 
Em cada ciclo mingua e desaparece, e depois volta a crescer até ficar de cara redonda. Sempre assim, mês  a mês, ciclo a ciclo. 


Fica particularmente bonita quando aparece por detrás da serra, a emergir da encosta cheia de árvores, criando efeitos de sombras chinesas, pontiagudas. Tem noites especiais em que brilha intensamente, tão límpida e luminosa que quase parece um sol, o sol da noite!

Dizem que tem buracos, duendes, um São Jorge a cavalo, um homem com um molho de silvas às costas, que tem bruxas, que à sexta-feira liberta os vampiros e os lobisomens, que a roupa posta a secar ao luar da lua cheia, depois de vestida, deixa manchas no corpo.

Não há dúvida que a lua desperta magia e encanta. Será por ser mulher? Ou porque reflecte a energia que lhe vem do seu homem-sol que lhe faz abrilhantar, nesta altura, os encantos que ela esconde durante o resto do seu ciclo lunar?

sexta-feira, 22 de outubro de 2010

SEM SONO

Custou-lhe adormecer naquela noite.

Não sentia remorsos de nada, nada lhe pesava na consciência, não andava stressado, nem com problemas para, nem por, resolver.

De ansiedade nunca se queixou, tirando nas alturas em que tinha exames ou provas de qualificação.

Também não estava apaixonado e os seus amores estavam perfeitamente estabilizados.

Só se fosse daquele café forte que tinha bebido depois do jantar. Estava a sentir-se com sono e tinha de aguentar aquela conversa de circunstância com os convidados e achou que a melhor maneira seria pedir um café: duplo, acentuara!

Bebeu-o de um trago, como sempre fizera, e sentiu bem o travo da cafeína... que lhe deu a espertina suficiente para aguentar a conversa que ainda se prolongou por uma hora bastante comprida.

Saiu do restaurante e foi a pé para casa, a sentir o vento fresco da noite. Sabia-lhe bem. Lá dentro, no restaurante, estava calor, abafado, e aquele quase frio da rua ainda lhe veio trazer mais alerta aos sentidos.

E, naquele tempo em que não adormecia, pensou que horrível seria ter insónias como esta, assim, todas as noites, acordado, sem sono, olhando a noite passar, olhando o escuro de olhos abertos,  com o espírito cansado mas acordado...

Pois é, quem lhe mandou tomar aquela bica forte?

Agora não dorme, fica com sono!

Maldita cafeína! 

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

MARVÃO

Aproveitou uma terça-feira de liberdade e foi até às alturas, até um dos seus refúgios. Era sempre que ali ia quando se queria encontrar consigo próprio.

A subida, de curvas e contra-curvas, e o ar fresco da manhã, meio feito de fumos das queimadas e meio de neblinas frescas, eram como um bálsamo que ia sentindo a percorrer-lhe o corpo e os sentires à medida que se aproximava daquele ninho de águias.

Parou o carro lá bem no alto, saiu lento e foi encostar o seu olhar à muralha junto ao jardim. Ficou ali a ver a vastidão do mundo que o olhar permitia, a imaginar-se personagem de um tempo longínquo, de cristãos e de mouros, de conquistas e de lutas...

E o castelo ali ao lado! Faz tempo que lá não ia, ouvir os ecos da cisterna escura, cisterna que nunca o ajudou nas respostas  que procurava porque lhe devolvia sempre as perguntas que lhe fazia, subir às muralhas, entrar naquele quarto sem janelas, mesmo no meio do castelo, e ir ao topo acenar a Castelo de Vide e à Senhora da Penha.


Percorreu todos aqueles lugares, deixou que a memória soltasse recordações, que as vivências se tornassem presentes, que a solidão daquele lugar lhe fizesse a companhia que precisava naquele momento.

Entrou no carro revigorado, sentindo-se castelão do seu castelo de sonhos.


quarta-feira, 20 de outubro de 2010

ANIVERSÁRIO

Faz 35 anos.
Uma vida... ou quase nada, de uma vida!
Já passou por muito, já andou perto do Além, mas agora está bem, sempre bem, presente. 
Alegre, bem disposto, disponível e a trabalhar.
De família constituída, a completar, quando?
Boa sorte e que a vida te sorria. Não precisa de ser sempre, mas que seja muitas vezes.
Esquecia o mais importante:



PARABÉNS, filho.
À tua saúde!

terça-feira, 19 de outubro de 2010

O TARRO

É o utensílio, por excelência, do pastor alentejano.
Muitas vezes manufacturado pelo próprio, serve para o transporte e conservação dos alimentos. Como se fosse uma marmita "termos" dos tempos mais antigos, não só pela forma cilíndrica, com uma asa para o transporte, mas também pela capacidade que tem em manter a temperatura dos alimentos por um bom par ou pares de horas.
É relativamente fácil de fabricar, quase que exclusivamente com cortiça, um pouco de madeira e uma boa faca ou canivete. Usa-se uma prancha rectangular de cortiça, aparada, que se dobra sobre si própria, formando um cilindro que se encerra e fixa com pregos de madeira. A base é um disco de cortiça que se encaixa por pressão ao cilindro de modo a assegurar um perfeito estancamento. Também este fundo é fixado pelos tais pregos de madeira. Faltam duas coisas: a tampa, de bordos cónicos de modo a facilitar o encerramento e abertura da mesma, e uma asa para o transporte, feita de uma faixa de carvalho ou castanho, fixada lateralmente por pregos maiores, também de madeira, e que permitem o oscilar da mesma.


Hoje, que se fala tanto no aproveitamento dos recursos naturais, que se fala tanto em reciclagem, em desperdício, não será o tarro um bom exemplo do aproveitamento dos recursos naturais?  A cortiça isola do calor e do ruído, é impermeável, é resistente ao uso. E o custo é insignificante.

Além do mais, se for bem cuidado, não se estraga e pode durar uma vida. E, se se estragar, devolve-se à terra que esta se encarrega de o reciclar.

Há alturas, quando estamos cercados por angústias,  quando  os mal-estares nos envolvem o viver, quando as tristezas nos roubam a alegria, quando as desilusões cortam todas as esperanças, que apetece ter um tarro à mão para guardar os sorrisos, as alegrias, as esperanças, as aspirações ao bem-estar.  Certamente que, dentro do tarro, estarão abrigados, isolados e conservados, e, em qualquer momento, podem ser devolvidos, ao próprio, com a pureza inicial.

segunda-feira, 18 de outubro de 2010

O CONTADOR

Comprara-o num leilão. Há uns anos já. 

Sempre sonhara ter um, para guardar as jóias e os segredos, dizia.

E lá o conseguiu arrematar, mas quase o ia perdendo. No meio da licitação, quando o pregoeiro já estava para bater o martelo pela segunda vez, apareceu uma outra interessada naquele contador,  uma coleccionadora de contadores, dizia-se. E o que era para ter custado 100, passou a 170, mas conseguiu-o.

Escolheu o sítio mais nobre da casa para o colocar. Ficava à vista de quem entrasse, era gabado por quem o via pela primeira vez e ela não se cansava de contar a história-quase-aventura da sua aquisição. Naquele sítio, longe do quarto, não era prático para guardar as jóias, mas sempre deu para guardar os seus segredos.

Não era fácil de abrir... porque também tinha um segredo: uma peça de madeira que se enfiava entre os dois painéis da frente, que se abriam como portas e deixavam soltar uma espécie de botão que permitia abrir apenas uma gaveta. A chave da fechadura da porta apenas era elemento decorativo, para enganar quem o queria abrir sem lhe conhecer o segredo. Depois, puxava-se a gaveta e premia-se num outro botão que deixava abrir uma  porta interior. Dessa porta tirava-se uma outra peça que se fazia deslizar por um buraco junto à dobradiça e, assim, de segredo em segredo, ia abrindo aquele contador que, ao ser aberto na totalidade, deixava à vista um segundo conjunto de gavetas onde ela podia ir guardando os seus segredos.



Uma semana depois do dia em que partiu, uma semana depois de ela ter deixado a casa para sempre, a filha tentou abrir o contador, mas não conhecia o segredo; tentou de várias formas, usou lâminas de facas, chaves de fendas, até tentou desaparafusar as dobradiças, mas não conseguiu. Não podia estragar aquela preciosidade e deixou-o ficar, assim, fechado, como um sacrário em lugar de destaque.

Foi a melhor maneira de recordar a memória da mãe e a preservação dos seus segredos...

domingo, 17 de outubro de 2010

E AGORA?

Já saiu, um parto difícil, prolongado, com ventosas, cesariana e saiu um perfeito aborto. Uma lástima, uma desgraça, um aperto, um sufoco... este orçamento. 

E agora?

Como vai ser daqui para a frente? Como vai o povo subsistir? Como vamos viver com dignidade?

Porque é que os responsáveis de tudo isto, os que andaram durante anos a enganar o povo, a dizer mentiras, a encobrir realidades, a esbanjar dinheiro em empresas públicas, a dar tachos à clientela, a pintar o negro de cor de rosa, porque é que não vão presos?  Porque é que não vão para a cadeia como delinquentes? Porque é que o responsável, não é expulso daqui p'ra fora?

Será que a política perdoa tudo? Será que a democracia, esta democracia, premeia? 

E os outros? A classe trabalhadora? Vai ter de pagar os fatos Armani do sócrates?, as viagens de avião dos ministros apressados?, os ordenados dos gestores que  ganham milhões?, os carros do estado ao serviço sabe-se lá de quem?, os prejuízos dos institutos das estradas de Portugal, das águas e de todos essas empresas públicas?, da Refer?, o gasóleo verde para a Mota-Engil?, os mini-impostos da banca?

Acho que chega. Basta. Acabem com a corja, acabemos com a corja!

Gosto do nome, corja... tem muito de asco, de nojo, de vómito... 

Por isso CORJO-ME para este governo de M...



sábado, 16 de outubro de 2010

O SIM

Prometo sim, disse ele.

Prometo sim, disse ela.

E prometeram-se em amor, em cumplicidade, em vida comum. 

Prometeram companheirismo, prometeram amizade, prometeram afectos, prometeram respeito.

Sonharam, conquistaram, uniram.

Hoje sorriem, olham um para o outro com ar juvenil, apaixonado, terno.

No outono da vida descobriram a primavera de mãos dadas, procuraram beijos floridos, trocaram abraços de ternura, olharam-se de encantamento, segredaram intimidades.

Sim, disseram os dois, a sorrir ao dia, a sorrir à vida, a sorrir ao amor!

sexta-feira, 15 de outubro de 2010

FOLHA

Diante da janela tinha um plátano, uma árvore velha, de tronco gordo, ramos fartos e bem distribuídos, com a sua pele característica, como se fosse malhada.

Era inverno e a árvore estava totalmente despida, feita nudez quase obscena de tanta ostentação de corpo. Assim que os primeiros sóis de fim de inverno apareceram, assim que os dias começaram a clarear de mais luz, assim que os frios começaram a ir embora para outros lados, a árvore começou a ganhar consciência da sua nudez, do seu atrevimento ostensivo e começou a brotar  em cada ponta ou curva dos ramos um gomo verde que foi crescendo quase a ver-se de dia para dia: ontem uma protuberância de um verde desmaiado, hoje já um broto a querer parir-se da casca tenra, daqui a pouco um esboço de folha bem verde a abrir-se no ar. A árvore como que a vestir-se sorrateiramente, de forma delicada.

Fixou-se no ramo que ficava mais perto da sua janela e foi, ao longo do tempo, da primavera, do verão e do outono, apreciando o desenvolvimento e crescimento daquela folha. De início de um verde tenro e frágil, muito maleável, de bordos macios e suave ao toque, mais tarde, já com a sua forma de quase estrela de cinco pontas, grande, maior que a palma da sua mão, a textura tornou-se mais consistente, os bordos mais ásperos e quase cortantes, a pele a criar veios que lhe tiravam bastante daquela maleabilidade juvenil, o verde mais forte e mais adulto. Com o verão a folha começou a mudar, a ficar com um verde mais esmorecido, a ficar mais rija, a ondular-se no bordo, a criar manchas que amareleciam, acastanhavam ligeiramente, ou começavam a avermelhar... tudo feito de um continuado quase imperceptível para quem se dedicou à observação quotidiana daquela folha. 

Entrou o outono e a folha a ficar toda amarela, de um tom forte a transformar-se depois em castanho e, rapidamente, a tornar-se quase um fogo de vermelho.



A folha a enrugar-se, a perder flexibilidade, a quebrar as pontas por força das rabanadas de vento, pelo choque com as outras irmãs de árvore, pelos pingos fortes das primeiras chuvas de Setembro...

Ela olhou as suas mãos e imaginou-as folhas, comparou-as na sua evolução, no seu percurso de vida. Viu umas mãos velhas, de 84 anos, manchadas, de pele áspera e endurecida, com os dedos a entortarem, os nós das articulações a deformarem... 


O que numa folha muda num ano, demora mais tempo, substancialmente mais tempo a mudar nas suas mãos... 

As suas mãos, como folhas presas aos ramos, que são os seus braços, de uma árvore, também velha, mas de raízes móveis, raízes que lhe dão a liberdade de passear a vida, deambular no mundo e não se quedar ali, como aquela árvore, todo o tempo, diante da sua janela...

quinta-feira, 14 de outubro de 2010

O JARDIM

Aproveitou a hora do almoço e foi passear no jardim.

Nessa dia não tinha fome, o pequeno-almoço ainda mantinha o seu efeito de saciedade, e, por isso, dispensava a refeição. Se fosse preciso, pela tarde, tomava um iogurte, comia uma bolacha integral e, de certeza que se aguentava até à hora do jantar.

Sabia-lhe bem passear ali, tudo  bem arranjado, as árvores do outono com as cores únicas da época, umas mais despidas que outras, os canteiros cheios de flores, água em abundância, a passar de um lago para outro, papiros, canaviais, os cisnes, os patos, tudo bem arrumado numa paz e num sossego que só faziam bem à alma.

Gostava de se sentar num banco de pedra, daqueles baixos, meio escondido por um choupo frondoso, junto à borda de água. Dava para ver o céu e as copas das árvores a reflectirem-se nas águas quietas, para olhar as pessoas a passearem na outra margem: casais enamorados, abraçados, enrolados em beijos, outros de mão dada em conversa tranquila, um ou outro passeante apressado, crianças correndo, carrinhos de bebé empurrados por mães solitárias ou casais jovens, idosos a passear no seu vagar, estudantes à procura de um poiso, para namorar(?), para estudar (?)...

Dali, daquele posto de observação, via uma parte do mundo, uma parte da vida... a parte ajardinada do dia, onde tudo passa tranquilo, onde apetece sorrir, onde a paz domina, as flores cheiram, as árvores titilam as folhas suavemente, os cisnes navegam os silêncios sem esteiras...

Apetecia tanto ir ali, olhar, sentir, fruir, carregar baterias, renascer os sentires! 


quarta-feira, 13 de outubro de 2010

RECICLAGEM

Já sabia: o azul era para o papel, o amarelo para os plásticos e o verde para o vidro.

E fazia tudo certo: colocava os jornais já lidos no saco azul, as embalagens do iogurte, depois de passadas por água, no amarelo e a garrafa do vinho, também depois de passada por água, no verde.

Simples... a princípio ainda tinha de pensar nas cores e associá-las a cada objecto, mas ao fim de um certo tempo já fazia tudo automaticamente.

Assim que os sacos ficavam cheios, e ao fim de semana, lá ia, aos eco-pontos, levar aquilo tudo para reciclar.

Só não sabia o que fazer ao resto do lixo, só não sabia onde pôr tudo aquilo que lhe entrava pela casa dentro, pela vida dentro: a despesa excessiva do estado, os gastos supérfluos da governação e da administração pública, as obras escusadas e faraónicas adjudicadas, a dívida pública e os seus juros, os milhões a pagar de indemnizações aos "boys" do sócrates, a pouca vergonha que se vê por aí de organismos e empresas públicas, de ordenados, carros do estado, cartões de crédito,  as aposentações milionárias e acumuladas de gente que passou por empresas públicas apenas alguns meses, o que se vai ter que pagar em juros pelo resto da vida, tudo por causa deste primeiro-ministro  socialista que ontem disse e fez uma coisa, hoje diz e faz outra e amanhã irá, certamente, dizer e fazer mais outra, a desdizer-se, a contradizer-se, a aldrabar, a mentir descaradamente com aquele ar de pinóquio  sempre bem apinocado...

Vai ter que se inventar, não um saco, mas um enorme contentor de cor apropriada: CASTANHA. E onde despejá-lo? Na residência do primeiro-ministro? Na assembleia da república? Em manifestações de rua? Ou nas urnas quando for a altura própria?

Será que vamos ter que aguentar e guardar este lixo durante tanto tempo? É que, tanta porcaria junta fede, enoja, causa vómito, causa revolta...

terça-feira, 12 de outubro de 2010

A MARMELADA

Foi até ao fundo da quinta, lá em baixo, junto aos marmelos. As árvores carregadas, os ramos vergados pelo peso, pediam a colheita, precisavam largar-se daqueles frutos que agora já lhes eram incómodos. Queriam espreguiçar os ramos cansados e preparar-se para o inverno que, rápido, se aproxima... é que o outono passa depressa e os frios ali, junto à ribeira, chegam mais cedo.

Tinha levado um cesto, de bom tamanho, a tesoura da poda para ajudar na recolha dos marmelos e uma escada de alumínio para colher os frutos mais altos. Felizmente que as árvores são baixas e de rama pouco densa.

Encheu o cesto por três vezes, nunca tinha colhido tantos...

Os mais maduros ia assá-los, com açúcar, canela e um cheiro de porto e ia deixá-los ficar na assadeira de barro a absorverem a própria calda açucarada, adocicando a polpa; os outros, entregava-os à Catarina, que tinha umas mãos únicas para fazer a melhor marmelada que já conhecera e, também, a geleia. E, este ano, ia ter com que se entreter.

Até lhe fazia confusão esta prodigalidade da natureza, a abundância da sua horta e do seu pomar. Parecia que a  crise ainda não tinha chegado por aqueles lados... ou seria a natureza, sempre sábia, a lembrar a necessidade de cuidar bem, de guardar, de não desperdiçar, para obter os frutos que ela, também generosa, sabe dar?... e sem juros!

segunda-feira, 11 de outubro de 2010

A ONDA

Passou a manhã junto ao paredão, tinha saído cedo de casa, o dia a prometer vento, chuva, fúria, instabilidade.

Gostava do mar assim, bem agitado, cinzento forte, revoltado, a espumar fúria e raiva, com ondas longas e massivas, a baterem forte nas rochas e a desfazerem-se em leques de espuma branca.

Sentou-se no muro velho, testemunha de muitas tempestades, paredão que, muitas vezes, impediu o mar de passar mais além e ali ficou, ele e o mar, a olhá-lo, não em desafio, mas em contemplação, em recordações de outros mares, de outros ventos, de outras tempestades. Mas lembrava também momentos de acalmia, momentos e tempos de paz, em que navegava tranquilo nos sonhos da vida.

Agora ali, com o vento a castigar-lhe o corpo, com a chuva a escorrer-lhe pelo casacão impermeável, ouvia o rugido do mar, como se estivesse numa sala de concerto a escutar uma música  furiosa mas que lhe transmitia, paradoxalmente, a paz capaz de calar e silenciar a sua solidão, a sua angústia.

E ali ficou, quieto, só, toda a manhã, até a maré começar a baixar, até o vento acalmar, até as ondas amansarem, até ver que os barcos ficaram mais tranquilos... agora, sim, podia ir, o seu mar amansara e ele partiu sossegado...


    

domingo, 10 de outubro de 2010

AMANHECER

Amanheceu como já não era costume, de capacete, cinzento, feito de um nevoeiro cerrado, a deixar o chão húmido, escorregadio, a amortecer os sons, a prolongar os silêncios, a cheirar a paz de outono. Sem vento, sem movimentos...

Saiu de casa pela mesma hora, quase só ele, a estrada deserta, um cão a cheirar a berma húmida, um melro pousado no ramo de uma figueira de caminho.

Enquanto descia a serra, à medida que se aproximava da cidade, o dia clareou, deixou ver as casas, o branco dos edifícios, o sorrir do sol a acordar, a vida a mexer-se junto ao mercado. 

Foi à bica, à boleima quente e, da janela do mercado, olhou a serra ainda adormecida e envolta na sua manta cinzenta de nevoeiro... de certeza que os cães ainda estavam a dormir, enroscados, tal como os deixara ao sair.

sábado, 9 de outubro de 2010

O BANDO

Era quase como uma massa escura que se deslocava em uníssono pelo ar, contra o céu azul, limpo de nuvens, num movimento aparentemente errante.

Umas vezes comprimia-se o conjunto e ficava ainda mais denso e mais escuro, outras, quase se abrindo, como o fole de um acordeão, deixando adivinhar os minúsculos pontos de cada ave.

E ele, ali, daquela janela, de parapeito largo, a gritar ao ar, como Álvaro de Campos:

    "Quero ir convosco, quero ir convosco,
      Ao mesmo tempo com vós todos
      Por toda a parte pr'onde fostes!
      Quero encontrar vossos perigos frente a frente,
      Sentir na minha cara os ventos..."

...transformar meus braços em asas como as vossas, fugir do mundo, da humanidade e ir a caminho pr'a onde fores.

E, a pouco e pouco, o bando lá ia, rumo a sul, rumo ao mar, esfumando-se na sombra do horizonte...


sexta-feira, 8 de outubro de 2010

PARAPEITO

Todos os dias o ia cumprimentar à janela.

Não sei se seria, mesmo, todos os dias.

Mas sabia que bastava chilrear um pouco e ele aparecia, às vezes com ar ensonado ainda, dos dias em que se deitava mais tarde e lhe apetecia ficar na cama mais tempo. Mas aparecia sempre, de sorriso nos lábios e sempre com a bolacha Maria já esfarelada.

E ali ficava, encantado, a vê-lo debicar aquela farinha doce.

De vez em quando dava um voo até à beira do tanque, bebericava um ou dois goles de água e voltava ao parapeito... dava dois gorjeios de satisfação e continuava a sua sobremesa matinal.

Um ritual que começou em Maio, ainda era um passarito que mal sabia voar. Ele encontrara-o caído, junto à janela, pegou-lhe com cuidado, acarinhou-o, deu-lhe água para beber e foi, com ele na mão, bem aconchegado, dentro de casa, buscar-lhe uma bolacha que esfarelou com os dedos e lhe deu a provar. A água, a bolacha Maria e o mimo recebido, deram-lhe alento, vida e rapidamente começou a agitar as asas, a querer libertar-se daquela mão que o acolhia, mas também o prendia.

Ele apercebeu-se e, delicadamente, abriu a janela, colocou-o no parapeito e deixou-o ali, esperando um voo de partida. O passarito olhou-o, deu dois pios de satisfação e partiu. Um voo largo e um retorno, um pousar, de novo, no parapeito e nova partida.

Perdeu-lhe a vista. Naquele dia não o tornou a ver.

Mas, no dia seguinte, ouviu, logo pela manhã, um pio débil, mas insistente, chamativo, ali, na janela onde o tinha deixado. Lá estava ele, no parapeito, a bicar os restos de bolacha que tinham restado da véspera. Foi buscar mais uma bolacha e o passarito deliciou-se.

No outro dia, o mesmo, e no dia depois a mesma coisa. Não passou dia que isso não acontecesse. Não posso jurar que tenham sido todos os dias... mas, a maior parte dos dias, assim foi.

E o passarito deixou de o ser e transformou-se num pássaro lindo, de penas brilhantes, lustrosas, com verdes, castanhos, amarelos, azuis... o pio trinou e começou a transformar-se em melodias, gorjeios, cânticos... um pássaro adulto que passava o dia, em bandos, na procura de alimentos, ora petiscando numa pêra, ora enchendo o papo com framboesas doces.

E assim passou o verão e entrou o outono, entraram os ventos, o tempo mais arrefecido e chegou a altura de partir, de dizer adeus e seguir para terras mais quentes. O bando a reunir-se a aglomerar-se de pássaros, centenas, a querer partir à frente das nuvens escuras, da tempestade que ribombava lá atrás...

Sem tempo para  mais, um passar rápido junto à janela e um poisar breve no parapeito a depositar a minhoca gorda que trazia presa no bico, a retribuir os bons dias de cada manhã.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

VACINAS

Chegaram as vacinas contra a gripe. Já estão à venda e já começou o corrupio das receitas, das idas à farmácia para reservar, das injecções e do ficar tranquilo porque já se apanhou a vacina.

É assim todos os anos, nesta altura.

Os mais idosos e os doentes crónicos habituaram-se a fazer a prevenção das suas infecções respiratórias. E com sucesso!

É tão simples: um custo quase irrisório, uma picada que não se dá por ela, um braço avermelhado e levemente inchado um ou dois dias e mais nada. 

Fica-se livre da gripe, livre de transmitir a doença aos outros, livre das consequências e complicações da gripe, livre dos antibióticos, livre do ter de ir para a cama, ou ter de ficar internado e livre de morrer, porque a gripe também mata!

Era bom que houvesse uma vacina, assim, tão inócua e eficaz como a da gripe para nos libertar dos parasitas, dos abusadores, dos demagogos, dos vigaristas, dos oportunistas, dos maus governantes, dos maus políticos...

Dava-se a injecção e iam desaparecendo, iam ficando inócuos, iam perdendo a maldade...

Será que as doses de vacina chegavam para todos?


quarta-feira, 6 de outubro de 2010

REI PÚBLICA?

Fica-se na dúvida, fica-se sem saber o que é melhor... se uma monarquia com solidez, com educação, com ordem, com organização, com prosperidade, com realidade... se uma república  de demagogias, cheia de mentiras, cheia de insatisfações, cheia de dívidas, cheia de desigualdades... mas plena de ideal - o republicano!

O problema é que não se vive só de ideais, vive-se, sobretudo, de realidades.

Fez cem anos e parece não ter aprendido nada, ou será que  aprendeu mas agora está com Parkinson, com Alzheimer ou com demência grave?

E a culpa será da república ou, ainda, da monarquia? Ou será dos republicanos? Ou não será, antes, dos que gerem os seus destinos?



No voto é posta a cruz em quem se parece confiar, mas quase sempre é-se levado ao engano. As promessas esgotam-se no dia seguinte ao das eleições, pois uma coisa é prometer e a outra é fazer, cumprir... e cedo aparece a desconfiança, logo surgem as mentiras, as trapalhadas, o descrédito.

Se foi para isso que se fez a república, se a democracia é assim, se a demagogia reina, se se perde tempo e dinheiro a comemorar esta realidade triste e falida... então porque que se comemora?

Talvez a comemoração devesse transformar-se em reflexão, em reconhecimentos de culpas, em arrepiar caminhos... mas não! Infelizmente não!

Acho que o que resta é brindar ao futuro, mas a um futuro honesto, reconstruído de raiz, feito com pessoas sérias, com pessoas íntegras, verdadeiras, leais aos princípios...

A isso, eu brindo! E não é preciso  "champagne", basta um bom espumante nacional!




terça-feira, 5 de outubro de 2010

DOÑANA

Acordou cedo, em dia de sol a esquecer a tempestade da véspera. Parece que o governo não foi na enxurrada e que tudo vai continuar na mesma, ou pior.

Um destino, Espanha, um local, o Parque Doñana. Passagem por Huelva e El Rocio. E, logo adiante, a Puerta del Acebuche.

Um parque enorme, feito de diferentes territórios: as dunas, os cotos, as marismas - as mais atractivas em termos de fauna.

Um parque quase plano, quase ao nível do mar, cheio de dunas suaves, de vegetação rasteira, de lagos e lagunas.


A fauna é muito rica, em particular nas marismas: águias, garças, colhereiros, patos, narcejas, cegonhas, tartarugas, cavalos, javalis, cervos e... o célebre e fantástico lince ibérico (não avistado!).

Este Parque merece uma visita com tempo, é extenso e com muitas áreas de atracção. Uma visita longa ou várias em diferentes épocas do ano. Na primavera, com a profusão de animais, com as aves em nidificação, com os lagos e lagunas cheios de água. No outono, a servir de apoio e descanso às aves migrantes, do norte da Europa, que vêm passar o inverno neste local, ou às que partem em direcção a África à procura de zonas quentes.

Um parque enorme, imenso, à dimensão de um país que sabe preservar as suas reservas naturais, que protege, cada vez mais, os seus ecossistemas. 

Será por ser uma monarquia, ou porque não gasta os parcos recursos que tem em comemorações centenárias  e exorbitantes de repúblicas e de escolas?

segunda-feira, 4 de outubro de 2010

CAMINHOS

Começou quase pelo fim do dia.
Uma tarde de sol, com algum vento e um céu de nuvens fugidias, brancas, esfarrapadas.
Cedo interrompeu o percurso num hotel de Santiago. Dos Caminhos... Só que não ia para norte, desta vez escolheu o sul, o Algarve.  Um outro caminho, um outro sentido.
Hotel diferente, cheio de xistos, de espaços, de salas, de locais para encontros, ou desencontros. A decoração minimalista, de novo a persegui-lo, desta vez num charme feito pessoas, feito local, feito espaço.
O fim de tarde escondeu o sol em nuvens cinzentas, grossas, mas não ameaçadoras.
Jantar tranquilo, quase de cozinha de autor, mas com produtos tradicionais... apetitoso, de parabéns.
O acordar soalheiro pediu um partir apressado pois a costa vicentina exigia tempo para um passeio de descobertas e de memórias.
Sines, Porto Covo, São Torpes, a ilha do Pessegueiro, o cabo Sardão... as praias, o mar forte de ondas francas, de enrolar, a chamar surfistas, o vento norte, as aves, as dunas... recordações e descobertas da costa rica e única deste Vicente que a percorreu por mar com os seus amigos corvos.
Almoço no Marques de Porto Covo, com sargo na grelha, especial no sabor e de paladares recordados.
Chegado a tempo do pôr do sol no Cabo de São Vicente, um ritual esperado por muitos, expectantes, de binóculos alguns, as máquinas fotográficas a postos, à espera do adeus, do ponto verde da felicidade...
O dia a despedir-se e a trazer nuvens mais encorpadas, mais cheias, mais escuras, mais pesadas... de chuva, de instabilidade, de trovoada.
Deixou a noite passar tranquila e, ao acordar, pingou algumas gotas que iam deixando a sua assinatura pontual no ladrilho do terraço da sala do pequeno-almoço do hotel, em Sagres.
Depois veio forte, a chuva, a lavar as ruas, a ensopar a poeira seca dos caminhos, a molhar os campos, a escorrer das folhas, veio com vento, com trovoada longe, com ameaças de temporal, com rios de água a formarem-se num repente.
Mais um anúncio de outono ou uma forma que o tempo achou em protestar, também, contra o desgoverno e as medidas tardias deste governo desgovernado? Quem sabe uma enxurrada não leva aquela gentinha toda?

domingo, 3 de outubro de 2010

CAFÉ PINGADO

Apareceu, quase de forma inesperada, daquela sala escura, de branco, imaculada, vestida.

O sorriso, feito de alegria de alma, de coração aberto, de amizade franca, deu lugar ao abraço forte, sentido, apertado, como a matar a saudade que só quebra pela força do enleio, da presença, do olhar e da conversa.

O bar do sushi, minimalista, feito de negros e brancos, acentuava o contraste perfeito com o branco do vestido.

A bica, escura para condizer, foi contrastada com o pingo de leite, branco.

E, assim, decorreu  a conversa amena, solta, feita de contares da vida, do trabalho, dos amigos...

Curioso como uma conversa tão alegre, tão cheia de cor e tão divertida, ocorreu num local assim, a preto e branco, quase sem cor, quase sem vida.

No adeus, ela se despediu e saiu,  num carro... branco!  


         

sábado, 2 de outubro de 2010

CAMPO PEQUENO

O Campo Pequeno encheu... esgotou a deitar por fora...  a corrida foi magnífica, foi a última da época (embora para a semana os Moura regressem em família), os touros cumpriram com bravura e com nobreza, os cavaleiros assinaram excelentes ferros, cada um com o seu estilo e a sua forma de tourear, as pegas afirmaram a determinação e coragem dos forcados, a música dignificou este espectáculo tão português; uma bela demonstração de que a festa brava está bem viva neste país.


O Campo Pequeno, nessa noite, foi um Campo Grande, pelo espectáculo magnífico - a corrida de touros à antiga portuguesa - pelo público que se mostrou entusiasmado e soube aplaudir os cavaleiros e forcados, pelos bandarilheiros que espevitaram os touros quando era necessário e que os alinharam para as pegas, pela cor das casacas, pela elegância dos cavalos, pelo ambiente de festa, pela música da banda do Aposento da Moita

E como é bom manter as tradições é bom apoiar os movimentos  para a defesa da festa brava, para que as touradas não acabem, para que os touros se mantenham bravos, para que a lide a cavalo continue a ser a nobre arte do toureio, para que as pegas continuem a ser a maior expressão de bravura desta festa realmente brava.

Eu assino!

sexta-feira, 1 de outubro de 2010

SWISS CARD

Quem não conhece os canivetes suíços, aqueles da Victorinox, vermelhos, com os mais variados acessórios-utensílios, desde as folhas de canivete, uma, duas ou três de diferentes tamanhos, à tesoura, à pinça, ao mini serrote, à lima, ao alicate, à lupa, às chaves de parafusos, ao abre-latas e a uma infinidade de outros acessórios que o tornam único?

Os mais recentes, entraram no mundo da electrónica e da informática e vêm equipados com relógios de quartzo, com "leds" e com "pens" de memória. E, para os que facilmente se perdem, também os há com bússola. Qualquer dia ainda aparecem com GPS.

Há os pequenos e estreitos, com o essencial de um canivete, até aos enormes e pesados que têm tudo, há os que são vocacionados para utilizações específicas, como os de golfe, os de reparação de relógios, ou então, generalistas de todo, que têm de tudo um pouco.

Nem sempre é cómodo, pelo volume e pelo peso, andar com um canivete suíço no bolso. Por isso, há uns anos atrás, a Victorinox apareceu com outra espécie de ovo de Colombo, o Swisscard.



Tem o tamanho de um cartão de crédito, com uma espessura ligeiramente superior e, no seu miolo, tem uma apreciável quantidade de utensílios: uma mini faca bem afiada que serve para cortar papel, descascar fruta, aparar lápis, etc., uma pinça quase de precisão, uma esferográfica que escreve em qualquer posição, um alfinete, uma tesoura, quatro tipos de chaves de parafusos, uma lupa, uma lanterna "led" e uma mini régua graduada em cm e polegadas...  e há uma versão que até tem um palito. É possível? É, sem dúvida, e não tem mais acessórios porque não há lugar para mais.

Acho que o Sócrates, se não fosse tão vaidoso, tão convencido de si, tão comprometido com o grande capital, tão dependente da maçonaria, tão mentiroso, tão megalómano, se fosse um verdadeiro socialista (no sentido literal do termo), se fosse um político às sérias, honesto, defensor de princípios e da ética, teria, com um destes cartões, à boa maneira do MacGyver, arranjado há já bastante tempo um modo de não castigar tanto o povo, aquele que, ao engano, foi votando nele e na sua política de mentira, arrogância e de desprezo...

Mas inteligência, sabedoria, cultura política, ética e honestidade não é coisa para todos... não é Zé?