quinta-feira, 30 de setembro de 2010

QUEIXUME

Passava o tempo a queixar-se, a falar das suas emoções, dos seus sentires - dizia ela -, dos seus problemas, do trabalho, do escritório onde gastava as horas e os dias da sua vida, do chefe intolerante e intolerável, dos colegas e, principalmente, das colegas.

Queixava-se porque não aguentava o "stress", queixava-se porque o dinheiro era escasso, queixava-se porque os filhos estavam numa idade má, queixava-se porque o marido andava com problemas no trabalho, queixava-se porque atrás dos problemas do marido vinha o álcool que ele consumia em excesso e as agressões verbais que nunca passaram disso, felizmente, nunca lhe tinha batido.

Queixava-se porque andava infeliz, porque o trabalho em casa era muito, sem empregada doméstica porque, se a tivesse, lá ia o dinheiro do salário para os bolsos da empregada, e era o fazer a comida, o lavar a roupa, o passar a ferro, o limpar a casa e fazer as camas... não tinha descanso.

Queixava-se porque lhe doíam as costas, porque tinha dores de cabeça, porque já andava a ver mal e não tinha tempo para ir ao oftalmologista, porque, achava, estava a entrar na menopausa e a começar a sentir uns calores, a variarem os humores, o cabelo a cair em demasia.

Queixava-se porque os pais estavam doentes e ainda tinha de ir lá a casa ajudá-los ao fim de semana, porque durante a semana não encontrava tempo para ir vê-los.

Queixava-se porque a vida não lhe tinha sorrido como gostaria.

Mas, quando soube das medidas de austeridade que o governo socialista vai implementar, quando soube o quanto lhe vão ao bolso, o quanto a vida vai ser mais difícil, o quanto vai ter que pagar mais pela vida, o quanto o viver lhe vai doer no dia a dia, então sentiu que as queixas de que se queixava não passavam de um mero queixume.

quarta-feira, 29 de setembro de 2010

SURURU

O local era de sonho, daqueles que só se vêem nas novelas brasileiras, dos que se sonham em revistas de viagens, dos que se apreciam quando se está em lua de mel.

E ela estava, virtual é certo, mas em lua de mel... quase 23 anos de afectos, de dedicação, de imensa ternura e de muita, mas mesmo muita, amizade e cumplicidade. Ela lá e ele por outras terras, sempre na sua actividade profissional, no seu percurso de cidades, de países, de lonjuras a deixar ciência, a beber culturas e experiências, mas sempre em contacto, os dois - as vantagens da net, dos telemóveis, dos sms, das video-conversas... - a trocarem saudades, a serem ridículos nas conversas e nos escritos, como o era Pessoa com a sua Ofélia.

O local surgiu do nada, no meio do mato, com uma lagoa azul turquesa a reflectir a cor magnífica no branco da sala, decorada com toda a simplicidade para não ferir a beleza do local.

A mesa, junto à janela e a surpresa de um almoço sugerido pelo mestre cozinheiro.

Um prato fundo, grande de diâmetro, de porcelana branca, sem enfeites e colocado, dentro, o caldo feito de leite de coco, mandioca  e dendê servindo de aconchego ao sururu, cortado em pedaços para poder melhor libertar o sabor e, em contrapartida, embeber-se bem daquele caldo.

Fumegante, apelando para ser apreciado, sentido, aspirado, aquele cheiro delicioso, antes de ser delicadamente sorvido. Disse-lhe o mestre cuca que esse Sururu era o da pedra, aquele rosado que fica agarrado na rocha e tem um sabor mais característico.


Nunca tinha comido aquele manjar de Iemanjá e, provavelmente, de todos os deuses e santas do mar... e só não comeu aquele caldo todo por vergonha e por não ter capacidade para tanto.

Apenas provou um bolinho de peixe com arroz branco para não desagradar a seu Raimundo.

E ficou a pensar que o sururu que ela conhecia, não tinha nada de delícia, nada de sabor, nada de comer. O sururu dela tinha  muito de confusão, de desordem, de briga, de motim, mesmo até caos... as confusões desta língua tão universal!


terça-feira, 28 de setembro de 2010

RED HAIR

Entrou sorridente pelo consultório dentro. Com ar gaiato, uns olhos verdes abertos, espertos, despertos, um cabelo bastante ruivo e a face pintalgada por inúmeras sardas, a fazer lembrar uma viking, ou uma irlandesa ou escocesa, apesar do nome bem português: Maria... mais os apelidos, claro! mas, também, bem lusitanos.

Certamente tudo fruto de um antepassado nórdico que deixou sementes, sementes fortes, que se foram perpetuando de geração em geração. Não havia, na história familiar recente, nenhuma referência a um MacQualquer, nem Andersen, nem Olof, nem histórias de kilts com padrão próprio dum clan. Aliás, naquela família, eram quase todos assim... cabelos ruivos, olhos verdes e a cara semeada de sardas quase douradas pelo sol do verão, agora terminado, como as cores da bandeira nacional.

Tinha cinco anos mas parecia ter sete ou oito, tal a postura social e a desenvoltura mental. Curiosa, ia perguntando para que serviam os diversos objectos e instrumentos dispostos em cima da secretária... o estetoscópio, a lanterna, a espátula, o agrafador, a caixas dos clipes, a faca do papel, o relógio, o copo com as canetas, as folhas de receitas, as vinhetas, os sobrescritos, o papel de carta, os pesa papéis... e, de repente,  ele deu-se conta da imensidade de coisas que ocupavam o tampo da secretária. E ela não perguntou do computador, do rato, do teclado, da impressora, porque tudo isso faz parte do dia a dia de qualquer criança, tal como o telemóvel... Mas os outros objectos, esses, eram o motivo da sua curiosidade e interesse.

E começou a pensar na evolução e nas voltas rápidas da vida, no renovar frequente de objectos que deixam de ser úteis ou de prestar porque apareceram uns mais recentes, com mais "up-grades", e o  de como a geração actual está dependente destes objectos que se tornam rapidamente imprescindíveis e, quase mais rapidamente ainda, obsoletos. 


Será que o amanhã vai deixar saudades do papel e da caneta,  será que o amanhã elimina o aprendizado da caligrafia e passa a ensinar a dactilografia para teclar mais rápido? Será que as cartas escritas, com o selo lambuzado com saliva, passam exclusivamente a chamar-se de e-mails?

Parece que a tecnologia quer sobrepor-se ao espírito romântico da vida... 

Mas felizmente que ainda não... o estetoscópio ainda há-de auscultar muitos bateres de coração, a lanterna observar muitas gargantas irritadas, a espátula não deixará, tão cedo, de baixar línguas e permitir a visão das amígdalas inflamadas,  o agrafador e os clipes continuarão a unir de forma mais ou menos definitiva duas folhas de papel...

Vamos ver o que nos traz o amanhã...


segunda-feira, 27 de setembro de 2010

MARGINAL

Aproveitou o domingo soalheiro, pegou no seu carro antigo, quase uma relíquia, e foi dar um passeio pela Marginal até Cascais. 

A manhã convidava, um vento fresco, com aquele cheiro de maresia a entrar pelas narinas, um sol acolhedor, filtrado por uma ou outra nuvem feita de farripas brancas, e uma temperatura agradável, a fazer esquecer os calores exagerados de um verão que não queria acabar. 

Àquela hora, quase sem trânsito, deu para olhar, com mais tempo, o azul do mar que se estendia logo adiante, para seguir o curso do ainda Tejo, triangulado por muitas dezenas de velas brancas, certamente de alguma regata local, e prestar atenção à outra margem, de onde o Cristo Rei parecia lançar um abraço de boas vindas. 

A bica foi bebida na esplanada da Boca do Inferno, e o carro, no estacionamento em espinha, despertava curiosidade, obrigava a fotografias de turistas que queriam perpetuar a sua imagem junto a um carro talvez parecido com um dos seus pais ou avós. 



A manhã, com o sol a brilhar, desafiou ao prolongar do passeio ao Guincho, a continuar serra acima, até Sintra, e a um retorno a casa, sem problemas.

Ao passar nas curvas da serra de Sintra, imaginou-se aos comandos do Chevrolet  de Álvaro de Campos a passear os sonhos, sempre os sonhos, os mesmos sonhos de Gedeão, aqueles que, também,  comandam a vida...

domingo, 26 de setembro de 2010

BOLO FINTO

Chegou tarde a casa nesse dia, cansado, morto do trabalho. 

Descalçou-se da vida e daquele dia esgotante, estirou-se no sofá, e deixou-se ficar, a esquecer o trabalho, a recuperar do esforço.

Tinha fome, o dia não lhe tinha dado tempo para uma refeição decente e, também, não se sentia com coragem e ânimo para comer de faca e garfo.

Cortou duas fatias magras do bolo finto, ligou a torradeira, ao mesmo tempo que aquecia a água para um chá tranquilo. Deixou que a manteiga escorregasse naquelas fatias quentes que depois lambuzou com doce de groselha, preparou o chá e saboreou aquele cear tardio, muito tardio, ao mesmo tempo que escutava o CD de um Nocturno de Chopin...

sábado, 25 de setembro de 2010

BRISA

O vento hoje chegou manso, agitou suavemente as folhas do sobreiro velho, acariciou as rosas vermelhas da roseira que fica junto ao muro de pedra e empurrou devagar, abrindo, a janela que tinha ficado entreaberta.


Entrou sem cerimónias dentro de casa e deixou-a perfumada dos aromas de outono, suaves, intrigantes, envolventes.

Soube bem ser acariciado por este vento manso.


sexta-feira, 24 de setembro de 2010

ATCHIM!!!

É automático!

Entra o outono, o tempo modifica-se e desata todo o mundo a tossir, a espirrar, a ter impressões na garganta, a sentir a voz nasalada e o nariz obstruído.

As salas de espera dos hospitais e dos consultórios enchem-se de tosses variadas, principalmente a tosse seca, irritativa, tosse de cão, que não só cansa o próprio, mas também os outros por terem que escutar aquela sinfonia de ruídos incómodos.

As farmácias enchem-se, as vendas de xaropes, de pastilhas, de comprimidos e de vacinas exponenciam, as ervanárias quase deixam esgotar o "stock" de ervas para infusões contra a tosse, o catarro, a gripe, as constipações.

Os remédios caseiros dos gargarejos de água com sal, do leite morno com mel, da gemada com vinho do porto, são os mais aconselhados pela vizinha, pela avó velhinha, assim como a canja de galinha que faz bem às constipações.

É um tempo de efervescência dos vírus, das bactérias, dos ácaros e de toda uma bicharada que irritam os narizes, chateiam as gargantas e, sobretudo, incomodam os ouvidos dos outros, principalmente quando se está num concerto e o silêncio é brutalmente agredido por um "cóf cóf" irritantérrimo.

E tudo começa, também, porque as aulas já iniciaram, os infantários abriram, as férias acabaram e dezenas de milhares de crianças, são encerradas em espaços fechados, prontas a contaminarem-se uns aos outros, aos educadores, e a trazerem a bicharada toda para casa.

Na gíria médica costumam chamar-se os infantários, os "infectários", isto porque as crianças são os mais importantes veículos transmissores de infecções das vias respiratórias, e levam tudo para casa.

Já estou quase como o Fernando Pessa: "E esta, hein"!!! 


quinta-feira, 23 de setembro de 2010

OUTONO

Já entrou! Sem dúvida, e a fazer-se notar, como a querer afirmar-se do verão que foi calmoso em demasia, exageradamente quente.

Entrou com pezinhos de lã mas, passado o seu primeiro dia de reinado (hélas) - em ano da comemoração dos 100 anos da República - arrefeceu bem a noite, acordou enevoado e fresco, quase a querer ameaçar chuva.

Tempo das vindimas, das camionetas cheias de cachos de uvas pelas estradas, ou à porta das adegas, das galeras a abarrotar de tomate a caminho das fábricas de concentrado... um mundo rural que fervilha, que teme as chuvas que lhes estragam as uvas, que fazem apodrecer o tomate.

Para o citadino, o tempo do cair da folha, nem sempre é bem festejado porque as mesmas ficam-se pelo chão, pelos passeios e, com a humidade da noite ou com a chuva, tornam-se escorregadias como casca de banana. E as Câmaras nem sempre são lestas na limpeza das ruas...

Mas o Outono não é só isto!

É uma estação linda, pelas cores, pelos matizes, pelos sossegos, pelos silêncios cúmplices, pelo adeus com promessa e certeza de renovação, pelos cogumelos que começam a brotar do chão, 



pelas castanhas que se soltam dos ouriços, pelas árvores que se despem e se preparam para o inverno, pelas aves que começam a procurar os abrigos de conforto, pela infinidade de coisas simples, pequenas e quase desapercebidas que acontecem. 

Se me pedissem para fotografar o Outono era esta a fotografia que apresentava:



Foi tirada no Hotel das Termas do Vidago.




quarta-feira, 22 de setembro de 2010

CONCERTOS SEM CONSERTO

O meu leitor de CDs parece que avariou.

Começa muito bem a tocar Mozart, sempre Mozart, mas depois, a meio do andamento, começa a engasgar-se, a emitir uns ruídos estranhos, uma espécie de taque-taque, e pára!


Tento com outro CD e o piano do concerto começa a bater na mesma tecla e lá se vai o concerto.

O mesmo com as óperas: pobre Dom Giovani, que emudece!

A Flauta Mágica perdeu as virtudes e não há magia que o ponha a girar.

Parece mesmo que já não tem conserto!

Só resta mesmo cantar um Requiem! 

Vêem como às vezes a grafonola faz imenso jeito?

terça-feira, 21 de setembro de 2010

POR AÍ

Para onde ia não sabia.

Ele ia, ou melhor, dizia que ia, mas sabia que não sabia para onde ia.

Sem rumo ou destino, sem norte, sem esperanças, sem qualquer expectativa.

Mas insistia, prosseguia, continuava.

E afirmava, com aparente convicção, que  sabia o que queria, que sabia para onde ia, que ia ter a solução.

E dizia, mais uma vez, uma imensidade de vezes, que aquela via por onde ia, era a que ele melhor sabia, a via que ele queria.

Mas a verdade é que não via, não sabia, nem ia.

Assim ia enganando, vilipendiando, ostracizando, ignorando... um "bluff".

Não é, Zé?  

segunda-feira, 20 de setembro de 2010

A SÉRIO

Agora é a  sério! Acabaram as férias, os Algarves, as Madeiras, as Baleares, o mar e os veleiros, as Pragas, as Itálias, os turismos internos... e tantos outros lugares onde alguns tiveram a sorte de poder ir.

É hora de trabalhar. Acabou o descanso, acabou o lazer.

Começa o Outono, muda a estação. Vem o tempo incerto, vem o fresco, vem a chuva, virá o frio...

Mais o renovar de um ciclo que começa angustiado pela situação económica que ninguém parece entender ou preocupar-se... o governo esconde, o orçamento vai ser complicado, a vida vai ser mais difícil. A pouco e pouco as notícias vão aparecendo, as grandes obras do estado começam a ser abandonadas, deixa de haver dinheiro, o crédito a acabar-se, dentro em pouco deixa de haver dinheiro para pagar, já não a dívida, mas os juros...

A melhor maneira de combater esta crise é não nos deixarmos cair no desânimo, baixar os braços. 

Trabalhar, trabalhar, trabalhar...

... e não deixar que os parasitas deste país nos gastem o dinheiro em centenas de escusadas empresas dos próprio estado ou dos municípios, com outros tantos directores gerais e assessores, em luxos escusados, em luxos de carros, em ostentações, em mentiras, em desgoverno, em fugas de capitais, em aumentos irracionais de impostos...

É a hora de agir, de tomar a consciência cívica que assim não pode ser, que alguma coisa tem que mudar... que tal começar por quem julga que manda em nós?

domingo, 19 de setembro de 2010

O SEMPRE E O MESMO

Estacionava o carro sempre no mesmo sítio. Tinha lugar marcado naquele parqueamento e, assim, não tinha necessidade de andar a procurar lugar.

Habitualmente saía de casa à mesma hora, fazia o mesmo percurso e entrava pela sempre mesma entrada do parque.

Uma rotina certa, regular, quase cronometrada.

Saía do parque, comprava o Jornal, na mesma banca de sempre, e ia sentar-se sempre no mesmo banco do jardim à espera que o café abrisse as portas, também, sempre à mesma hora. Nos dias de chuva, em vez do banco do jardim, ia sentar-se no parapeito do canteiro de flores que ficava mesmo à entrada do café.

Portas abertas pela mesma empregada, uma romena loura de olhos azuis, sempre com um sorriso de bons dias, e pedia sempre o mesmo: o pão com sementes e queijo, o copo de água e a bica. Folheava o jornal, lia as notícias que mais lhe interessavam, fazia as palavras cruzadas e, quando fosse a hora, sempre a mesma, pagava, invariavelmente os 2€, já com a gorjeta, e seguia para o trabalho.

O trabalho era rotineiro, a mesma coisa de sempre, a correspondência para responder, os assuntos para resolver, as questões para decidir, os telefonemas para fazer, a hora do almoço a chegar.

O restaurante era sempre o mesmo. Só comia o prato do dia, sempre o mesmo cada dia da semana.

Depois o fim do dia era sempre a mesma coisa. Uma rotina igual, cronométrica, como um relógio mecânico, um tiquetaque de vida, sempre a mesma.

Naquele dia ao sair de casa deu que tinha um pneu do carro furado. Chegou atrasado, perdeu o lugar no estacionamento, não bebeu a bica na mesma mesa, a empregada do escritório tinha faltado por doença, o restaurante tinha fechado para obras, o relógio avariou, um desastre…

Acabou a tarde no psiquiatra.

sábado, 18 de setembro de 2010

(RE) TORNADO

Deu mais uma olhada no casco. A tempestade de há poucas horas, violenta e inesperada, tinha-lhe atirado o barco de encontro às rochas aceradas da costa de Andratx.

Fora impossível qualquer manobra para evitar o encontro. Navegava junto à costa com o pano todo aberto, aproveitando o vento forte mas certo. Tinha previsto chegar a Palma cedo pela tarde. O avião era ao fim do dia. Tinha tempo. Salvo se surgisse algum contratempo.

E veio!

Sob a forma de tornado que, subitamente, se levantou no mar. Mesmo a estibordo, súbito, acompanhado de um barulho estranho, uma espécie de rugido, que ia aumentando de volume até se tornar ensurdecedor. O mar, como que aspirado por aquele vórtice, elevou-se num repente, libertando um chuveiro inclemente, salgado, que precedeu uma onda, quase uma parede de água, que levantou o barco e o projectou para cima das rochas.

A ressaca da onda voltou a pôr o barco na água. Felizmente que não largou, nunca, a roda do leme e manteve-se preso no seu lugar.

Pôde continuar a navegação até Andratx. Logo ali, adiante. 

Ao colocar-se o barco em terra verificou que só o casco ficou ferido, o patilhão aguentou, o mastro e as velas ficaram incólumes. Nem rombo, apenas uma rasgadura no casco exterior, uma reparação fácil mas com alguma demora. Era preciso verificar se a estrutura do barco não teria sido afectada.

Tinha seguro! Deixou as formalidades para o seu agente em Palma.

Esqueceu o avião, telefonou a adiar os compromissos do dia seguinte e, nessa noite, tranquila, sem vento e de lua brilhante, ergueu o copo aos astros e deixou-se ficar na esplanada do restaurante a olhar a baía iluminada de Andratx.

sexta-feira, 17 de setembro de 2010

BODY PRINT


Vinham carregadas, escuras, em amontoados velozes, empurradas por um vento inquietante. A atmosfera sentia-se! O ar turbulento, agitado, com um cheiro quase metálico impregnava as narinas.

De repente o clarão, forte, como o de um flash disparado em cima dos olhos acompanhado, quase em simultâneo, de um estrondo seco, estalado, potente, de rebentar os tímpanos.

Cegara e ensurdecera momentaneamente. Ficaram-lhe estrelas e luzes a balançarem-se dentro dos olhos, zumbidos e campainhas dentro dos ouvidos e a cabeça a doer fortemente e a latejar.

Tudo tão violento e brusco que nem se apercebeu que tinha sido empurrado e caído ao chão. Deixou-se ficar deitado naquela relva seca e castanha. Estranho! Ele que estava a regar o relvado bem verde, acabado de cortar naquela manhã quando a luz e o barulho aconteceram.

Ficou quieto mais um tempo, de olhos fechados, a tentar entender o que se passara. Apenas os zumbidos nos ouvidos, as luzes cintilantes dentro dos olhos e uma crepitação leve do restolho, mais nada. Não ouviu vozes, nem ruídos estranhos, nem os sons da natureza.

Ainda se imaginou a acordar de um sonho, ou a ser protagonista de um filme ficção; na véspera tinha revisto pela quarta ou quinta vez os Encontros Imediatos de Terceiro Grau, quem sabe o ET não lhe ia aparecer. Mas não. Abriu os olhos, primeiro o esquerdo, com receio, depois o outro, surpreendido. Não havia qualquer OVNI, nem foguetão, nem nenhum ET.

A trovoada seca do fim de verão, ouvia-se agora mais longe. 

Ali deixara rasto, queimara o sobreiro quase secular, secou e acastanhou a relva acabada de regar, que só ficou verde no local onde tinha caído, deixando um desenho de corpo humano.

               

quinta-feira, 16 de setembro de 2010

DESAJEITADA

Nunca fazia nada direito.

Não tinha jeito para arrumações, as torneiras ficavam sempre a pingar, esquecia-se de abrir a água quando ligava a máquina da roupa, a cama era sempre feita à pressa com os lençóis amarrotados, quando punha a roupa a secar no estendal a mola ficava mal presa e a roupa ia toda ao chão.

Tinha uma virtude, cozinhava bem. Mas nunca punha os temperos na medida certa, variavam conforme o humor... quando andava mais chateada carregava no sal, nos dias mais alegres adoçava a comida e, se andava mais ansiosa e com mais desejos, era certo e sabido que, nesse dia, o jantar era bastante apimentado.

Ele gostava dela assim... até ao dia em que ela baralhou os humores e  resolveu trocar os amores.

Até nisso foi desajeitada!

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

PERDIDA

Perdeu o Norte. Não sabia usar a bússola e, por isso, nem valia a pena andar à procura dos pólos. Baralhava-se com isso da Rosa dos Ventos. Sabia que o Leste ficava à direita quando olhava defronte para a igreja de São João Baptista. E só por isso o associava ao lado em que o sol nascia.

As mesmas dúvidas tinha em relação ao Algarve para saber onde era o Barlavento e o Sotavento.  Nunca foi capaz de acertar...

E pegar num mapa das estradas era a confusão total!

Não lhe falassem em GPS, então aí... irritava-a aquela voz de brasileira falsa com o "a 200 metros na rotunda entre na segunda saída" e ela o que queria era sair e não entrar.

Por tudo isto andava sempre perdida, não conseguia, por si própria, encontrar o caminho, tinha que pedir ajuda ou arranjar companhia.

Um dia, perdeu-se de amores e... encontrou-se!

terça-feira, 14 de setembro de 2010

RECOMEÇO

Já se nota!

As ruas, de novo, cheias de carros com crianças, as carrinhas e autocarros escolares a pararem desordenadamente para pegarem outras crianças, crianças pelos passeios fora, de mochila às costas, ou de "trolley" com rodinhas, raras as crianças que se vêem com fardas dos colégios, mas todas a caminho das escolas.

É o recomeço das aulas, o reinício da vida académica, sem o re  para as muitas crianças que agora entram nestas lides, mas com o reencontro e o reabrir da escola, para todas os outros e que são muitos mais.

Mais um ano do ciclo de vida do aprendizado, deste girar contínuo que é a vida.

E não há dúvida que a vida, seja de que forma for vivida, é sempre um giro, um rodopio, mesmo que, muitas vezes não o pareça.

Como os planetas:  todos giram, todos rodam, todos rodopiam, em volta do seu  sol, que se mantém imóvel, sossegado, na sua incandescência, a dar vida e calor às outras bolas, mais pequenas, que gravitam à sua volta.

E nós, humanos, fazemos o mesmo... giramos e a vida é um rodar, grande ou pequeno, com poucas ou muitas voltinhas pelo meio.

Há quem rodopie profissionalmente, como os bailarinos, e há quem  esteja constantemente a girar, a rodopiar e a gravitar à volta de outros, numa ânsia desmedida de obtenção de benesses, de favores, numa ambição espiral, mas estes não entram na contabilidade deste girar.

"A vida é um como um giro, que está sempre a rodar, 
Mesmo quando a vida dói ou começa a abrandar
A vida gira na mesma, mas roda mais devagar,
E só acaba e não gira, no dia em que a roda parar".




segunda-feira, 13 de setembro de 2010

CASA DAS MUDAS

Espaço único, pelo interesse cultural, pelo feito arquitectónico, pela localização e pela integração no ambiente.

Impressiona pelo impacto que provoca a mistura de um solar típico de morgado rural, construído no século XVI, com um edifício de esquadrias, de geometrias e volumes, com a textura da lava vulcânica, como uma pedra pomes imensa, que se integra na paisagem e se funde numa falésia que se atira para o mar, construído no século XXI, assinado pelo arquitecto Paulo David.

Fica na ponta oeste, no Vale dos Amores, para os lados da Calheta, é um Centro de Cultura e chama-se a Casa das Mudas.



Tem de tudo, tem museu, tem exposições temporárias, tem auditórios para espectáculos de teatro e de dança, tem sala de cinema, tem espaços para oficinas artísticas, tem café, restaurante e esplanadas...

E, além disso, e porque também é cultura, tem uma vista soberba sobre o Atlântico azul e imenso que se abre diante do olhar... 



domingo, 12 de setembro de 2010

GOOGLE MAPS

Lá do alto, a 1100 m de altitude, um miradouro deixa ver, na vertical, a povoação bem lá no fundo, quase 500 metros mais a baixo.

A limpidez do dia, com sol e sem nuvens, permite a visualização, ao pormenor, das ruas, das casas, dos carros e, quase, das pessoas.


De repente, imaginou-se diante da tela do computador, a pesquisar, no Google Maps, o local que andava à procura...

sábado, 11 de setembro de 2010

ENCANTO

De São Gonçalo, a vista sobre o porto é soberba.  Fica mesmo no enfiamento do olhar, com os barcos, os guindastes e toda a vida de um cais marítimo. Chegavam, distantes, os sons da azáfama portuária.

Disposta em semi-círculo, como um anfiteatro de casas, a cidade espalhava-se pelo monte acima. 

A tarde ainda quente, sem nuvens e sem ameaça de chuva, pedia um passeio a pé, até ao centro, à cidade histórica. Eram uns 4 ou 5 quilómetros, a descer  calçadas íngremes e mal empedradas, a tornarem, complicado e inseguro, o andar por aquelas ruas estreitas com os carros, na loucura inconsciente daqueles motoristas, a passarem tangentes assustadoras. 

O Caminho do Lazareto, Santa Maria Maior, o largo do Corpo Santo, o Mercado dos Lavradores, a Alfândega, e a Sé, bem no centro da cidade. Um sentar de repouso na esplanada do Golden Gate, uma bebida, e a praça, com o chão feito de desenhos de calcário e basalto, a convidar a um deambular calmo de apreciação e a dirigir os passos para a entrada do Jardim Municipal feito de árvores de porte magnífico, exóticas, algumas floridas, de canteiros de orquídeas, e de fontes e lagos habitados por peixes e cisnes.


Os tons do céu daquele fim de tarde, misturados com os do mar, que àquela hora serenara, eram o fundo da tela de cor e encanto que esta cidade sempre desperta.

sexta-feira, 10 de setembro de 2010

A CASA

Foi construindo a casa aos poucos, num terreno inclinado, aos socalcos, num extremo da pequena vila, bem no coração do Alentejo.

Uma casa branca, debruada a azul, daquele forte, alentejano, a fazer moldura às janelas e à porta de entrada, e a separar a casa do chão de terra.

Entra-se pelo alto e vai-se descendo, degrau a degrau, que vão separando a sala da cozinha, o quarto da casa de banho, até chegar aos últimos degraus que terminam no quarto principal, em baixo, e a dar para um terraço, pequeno, intimo, mas abrir-se para um horizonte imenso que parece não acabar.

A piscina, de pouco tamanho, continua o terraço e deixa imaginar uma praia  onde, em vez de se ver e ouvir o mar, a vista se espraia por campos sem fim que deixam escapar sons longínquos musicados na ruralidade daquele lugar.

A casa é pequena, cabem, à justa, quatro pessoas, mas torna-se grande quando está ali, só, a gozar o espaço, a cheirar a atmosfera, a olhar o sem fim do horizonte, a descansar da vida, a sonhar a felicidade.

No inverno, quando a casa esfria, a salamandra do quarto deixa subir o calor que aquece e  perfuma, de azinho e sobro, todo o ambiente em pouco tempo. 

E sabe bem, naquelas tardes soalheiras e tranquilas de Dezembro e de Janeiro, sentar no cadeirão do terraço e ver o fumo branco-acinzentado a sair das chaminés das casas ao longe, subindo numa vertical que parece querer tocar o céu e o sol, baixo no horizonte, avermelhado, a provocar um contra-luz único de vermelhos e cinzentos.

O verão, ali, é duro, tosta a pele, calcina os ossos, seca a respiração, faz doer o corpo. A piscina, ajuda a refrescar, amansa o calor e faz suportar a brasa. 

E de novo, o terraço, nos fins de tarde, com o calor mais fresco, a deixar um crepúsculo suspenso de ocres com diferentes matizes. 

quinta-feira, 9 de setembro de 2010

CONVERSA EM DIA

Procurou um local discreto, pequeno, mas com atmosfera envolvente.

Queria tranquilidade para ter o sossego de relembrar velhos tempos, de recordar momentos, reavivar memórias esquecidas. Era um reencontro de alguns anos, de amigos "velhos" de infância, com percursos que a vida afastou e que o tempo, agora, aproximou.

Não tinha feito reserva mas havia uma mesa de dois lugares, encostada, num recanto.

Ideal, pensou.

Foi um desastre.

O local era discreto e pequeno, na verdade, mas estava cheio, cheio de gente ruidosa, nada intimista, que fazia saltar as conversas de mesa para mesa, com necessidade de falarem cada vez mais alto para se fazerem ouvir.

O que se queria tranquilo saiu cosmopolita, o que se queria de silêncio saiu ruidoso, o que se queria recordar esqueceu-se, o que se ia à procura para comer não havia.

O encontro terminou num banco de jardim, bem tarde na noite, mas deu para pôr a conversa em dia!


quarta-feira, 8 de setembro de 2010

ESCALAS

Dó, Ré, Mi, e por aí fora... mais os bemóis e os sustenidos.

Sabia mexer bem nas  teclas, aprendera durante vários anos, no Conservatório e com mestres de piano, diziam que tinha queda para a música, mas nunca se interessou em se tornar um artista. 

Que se lembre nunca vestiu uma casaca ou colocou laço para actuar em cima de um palco. Deu alguns concertos, é verdade, mas em concursos e festivais de juventude, sem grandes preocupações de guarda-roupa. Exigência, sim, mas no modo como tocava, como preparava as peças e os textos que ia interpretar. 



Gostava de tocar, de passar horas sentado diante daquele rectângulo comprido de teclas brancas e pretas a passear as mãos, a saltitar os dedos, a fazer sair pedaços de sons melodiosos, românticos umas vezes, dramáticos outras, mas sempre feitos de paixão. O Jazz, então, fascinava-o e sabia, de cor, quase todas as peças para piano dos mais famosos intérpretes.

Dedicou-se a outras áreas profissionais, a outras artes, por necessidade e por paixão, também, mas nunca abandonou o piano. Conseguiu conciliar as duas artes de tal modo que, como siamesas, não conseguem, agora, passar uma sem a outra.

E sempre que está de escala ao serviço, nos momentos em que o trabalho acalma, pega na escala do piano e toca, toca as escalas, sem sons, imaginando-os a soltarem-se silenciosamente no ar ao mesmo tempo que se sente envolvido por essa onda muda mas intensamente musical.

Dó, mi, sol, fá, sol, fá, sol... 


terça-feira, 7 de setembro de 2010

DIÓSPIROS

Estão no ponto!

A árvore carregada, alguns já quase podres de maduros, a maior parte na altura certa para serem colhidos e uns poucos, ainda, em estágio para a colheita.


Dizem que são originários da China tendo sido posteriormente levados para o Japão e a Índia. Sempre os conheci por cá e sempre os apreciei. 

Na China o Dióspiro é conhecido como "alimento para os deuses". 



Para mim é sempre um fruto especial, não só pela cor alaranjada de diferentes matizes, mas também pela consistência da polpa, que é mole e parece ser feita de uma gelatina a desfazer-se, como pelo sabor único de tão adstringente que é, principalmente se ainda não estão totalmente maduros. A boca fica encortiçada ou "amarrada" tal a adstrigência do fruto.

O meu avô ensinou-me a comê-los com canela em pó. Acentua-lhes o sabor e corta-lhes o acre que quase faz encortiçar a língua e a boca.
 
Comem-se à colher e não precisam de açúcar.

São uma delícia!

Além do mais são ricos numa série de coisas: vitaminas (vitamina A), sais minerais (potássio), mucilagem e pectina, oligoelementos e outros  nutrientes que os tornam especiais e aconselhados. O que lhes dá o tal sabor adstringente e quase amargo é a grande quantidade de taninos que possuem. Mas não me vou alongar nas virtudes e vantagens em comer este fruto especial.

Os dióspiros, acho que no Brasil se chamam caqui, pois é deles que estou a falar, são como tudo na vida: há quem goste e quem não goste, quem se delicie ou quem sinta agonia. 

Mas, sobretudo, têm uma virtude: não deixam ninguém indiferente! 

 

segunda-feira, 6 de setembro de 2010

A GRAFONOLA

É um toca discos, daqueles antigos, com manivela para dar corda ao mecanismo.
Abrem-se as portas da caixa para que o som possa sair, coloca-se um disco, daqueles pesados, de ebonite, sobre o prato metálico, destrava-se o mesmo que começa a girar, rápido, e coloca-se na borda exterior do disco o braço, pesado, com agulha de diamante e a música começa a fluir.

 
Nada da super qualidade que as aparelhagens sonoras agora apresentam. Aqui ouve-se uma música roufenha, com imenso ruído de fundo, sem possibilidade de regular os graves e os agudos, o timbre do som, o volume, nada!, excepto um regulador da velocidade do prato: entre o "plus vite" e o "moins vite", permitindo afinar o som que sai, desde o mais rouco, cavo e lento, quando se põe no "moins vite", à voz mais estridente, aguda e rápida, quando se coloca o estilete no "plus vite".

A marca é Pathé, a que dominava na altura; estamos nos anos de 1910 a 1920, o que quer dizer que esta grafonola vai a caminho dos cem anos...

Mas está como nova! A caixa de madeira, de cerejeira, está bem tratada, encerada, o mecanismo, bem lubrificado, funciona na perfeição  A agulha de diamante não se gasta e discos há muitos, principalmente óperas e árias das mesmas.

Sabe bem, de tempos a tempos, escutar as mesmas músicas e da mesma maneira que os nossos avós, e sentir que a vida não é só o presente e a preocupação do amanhã. Também é bom ter a noção que a vida é feita de memórias, boas e más, de recordações e de vivências transmitidas ou experimentadas por quem nos legou a vida, quem nos forneceu os genes e fizeram a pessoa que cada um é!


Há dias em que me apetece dar corda à manivela o tempo todo...

domingo, 5 de setembro de 2010

FAZER DE CONTAS

O Tribunal foi explícito: os crimes foram dados como provados e as penas anunciadas.

Mas neste país do faz de conta, para os criminosos o Tribunal não vale de nada, a Juíza é uma incompetente, as crianças que foram sodomizadas são mentirosas, as evidências afinal não são, as provas são mentira e, a tudo isto, a imprensa, a rádio e a televisão dão cobertura de excepção, deixam que se organizem conferências de imprensa para negar o que a Justiça deu como provado, para escamotear evidências, para insultar arrogantemente quem julgou e tem razão. É a fuga para a frente. Como se fossem heróis.

Pobre país este, de faz de conta,  que dá cobertura a esta vergonha nacional, que parece proteger os culpados e culpar os inocentes.

Mas não é só neste caso ignóbil da pedofilia: são as faces ocultas do Godinho (o único que ficou preso) enquanto os marmanjos que se serviram dele ainda recebem compensações chorudas para saírem dos lugares que ocupam, são as falências de bancos privados, capitalizados com as economias de quem trabalhou toda a vida e agora se vê privado dos seus bens - o responsável do Banco de Portugal que não curou deste e doutros processos, que deixou fugir o dinheiro para paraísos fiscais, recebeu o prémio devido e é vice-presidente do Banco Europeu (uma vergonha!) -, são os todos os dias de trafulhices e vigarices em que nunca se encontram, ou faz de conta que não se conhecem, os culpados.

É este o país que somos, infelizmente. 

Andam todos, andamos todos, a fazer de contas...


sábado, 4 de setembro de 2010

A FESTA

Foi no Reguengo.

Com jantar, com largada de touros, com banda de música, com baile, com algodão doce, com farturas, com cerveja, com quermesse, com rifas, com barraquinhas de artesanato, com muita gente e com muita animação.

É o costume todos os anos, por esta altura, até ao dia 8, o verdadeiro dia da festa. Mas é preciso aproveitar os fins de semana com os forasteiros, os emigrantes que estão quase de abalada para França, para o Luxemburgo e para a Alemanha, e, por isso começa logo no fim de semana antes. É uma maneira de se arranjar mais algum dinheiro para a Comissão das Festas, para os Bombeiros e para o Centro de Dia. 

Paga-se um entrada, a preço simbólico, há T-shirts alusivas à Festa a 9 euros e, durante as semanas anteriores, andou-se na visita aos comerciantes da terra e vizinhas, a tentar arranjar uns subsídios, com a contrapartida de um anúncio no cartaz das festas.

Lá estava, em várias paredes, nos troncos das árvores mais visíveis e mais grossas: Grandiosas Festas do Reguengo em honra de Nossa Senhora dos Remédios e do Padroeiro São Gregório Magno, com Santa Eucaristia, Largada de touros, Tourada à Vara Larga, repicar dos sinos, corridas de carrinhos de rolamentos, torneio do jogo do pião e doutros jogos tradicionais,  bailes e mais actividades.

Um fartote!

Tudo começou com a Missa Solene, cantada e acompanhada com órgão electrónico, no Adro da Igreja, porque lá dentro ninguém cabia, dada a pequenez do templo. O Senhor Prior fez uma homilia homenageando a Senhora dos Remédios e fazendo a apologia à vida de dedicação às causas nobres de São Gregório Magno.

O jantar, de frango assado e entremeada, estava uma delícia, a música um primor, apesar dos dois ou três pormenores de desafinação, na Largada, os toiros cumpriram e conseguiram dar cabo do canastro a três destemidos jovens (uma ninharia comparado com o ano anterior), a Tourada à Vara Larga, com a "Mesa da Tortura", foi temerária e acabou numa risota pegada.

Muito algodão doce, muitos fritos e farturas, muita cerveja a escorrer e a entusiasmar o povo que ainda não estava suficientemente animado.

Mas foi o baile, com marchas, sambas, chá chá chás, pasodobles, tangos, valsas e merengue, que valeu pelo resto das festas: casais, sozinhas e pares femininos a rodos, animaram a noite pela mesma a dentro.

Ainda bem que há festas como estas, em que o povo se diverte e esquece o dia a dia do seu viver.

Ainda bem que há muitas Senhoras dos Remédios, da Esperança e do Livramento, para ajudarem a remediar a vida, mantendo a esperança de dias melhores e sempre pedindo para nos livrarem desta política, destes políticos, desta desgovernação.