quarta-feira, 29 de setembro de 2010

SURURU

O local era de sonho, daqueles que só se vêem nas novelas brasileiras, dos que se sonham em revistas de viagens, dos que se apreciam quando se está em lua de mel.

E ela estava, virtual é certo, mas em lua de mel... quase 23 anos de afectos, de dedicação, de imensa ternura e de muita, mas mesmo muita, amizade e cumplicidade. Ela lá e ele por outras terras, sempre na sua actividade profissional, no seu percurso de cidades, de países, de lonjuras a deixar ciência, a beber culturas e experiências, mas sempre em contacto, os dois - as vantagens da net, dos telemóveis, dos sms, das video-conversas... - a trocarem saudades, a serem ridículos nas conversas e nos escritos, como o era Pessoa com a sua Ofélia.

O local surgiu do nada, no meio do mato, com uma lagoa azul turquesa a reflectir a cor magnífica no branco da sala, decorada com toda a simplicidade para não ferir a beleza do local.

A mesa, junto à janela e a surpresa de um almoço sugerido pelo mestre cozinheiro.

Um prato fundo, grande de diâmetro, de porcelana branca, sem enfeites e colocado, dentro, o caldo feito de leite de coco, mandioca  e dendê servindo de aconchego ao sururu, cortado em pedaços para poder melhor libertar o sabor e, em contrapartida, embeber-se bem daquele caldo.

Fumegante, apelando para ser apreciado, sentido, aspirado, aquele cheiro delicioso, antes de ser delicadamente sorvido. Disse-lhe o mestre cuca que esse Sururu era o da pedra, aquele rosado que fica agarrado na rocha e tem um sabor mais característico.


Nunca tinha comido aquele manjar de Iemanjá e, provavelmente, de todos os deuses e santas do mar... e só não comeu aquele caldo todo por vergonha e por não ter capacidade para tanto.

Apenas provou um bolinho de peixe com arroz branco para não desagradar a seu Raimundo.

E ficou a pensar que o sururu que ela conhecia, não tinha nada de delícia, nada de sabor, nada de comer. O sururu dela tinha  muito de confusão, de desordem, de briga, de motim, mesmo até caos... as confusões desta língua tão universal!


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