terça-feira, 28 de setembro de 2010

RED HAIR

Entrou sorridente pelo consultório dentro. Com ar gaiato, uns olhos verdes abertos, espertos, despertos, um cabelo bastante ruivo e a face pintalgada por inúmeras sardas, a fazer lembrar uma viking, ou uma irlandesa ou escocesa, apesar do nome bem português: Maria... mais os apelidos, claro! mas, também, bem lusitanos.

Certamente tudo fruto de um antepassado nórdico que deixou sementes, sementes fortes, que se foram perpetuando de geração em geração. Não havia, na história familiar recente, nenhuma referência a um MacQualquer, nem Andersen, nem Olof, nem histórias de kilts com padrão próprio dum clan. Aliás, naquela família, eram quase todos assim... cabelos ruivos, olhos verdes e a cara semeada de sardas quase douradas pelo sol do verão, agora terminado, como as cores da bandeira nacional.

Tinha cinco anos mas parecia ter sete ou oito, tal a postura social e a desenvoltura mental. Curiosa, ia perguntando para que serviam os diversos objectos e instrumentos dispostos em cima da secretária... o estetoscópio, a lanterna, a espátula, o agrafador, a caixas dos clipes, a faca do papel, o relógio, o copo com as canetas, as folhas de receitas, as vinhetas, os sobrescritos, o papel de carta, os pesa papéis... e, de repente,  ele deu-se conta da imensidade de coisas que ocupavam o tampo da secretária. E ela não perguntou do computador, do rato, do teclado, da impressora, porque tudo isso faz parte do dia a dia de qualquer criança, tal como o telemóvel... Mas os outros objectos, esses, eram o motivo da sua curiosidade e interesse.

E começou a pensar na evolução e nas voltas rápidas da vida, no renovar frequente de objectos que deixam de ser úteis ou de prestar porque apareceram uns mais recentes, com mais "up-grades", e o  de como a geração actual está dependente destes objectos que se tornam rapidamente imprescindíveis e, quase mais rapidamente ainda, obsoletos. 


Será que o amanhã vai deixar saudades do papel e da caneta,  será que o amanhã elimina o aprendizado da caligrafia e passa a ensinar a dactilografia para teclar mais rápido? Será que as cartas escritas, com o selo lambuzado com saliva, passam exclusivamente a chamar-se de e-mails?

Parece que a tecnologia quer sobrepor-se ao espírito romântico da vida... 

Mas felizmente que ainda não... o estetoscópio ainda há-de auscultar muitos bateres de coração, a lanterna observar muitas gargantas irritadas, a espátula não deixará, tão cedo, de baixar línguas e permitir a visão das amígdalas inflamadas,  o agrafador e os clipes continuarão a unir de forma mais ou menos definitiva duas folhas de papel...

Vamos ver o que nos traz o amanhã...


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