segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

INESPERADA

Veio inesperada, sem anúncios nem previsões.

O dia tinha sido bonito, com sol, quase de primavera. 

O fim da tarde começou a mostrar umas nuvens, escuras, para o lado do poente, vindas do mar, nada de especial.

A noite escureceu mais rápida e começou a libertar uma chuva cheia, silenciosa, caída a fio grosso, quase sem vento.

No ar, um cheiro metálico, uma atmosfera diferente, electrizante, a prenunciar algo?

Foi preparar a câmara fotográfica, como sempre fazia quando pressentia qualquer coisa de diferente, fixou-a no tripé e, quando colocava a máquina em pose, surgiu um clarão e logo um estalo, os vidros abanaram, a cidade apagou-se, a chuva parou, a luz voltou a aparecer e a noite voltou ao seu sossego habitual.

(Lisboa numa das suas noites - 2004)

Dois dias mais tarde, depois de revelado o rolo das fotografias - sim, porque para a fotografia nocturna ainda dava preferência ao velho rolo de 400 ASA - é que viu o que não tinha visto, aquele enorme arco voltaico entre a terra e o céu, aquela luz estrondosa que, inesperadamente, surgiu do nada.

Era a natureza a mostrar a sua força e magia!

domingo, 27 de fevereiro de 2011

A JANELA

Há muito tempo que aquela janela não se abria.

Nem a janela, nem a porta da casa.

Morrera a avó, os filhos por Lisboa, cada vez com menos apelo à terra e às origens, os netos já quase não sabiam da sua existência, e a janela a manter-se fechada, quase definitivamente.

A casa fora fechada há uns bons anos. Já nem se lembrava! Guardara as chaves numa bolsa preta, como se as guardasse para um luto prolongado.

E o tempo lá foi passando, com os invernos e as chuvas, com os verões e os calores, e a casa a degradar-se a pouco e pouco, a morrer lentamente.

Fora lá o fim de semana passado. Estrada nova, nem sabia!, ruas arranjadas, casas pintadas de novo, janelas floridas e, lá no fundo da rua, a casa.

Deixou o carro no largo e foi a pé, num caminhar feito com a emoção da saudade, a encher-se de memórias dos tempos passados, a avivar-se de lembranças de uma juventude feliz.

E a casa lá no fundo, imponente no seu tamanho, apenas no tamanho! As paredes, que foram de um rosa jovem e viçoso, estavam a descascar-se, a perder a pele e a mostrar as feridas feitas pelo tempo, sem ninguém que as cuidasse, o telhado mal tratado, abaulado, a pedir compostura, a exigir reparação, as janelas, de vidros partidos, de madeiras desconjuntadas, de pedaços de cortinas rasgados, esfarrapados a balançarem-se ao sabor da brisa... As portadas de madeira ainda se conservavam fechadas, a preservarem o recheio de uma casa cheia de histórias, com muita vida ali vivida.

Só aquela janela ali, no primeiro andar, ainda mantinha alguma dignidade, ainda tinha vidros, ainda deixava adivinhar a cor da madeira pintada, de um castanho avermelhado, agora desbotado, ainda tinha, por detrás, os cortinados inteiros, a guardarem, num pudor mal disfarçado, o que aquela casa ainda tinha de digno e de recordações.


(Monsaraz - 2006)
A porta aberta e o mundo da sua infância, da sua vida ali vivida, invadiu-o, esmagou-o, quase o sufocou. Foi abrindo as portadas das janelas, uma a uma, a permitir que a luz fosse rasgando uma escuridão de anos, a mostrar o pó que foi amortalhando os móveis e o chão, deixando a impressão das suas pegadas como as de um intruso que foi desenterrar uma morte quase esquecida.

Abriu a janela da sala, a única ainda com vidros, e debruçou-se no parapeito a olhar a imensidão da vista, a ver a serra ao longe, a recordar as horas que ficava ali a sonhar a vida, a imaginar aventuras, a pensar no seu futuro, no que queria ser quando fosse grande... aquela janela que o ajudou a construir o seu futuro, a fazer a sua vida.

Não, não podia deixar morrer o seu passado, não queria ver mais mortalhas nas janelas, nem vidros partidos, nem telhados frouxos, nem...

sábado, 26 de fevereiro de 2011

AS SETE CIDADES

A Lagoa das Sete Cidades, como muitas coisas por este mundo, também tem uma lenda.

E esta é uma lenda contada com poesia que nos fala de um reino encantado cujos reis tinham uma linda e encantadora filha de olhos azuis,  Antília, de seu nome. Esta princesa, que não gostava muito da vida do palácio, das aias e damas de companhia, dos protocolos reais, quase todos os dias passava as muralhas do castelo e ia passear pelos campos das cercanias. 

Adorava o verde, as flores, o canto dos pássaros e sentava-se num cabeço a ver o mar azul ali ao lado.

Durante um dos seus passeios deixou-se seduzir pelo som de uma flauta, foi atrás dele e deu de caras com um jovem pastor que vinha dos pastos, com o seu rebanho. Ela achou-o lindo, com uns olhos verdes e enormes. Conversaram muito e combinaram encontro para o dia seguinte e depois para o outro, e mais outro e outro ainda. Destes encontros, quase clandestinos, nasceu um grande amor, um amor jurado de amores eternos. 

Mas, como quase todas as princesas que viviam em palácios e castelos, os pais já lhe tinham tratado do destino e combinado casamento com um príncipe de um reino vizinho. E quando o rei soube dos encontros clandestinos da filha tratou de arrumar a questão. Proibiu mais encontros mas, como era muito amigo da filha, concedeu-lhe a oportunidade de um derradeiro encontro para a despedida.
Quando os dois apaixonados se encontraram pela última vez choraram, e choraram tanto que das lágrimas caídas se foram formando duas lagoas. Uma das lagoas, com águas de cor azul, nasceu das lágrimas vindas dos olhos azuis da princesa. A outra, com água de cor verde, foi feita das lágrimas da cor dos olhos verdes do pastor.

Foi mesmo um derradeiro encontro. Os apaixonados nunca mais se viram, perdendo-se a oportunidade de ficarem juntos para sempre. Mas, se não ficaram juntos, ligadas ficaram as águas das duas lagoas, juntas para sempre, uma azul e a outra verde, sem mistura das águas, a perpetuarem as lágrimas de cada um.


(Açores - São Miguel - Lagoa das Sete Cidades - 2008)
O final não foi, de facto, o mais feliz, não houve casamento, nem muitos filhos, e nem viveram para sempre felizes.

Apenas ficaram as lágrimas feitas lagoas, ficaram as cores, e ficou, sobretudo, a paisagem magnífica e única do miradouro do Rei.

sexta-feira, 25 de fevereiro de 2011

AS ESCUTAS

Para que não fiquem dúvidas, para que o processo fique definitivamente sanado, para que não haja mais incómodos, para que a inocência do senhor "engenheiro" seja o  seu carisma, as provas das escutas telefónicas que incriminam o "nosso" primeiro ministro foram mandadas destruir pela figura número três do estado português.

Assim se aplica, por uma das figuras mais altas do estado da nação, um dos princípios fundamentais da nossa constituição: perante a lei somos todos iguais e, até prova em contrário, somos todos inocentes. 

Isto quer dizer que, se não houver prova, prevalece a inocência. "Tão" a perceber, não "tão"?

Uma verdade insofismável, apenas com uma ligeira nuance: é que há uns que são mais iguais do que outros. Uns, como o primeiro ministro, os membros do governo, os antigos membros de governos passados, os deputados e antigos deputados e mais os muitos membros dos partidos do poder e não só, esses são todos mais iguais; os outros, os que trabalham e pagam os impostos, os  que, imensamente contrariados mas obrigados a isso, alimentam a podridão deste país, esses, são apenas iguais e, se têm o azar de qualquer coisa, são logo condenados, e sem direito a destruição de provas...

P.S.: Para que não haja a possibilidade de ser incriminado por este texto, o mesmo será destruído, ao fim de 30 segundos.

PUFF!  (ou PUM?). Já está!


quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

À ESPERA

A tarde estava quente, sem vento, a convidar a um passeio à beira-mar.

O destino não ficava distante e, àquela hora, o trânsito fluía com tranquilidade e sem pressas.

O parque estava vazio. Só o seu carro! De um lado, o pequeno porto de pesca artesanal, do outro, a praia, quase deserta... ao longe um casal passeava  na beira-mar, abraçados os dois.

Começou a descer os degraus do molhe do porto da pesca. Um barco a chegar, azul forte, com dois homens e cheio de peixe. O motor a gasóleo, num teco teco ronceiro e monótono, ia fazendo deslizar a embarcação naquela água lisa do mar que se esgotava ali.

A lentidão imposta pelo rotação do motor permitia aos homens irem escolhendo e separando o peixe pescado.

As gaivotas, reunidas em assembleia na rocha que emerge no meio da pequena enseada, aguardavam, impacientes, um pequeno peixe que fosse. Mas nada, até àquele momento, nem uma escama aqueles dois homens atiraram borda fora. Certamente eles não iam dar mão daquele peixe fresco que conseguiram apanhar nas redes e armadilhas que colocaram durante a noite, pensou ele.

(Açores - Ilha de São Miguel - Caloura - 2003)
E elas quietas, voltadas para o mesmo lado, olhando fixamente o azul forte, iam virando o pescoço a uma só vez, à medida que a lentidão do barco se ia aproximando do plano inclinado daquela praia de cimento.

De repente a quietude do grupo, a tranquilidade daquela imagem, quase enternecedora, agita-se, o quase silêncio daquele toque toque do motor é abafado por gritos agudos e fortes, com um bater de asas, um abrir de bicos e de agressões entre aquele grupo aparentemente civilizado de gaivotas. Reparou, então, que os homens tinham juntado, num balde, os peixes em mau estado e atiraram-nos para junto das gaivotas que, pelo que lhe parecia,  ali devem estar, todos os dias à espera, à mesma hora, no mesmo sítio, pela chegada dos barcos de pesca.

A luta pela comida transformou-se numa batalha louca, violenta, agressiva, gritada e imensamente agitada. 

Acabada a comida tudo voltou à mesma paz do início, à quietude consentânea com a tranquilidade daquele local.

Até chegar outro barco, pensou ele...

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2011

A PONTE

É bonita e elegante!

Os traços são simples: um tabuleiro, dois pilares bem altos e bem verticais, e aquela linha côncava dos cabos que se quebra no topo de cada pilar e que, ao longe, mais parece um arabesco de assinatura do que um entrelaçado enorme de cabos de aço que aguentam aquela estrutura de ferro e mantêm o tabuleiro no seu lugar, permitindo a passagem dos carros e dos comboios.

(Ponte sobre o rio Tejo - Lisboa - 2009)
 
Durante o dia a ponte mostra a sua imponência, a sua grandiosidade e a sua imensa utilidade como meio de passagem. De longe, os veículos que a atravessam parecem carrinhos de brinquedo em fila apressada, como formigas em carreiro.

Mas à noite, com a magia e a ilusão que a noite sempre traz consigo, a ponte torna-se surpreendentemente mais bonita e mais elegante, como actriz que se arranja, que despe o seu fato do dia a dia, e se pinta, se adorna e coloca um vestido comprido como se fosse para a estreia de uma representação de luxo.

E quase todas as noites repete o espectáculo, num dia a dia sempre igual mas sempre diferente, tudo depende do modo como é vista pelo olhar de cada um.

Esta noite ela estava particularmente bonita, extremamente elegante e surpreendentemente atraente!

terça-feira, 22 de fevereiro de 2011

CASTELO DE BELVER

Não é muito grande mas está lá, bem no alto, a dominar, a olhar a serra a norte e o rio ali em baixo e a guarnecer a linha do Tejo.

Foi construído no reinado de D. Sancho I, sob a orientação da Ordem dos Hospitalários, a quem o rei doou a região, no ano de 1194, para conter as forças Almóadas,  sob o comando do califa Abu Yusuf Ya'qub al-Mansur. Estava-se na época da reconquista cristã da península Ibérica.


(Castelo de Belver - 13-02-2009)

Teve papel importante na defesa das invasões castelhanas, assim como na restauração da Independência. Sofreu alguns revezes em batalhas e cercos, e os terramotos de 1755 e de 1909 causaram-lhe importantes danos.

Era neste Castelo que, no reinado de D. Sancho II de Portugal (1223 - 1248), se guardavam os dinheiros do tesouro real; foi neste castelo que viveu, no Século XVI, a Princesa Santa Joana; e aqui esteve encarcerado, em 1553, o nosso maior poeta Luís Vaz de Camões.  

Desde Julho de 1910 que é considerado monumento nacional. Ao longo dos últimos anos tem sido beneficiado de importantes melhoramentos estando, actualmente, em excelentes condições.

No seu interior tem uma capela, de S. Brás, com um altar-mor em talha e uma série de bustos-relicários com relíquias oriundas da Palestina.

Aquele espaço é, agora,  aproveitado para a realização de diversos eventos culturais.

Ali ao lado, na Ortiga, junto à barragem de Belver, a Lena continua a servir a melhor lampreia da região. A de hoje estava cheia de ovas, saborosíssima, de comer e chorar por mais...

É que a lampreia da Lena não enche apenas o estômago, é sempre motivo para alimentar, também, a nossa cultura (gastronómica, claro!).

segunda-feira, 21 de fevereiro de 2011

CONFRONTO

Um está em Castelo de Vide 
O outro em Bruxelas
 

Um é feito de pedra da Escusa

O outro é feito de bronze


Um está englobado numa cascata no meio de um jardim

O outro está numa esquina de duas ruas

Um urina para a cascata
O outro urina para um pequeno tanque

Um está ali, no jardim, há poucos anos
O outro está na esquina desde há quase cinco séculos


Um está sempre despido
O outro é vestido com roupas diferentes quase todos os dias


Há vários pelo mundo: um deles, o Manequinho, está no Rio diante à sede do Botafogo.


(Castelo de Vide - Março de 2008)
(Bruxelas  - Julho de 2008)

Todos iguais e todos diferentes, mas nenhum com aspecto tão saudável como o de CASTELO DE VIDE. 

Até o jacto de "urina" é mais forte, mais viril, mais consistente, mais longo. 

Será que é por ser alentejano? 

 E este, donde será?





domingo, 20 de fevereiro de 2011

GAIVOTAS EM TERRA...

... TEMPESTADE NO MAR!

É o que tem acontecido. O tempo mau, o mar forte, as ondas alterosas a ultrapassarem paredões, a inundarem ruas, povoações e a água entrar, sem cerimónia, pelas casas dentro...

(Praia de Moledo do Minho  - 2007)
Desta vez a culpa não é da política mas, certamente, das políticas que levam às grandes mudanças climáticas. 

Mais um momento para reflectir, para pensar como estamos a tratar o nosso ambiente.

Altura, também, para cada um começar a racionalizar melhor o seu dia a dia e a não agredir tanto o ambiente.

É que se cada um o fizer, todos o faremos... e "grão a grão"...

sábado, 19 de fevereiro de 2011

O SR. LOURENÇO

O Sr. Lourenço vende jornais, melhor, vendia.

Sempre o conheci atrás do balcão da tabacaria do Centro Comercial.

Educado, sereno, discreto, pouco falador, mas eficiente e pontual na hora da abertura. Às vezes o Jornal chegava atrasado e ele pedia desculpa por não o ter àquela hora, como se fosse culpa sua, mas prontificava-se a guardá-lo.

Ultimamente começou a emagrecer, o cabelo a ficar mais ralo, o ar a entristecer, as rugas da face a vincarem-se, as maçãs do rosto a acentuarem-se, os dedos a ficarem mais finos e as mãos a mostrarem o desenho dos ossos, os olhos a amarelecerem cada dia, a ficarem encovados, a voz a ficar mais fraca e a notar-se uma lentidão na fala, os gestos mais limitados e o cansaço a tornar-se, cada vez, mais presente.

De certeza que andava doente, com um mal daqueles que ninguém gosta de falar, uma doença prolongada... só que esta tem sido rápida, de poucos meses.

Agora já não vai trabalhar. Não pode. Está acamado, em casa, pesa um pouco menos de 30Kg, não tem forças para nada, nem para abrir os olhos, menos ainda para falar. Mas ainda se mantém agarrado à vida, ou será que é esta que está presa a ele?

O Sr. Lourenço sempre foi boa pessoa,  um bom trabalhador, sem vícios conhecidos, sem maus hábitos de bebida ou de tabaco.

Ainda é um homem novo mas não lhe vai valer de nada.

Não sei se ainda estará vivo quando este Blog sair.

Mas não quero deixar de prestar a minha homenagem a um homem simples, a um homem leal à casa onde trabalhou, a um homem que cumpriu, sempre bem, o seu dever, a um homem educado e correcto com todas as pessoas.

Vou sentir saudades suas, sempre que for comprar o Público ou o Expresso!

sexta-feira, 18 de fevereiro de 2011

ANDO TRISTE

Apareceu-lhe na consulta. Tinha-a marcado já há duas semanas.

Entrou no gabinete. Ele, sentado à secretária, levantou-se para a cumprimentar e indicar-lhe a cadeira.

Ela vinha, elegante, de preto vestida, com o semblante sério. Sentou-se.

Ele também se sentou e perguntou-lhe: em que lhe posso ser útil? Era quase sempre assim que começava a conversa, perguntando se podia ser útil.

Ela respondeu-lhe: espero bem que sim, Doutor, que me seja útil, que me ajude, ando muito precisada de apoio.
- Então o que se passa?
- Ando triste, sem vontade de sorrir. Já dura há uns meses,
- E apareceu assim de repente? Ou foi um processo que se foi instalando de forma paulatina e progressiva?
- Desde que fiquei desempregada, desde que a minha vida deu uma volta total. Foi o processo que levou ao despedimento, injusto! Foi o ordenado que se foi, foi a vida que estava habituada a viver que se alterou substancialmente. O carro e as prestações a pagar, o andar que tinha comprado e o banco que não aceita renegociar o "spread" e a mensalidade (dizem que já estou a ficar velha e por isso não querem alongar o prazo), é tudo. Depois acho que entrei em depressão, sou sozinha, o psiquiatra enche-me de medicamentos para contrariar a depressão mas que me trazem outros problemas e não me cortam a angústia do viver. Por isso voltei a fumar, a gastar ainda mais dinheiro na porcaria do tabaco mas que tem sido a minha companhia.
- Mas sabe que não deve fumar, o bem passageiro que lhe provoca vai transformar-se num mal agravado no futuro. Não se esqueça da sua bronquite...
- Eu sei Doutor, sei de tudo isso, mas nada me livra da angústia deste viver, sem trabalho, sem dinheiro, com as contas para pagar. O tabaco, ainda assim, vai-me anestesiando a vida, vou-me refugiando nele, vai-me acompanhando... aquele fumo que se desfaz no ar... quem dera que à minha vida  acontecesse o mesmo: desfazer como o fumo. Por tudo isto eu sei que ando triste, apenas vim aqui para falar um pouco com o senhor que sei que me escuta. Desculpe a minha tristeza...  

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

PÉ CHATO

Antigamente, o pé chato livrava da tropa ou, quando muito, ia-se para os serviços auxiliares. Agora não sei! Ainda há isso, da tropa?

Naquela altura, quem se queria safar tinha que se queixar no momento da inspecção militar. Era assim o procedimento (termo 100% militarista): o mancebo (outro termo que só se usa na tropa!) queixava-se e, com os pés descalços (e o resto do corpo também), pisava uma almofada com tinta e deixava a impressão da sola podal numa folha branca. E era a impressão podal que dava o diagnóstico. Se a arcada plantar não borrava o papel com a tinta, lá levava o carimbo vermelho: APURADO PARA TODO O SERVIÇO.

É que o pé tem uma arcada, a arcada plantar,  que facilita o andar e não provoca dor durante as longas caminhadas que os soldados costumam fazer. Acho que isto do pé chato só deve servir de desculpa, mesmo, para o exército. Os marinheiros têm pouco que andar, em princípio navegam e se têm que caminhar é um caminhar ondulante e limitado ao espaço do convés das fragatas ou ao corredor dos submarinos (aqueles novos que estão sempre avariados) e os aviadores "aviam-se" de avião e não precisam de marchar para nada (ainda se fosse terem que bater as asas...).

(Praia da Vitória - 2004)
Estes pés da fotografia de certeza que fizeram muita tropa e caminhadas, pelos vistos sem sapatos... é que de chatos não têm nada. Já quanto à sujeira...

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2011

VOAVA... VOAVA...

"Uma gaivota voava, voava,
Asas de vento,
Coração de mar.
Como ela, somos livres,
Somos livres de voar.

...

Somos um povo que cerra fileiras,
Parte à conquista
Do pão e da paz.
Somos livres, somos livres,
Não voltaremos atrás."

(Somos livres - Ermelinda Duarte).

(Fotografia do autor - Cataratas do Niagara - 2007)

Será que qualquer dia vamos ter que voltar a cantar a "Gaivota" para procurar o pão que começa a faltar? 
É que, sem pão, não há paz que resista!

terça-feira, 15 de fevereiro de 2011

PERSISTÊNCIA

No meio da rua esburacada, das imensas fissuras do alcatrão, das obras infindas, da confusão, do barulho e da trepidação, o persistente renascer, o persistente renovar da vida, brota, indiferente à força bruta das máquinas, das lagartas das escavadoras, do rolo dos cilindros, das botas pesadas dos operários...

Às obras, quase eternas, da avenida Duque d'Ávila...

segunda-feira, 14 de fevereiro de 2011

SÃO VALENTIM

Convencionou-se que é hoje o Dia dos Namorados!

Acima de tudo são motivos comerciais que fazem reanimar as vendas das prendas, das flores e de "bibelots", dar movimento às mesas dos restaurantes, proporcionar fins de semana ou noites românticas em hotéis cor de rosa e em tudo o que lembre amor, paixão e, hoje em dia e cada vez mais, em sexo.


São Valentim é um santo católico e é o responsável pelo Dia dos Namorados. Conta a História que no tempo do imperador Cláudio II, este proibiu a realização de casamentos na tentativa de formar um exército grande e poderoso, com a ideia que, se os jovens se não se casassem  se iriam alistar com mais facilidade. Mas houve um bispo romano, de seu nome Valentim, que, apesar da proibição do imperador, continuou a celebrar casamentos, só que em segredo. Claro que houve quem denunciasse tal prática e o bom do Valentim foi preso e condenado à morte. 

Enquanto estava preso muitos jovens casadoiros atiravam flores e bilhetes para a sua masmorra, dizendo que eles ainda acreditavam no amor. Entre esses jovens estava uma invisual, Astérias, filha do carcereiro que convenceu o pai a deixá-la visitar Valentim. Tantas visitas fez que acabaram por se apaixonar e, milagrosamente, a jovem recuperou a visão. Apesar do milagre, das cartas de amor e  das promessas de amor trocadas, o bom do Valentim acabou decapitado em 720, precisamente no dia 14 de Fevereiro.

O dia de São Valentim é quase como o dia de Natal: comemora-se uma vez por ano e ambos celebram o amor, um o amor da família, outro o amor dos casais. 
Pena é que o Natal não seja todos os dias e o  dia de São Valentim também.


domingo, 13 de fevereiro de 2011

TOCAR A REBATE

Quando?


Quando se erguerão as seteiras,
Outra vez, do castelo em ruína?
E haverá gritos e bandeiras
Na fria aragem matutina?

Se ouvirá tocar a rebate,
- Sobre a planície abandonada?
E partiremos ao combate,
De cota, e elmo, e a longa espada?
Quando iremos, tristes e sérios,
Nas prolixas e vãs contendas,
Lançando juras, impropérios,
Pelas divisas e legendas? 




(Monsaraz - 2006) 


                                             E voltaremos, - os antigos,
                                             Os puríssimos lidadores,-
                                             Quantos trabalhos e perigos!
                                             Quase mortos e vencedores?

                                             E quando, ó Doce Infanta Real,
                                             Nos sorrirás do belveder?
                                             Magra figura de vitral
                                             Por quem nós fomos combater. 
Camilo Pessanha


Parece que falta a corda ao sino. Será por isso que não se toca a rebate?

sábado, 12 de fevereiro de 2011

AMANHECER

Já não se recordava de um amanhecer assim! 

O céu azul, de um azul que começou por ser muito escuro, quase negro, e que, à medida que o dia ia clareando, se tornava mais aberto, mais definido, mais aquele azul de que costuma ser a cor do céu. E ainda, nessa manhã, o sol, acabado de acordar, resolveu esborratar aquele azul com umas pinceladas rosas que animaram o quadro imenso de céu que estava perante a sua vista.

                          (Alentejo - em algures em 2004)

Depois, o contraluz, o efeito de sombra chinesa, conseguido pelas folhas e ramos daquela árvore quase despida pelo inverno frio que parece estar de partida, deu o toque de magia que faltava àquele amanhecer especial e único.

sexta-feira, 11 de fevereiro de 2011

CORES

Descobriu-a num canto do quintal. Num lugar soalheiro, num canto que lhe serve de prenúncio da primavera. Vai lá, todos os anos por esta altura, espreitar, para saber se já há flores ali.

Este ano o brinde saiu mais cedo, ou melhor, os brindes, porque eram dois: é que o recanto, para além do verde viçoso das ervas e das folhas das plantas rasteiras, estava cheio de florinhas azuis e tinha também uma outra flor, uma só, bem maior que as azuis, bem mais alta e  bem amarela. Como se fora filha única no meio do verde e do azul das florinhas rasteiras.

         (Alentejo - Fevereiro 2011)

Lembrou-lhe um sol a iluminar o recanto, um sol amarelo que, ao misturar-se com o azul das flores pequeninas, espalhava o verde pela erva e pelas folhas do recanto. 

Recordou-se, naquele momento, do que aprendera na escola: que a mistura do azul e do amarelo dava verde... e era agora a natureza a dar-lhe um exemplo prático da teoria que lhe ensinaram em jovem.

Claro que o Sol, o verdadeiro, estava bem lá por cima a permitir este colorido de imagem!

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2011

A OLHAR

Encostava-se ao granito do muro e ali ficava, horas perdidas, a olhar o longe, a distância, num olhar vago, sem se fixar em nada. O ruído do gado, o badalar dum chocalho, o latido de um cão faziam-lhe virar a cabeça e o olhar nessa direcção mas, logo de seguida, o seu olhar voltava para o longe, para o horizonte do seu alcance...

(Monsanto - Abril de 2003)

Tinha dias em que recordava a sua meninice, a escola, a mestra Aurora, a palmatória que lhe aqueceu muitas vezes as mãos por não saber o nome dos rios; escola que interrompeu na 3.ª classe porque tinha que ir guardar as cabras, dar-lhes o pasto, recolher o leite ao fim do dia e levá-lo, já noite, à queijeira na aldeia ao lado. Tinha medo dos lobos, sabia da história de uma miúda que fora atacada, há uns anos, naquele caminho, que não era mais do que um trilho serrano, aberto pela passagem constante de gente entre os dois lugares. Levava a lanterna de azeite que pouco iluminava, mas que lhe podia servir de arma de defesa ou de arremesso se fosse atacada pelas feras. Também sabia o caminho de cor, as pedras soltas, os requebros, as voltas mais largas, aquele muro de pedra, meio esventrado, que atravessava o caminho e o ramo daquele carvalho que parecia lhe querer barrar a passagem, mesmo à altura dos olhos. No inverno custava, o caminho gelava, as socas de madeira escorregavam, e ela não podia perder o leite... se não, levava quando chegasse a casa, era na cara, ficavam os dedos marcados e o rabo quase sem se poder sentar umas horas. Vida dura, sofrida, solitária.

Não tinha irmãos e, por isso, as tarefas eram todas distribuídas para ela. Via os primos, cada um a fazer as coisas que lhe competiam e ela a fazê-las todas. Brincadeiras, só ao domingo. Jogava à macaca, à bilharda com os rapazes. Nunca chutou na bola de trapos e também nunca teve uma boneca. Fez uma, de trapos, cabeça de pano, uma quase marafona, dormia com ela na enxerga, era a sua companhia, a sua ouvinte de monólogos de menina maternal.

Fora essa a história que lhe contara no fim daquela manhã, beneficiada por um sol morno de inverno. Despediu-se... tinha que ir tratar da sopa para ela e para o marido, que estava a chegar da horta.

Santas tardes, senhor!
 

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

CHAPÉU DE CHUVA

Andava ansiosa para estreá-lo! Era um chapéu de chuva enorme para o seu tamanho, de um vermelho forte e uniforme, sem desenhos, riscos ou arabescos.

Só não havia chuva; o tempo nebuloso, encoberto, prometia água, mas nada. E ela, desesperada, queria tanto usá-lo, sentir e ouvir a chuva a bater forte, naquele pano cor de sangue, enquanto se passeava, seca, no meio de um chuveiro de água.

Parecia de propósito, mesmo! No dia, em que a meteorologia prometia chuva, com bátegas e vento,  este acordou cheio de sol, quente mesmo, a contrariar, em absoluto, as previsões pessimistas da véspera.

Mas ela estava determinada e não se deixou abater; vestiu aquele vestido azul, leve e simples, pegou no chapéu de chuva, abriu a porta de casa e pôs-se a caminho do campo de lilases amarelos que se estende, num plano inclinado ascendente, até ao sopé do monte que abriga a casa dos ventos.

                           (pintura de rua - Lilases - Praga - 2010)

E o sol a tornar-se intenso àquela hora do meio da manhã, a aquecer a terra, a avivar o amarelo dos lilases e ela, sentindo a cabeça abrasada pelo calor do sol,  abriu o chapéu  continuando o seu passeio descontraído pelo campo fora.

Do alto da varanda, aquele círculo vermelho que se ia afastando, parecia um sol de fim de tarde, bem vermelho, a esconder-se no horizonte amarelo daquele campo de lilases.


terça-feira, 8 de fevereiro de 2011

O SALMONETE

Já tinha prometida a ida.  Uma espécie de ritual anual.

O almoço dos salmonetes!

Quase obrigatório. Mas a verdade é que, salmonetes, só mesmo em Setúbal. E aquele almoço era quase sagrado.

O mesmo restaurante de sempre e sempre a mesma dificuldade em dar com ele. A confusão das ruas estreitas, dos sentidos únicos, do estacionamento difícil. Vira na segunda rua depois da rotunda, depois desce pela rua do Centro de Saúde, tem a placa a indicar, vira à esquerda na terceira, sobe uns duzentos metros, entra no portão e, se conseguir lugar, estaciona ali.  O resto do percurso para o restaurante faz a pé...

O Assador de Peixe.

Fora o primeiro a chegar. O anfitrião já lá estava, à espera, sentado à mesa comprida. Os mesmos amigos, alguns que só se viam ali... à volta do salmonete, do vinho de Palmela, da conversa, das histórias do António, das considerações do Pedro, das anedotas do Xico, das aventuras do Carlos...

Um a um, a chegarem, os cumprimentos, os abraços, a mesa a compor-se, a conversa a animar, o queijo de ovelha, a mousse de camarão, o carapauzinho de escabeche, o pão de Alcácer, os pimentos padrón e a salada de tomate com oregãos já ali, em cima da mesa, à espera do ataque.

As entradas comidas, numa espécie de ante-estreia para os salmonetes grelhados, regados com aquele molho de fígados a acentuar o sabor único daquela carne branca de pele rosada.

Aqueles salmonetes, daquele mar, absolutamente frescos, do barco para a lota, da lota para o restaurante, sem congelação... O vinho leve, fresco, de sabor suave para não estragar o paladar do peixe.

Pró ano lá estaremos... vira na segunda depois da rotunda, depois vira à esquerda... ou desce pela rua do Centro de Saúde?

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2011

INSTANTÂNEO

Sentado no seu banco olhava fixamente o objecto à sua frente.

O bloco de folhas brancas na mão esquerda e o pincel, molhado numa cor de aguarela, seguro por mão firme e determinada.

Tudo num mundo de silêncio, num ambiente de tranquilidade, numa imobilidade e quietude que, pelo quase insólito, despertavam a atenção de quem ali passava.

O pintor procurava reproduzir o momento, gravar uma memória, sem tempo, na paz do seu espaço.


               (Granada - Espanha - 26-11-2004)

E o fotógrafo, ao passar, não fez mais do que reproduzir o instantâneo desse momento.

domingo, 6 de fevereiro de 2011

O VERDE ALENTEJANO

O Alentejo está lindo!

Os campos estendem-se num tapete verde sem fim a convidar a um passeio. Aqui e além começam a ver-se as primeiras flores a colorir a imensa paleta verde de tons variados.

                (Alentejo, perto de Estremoz -  Fevereiro de 2011)

As mimosas, cheias de flores amarelas, parecem iluminar as beiras das estradas como se fossem archotes a dar luz ao dia, tal a força e a intensidade da cor.

Já falta pouco para se dar início ao espectáculo da primavera, ao colorir dos campos, ao transformar da monotonia em cores de alegria, ao sentir a vida a renovar-se, ao sol a querer  ficar cada vez mais tempo e a prolongar os dias, ao tempo a começar a aquecer e a convidar a passeios sobre estes tapetes verdes, imensamente apetecíveis.

sábado, 5 de fevereiro de 2011

A PORCA DE MURÇA

Mais uma lenda popular ligada a um lugar, neste caso uma vila transmontana, a vila de Murça.

No século VIII esta povoação e os arredores eram assolados por grande quantidade de ursos e javalis, que destruíam as colheitas e atacavam os animais domésticos. Os senhores da Vila, ajudados pelo povo, organizaram várias montarias que extinguiram ou escorraçaram para muito longe os causadores  de tamanho prejuízo. Mas a verdade é que nem todos fugiram ou morreram. Ficou por lá uma porca (há quem diga que era uma ursa) que se tornou o terror dos povos pela sua monstruosa corpulência, pela sua ferocidade, e por ser tão matreira que  dificilmente era avistada pelos caçadores.
 
Em 775, o Senhor de Murça, cavaleiro de grande força e não de menor coragem, decidiu matar a porca, e tais manhas empregou que o conseguiu, libertando a terra de tão incomodo hóspede. 
 
 
 
Em memória desta façanha se construiu um monumento, alcunhado “a Porca de Murça”.

No entanto, há quem defenda que os atributos masculinos bem visíveis não enganam, e que a Porca de Murça é, na verdade, um berrão, do mesmo género dos que se encontram na zona oriental de Trás-os-Montes e relacionados com um culto da fertilidade de povos pré-romanos, ou mesmo um urso, animal frequentemente encontrado naqueles lugares, naqueles tempos.

Seja como for, é hoje um monumento em granito que se ergue sobre uma base,  também em granito, no jardim da praça central, e constitui o "ex-libris" e o orgulho de Murça e arredores.
 

sexta-feira, 4 de fevereiro de 2011

UM SORRISO NO DIA MUNDIAL DO CANCRO


O Dia Mundial do Cancro é celebrado esta sexta-feira, dia 4 de Fevereiro, com o alerta para a possível morte de 84 milhões de pessoas, até 2015, caso não sejam tomadas medidas.

Nos países de baixo e médio rendimento, os casos mortais devido à doença podem atingir os 70%. E são as  dificuldades de acesso aos serviços de saúde que criam o desequilíbrio no tratamento do cancro entre os países ricos e pobres.
 
De acordo com projecções da OMS, cerca de três em cada quatro novos casos de doenças cancerígenas devem ocorrer na África Subsaariana.

Também, segundo a OMS, apesar da falta de recursos todos os países podem implementar uma estratégia que combine a prevenção, detecção precoce, diagnóstico, tratamento e cuidados paliativos.

As medidas de prevenção da doença incluem a abstinência ao tabaco, dieta saudável, exercício físico regular, baixo consumo de álcool e protecção contra infecções que podem estar na origem do cancro.

Dentro das medidas de prevenção o Sorriso também devia estar incluído. O poder do sorriso é grande, e saber sorrir é algo de muito importante.

Antoine de Saint-Exupéry disse: “No momento em que sorrimos para alguém, descobrimo-lo como pessoa, e a resposta do seu sorriso quer dizer que nós também somos pessoa para ele”.

O sorriso traduz, geralmente, um estado de alma, o sorriso é uma manifestação exterior de afecto, o sorriso pode ser um convite a entrar na intimidade de alguém. Talvez seja por isso que o homem é o único animal que sorri; e tanto pode sorrir quando tudo vai bem ou sorrir mesmo que as coisas corram menos bem – tudo se resume na harmonia interior.



Daí a importância do saber sorrir. Se for simpático, o sorriso, pode dissipar uma angústia, se for de aprovação pode estimular um trabalho ou uma actividade, se for sincero pode criar uma amizade e pode aproximar, se for autêntico e espontâneo.

Hoje, as rádios portuguesas promoveram a sexta-feira do sorriso, talvez de propósito ou por coincidência com a celebração do Dia Mundial do Cancro; e nada melhor que um sorriso para animar, para compartilhar, para fazer a vida sorrir...

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A LENDA DA SENHORA DA PENHA

Reza a lenda da Senhora da Penha que, andando certo dia um pastor a guardar o rebanho, viu um grupo de malfeitores que planeavam roubar-lhe as ovelhas.

Tendo nessa altura invocado Nossa Senhora, que apareceu ao pastor montada num burrinho e cujas pegadas ainda hoje podem notar-se no granito, transformou o dia em noite, impedindo assim que se consumasse o roubo.

O povo da Vila, vendo que na serra era de noite e sabendo posteriormente o que tinha acontecido, resolveu edificar uma capela à Senhora da Penha. Escolheu para o local o sítio do Pouso, situado no sopé da serra.

Mas cada vez que as obras eram iniciadas, eram misteriosamente destruídas, chegando o povo de Castelo de Vide a montar guarda durante a noite para impedir tal destruição, o que não resultou.

Só quando a capela se começou a construir no local da aparição é que foi possível completá-la e assim, altaneira, olha a vila.

Esta igreja remonta ao séc. XVI. Fica situada no cimo da serra de São Paulo, a 1 km para Sudoeste de Castelo de Vide.
Ao subir para a Capela de Nossa Senhora da Penha, existe um assento de pedra, do lado esquerdo da escadaria de acesso, onde toda a gente se vai sentar para dizer uma quadra que os mais velhos cantavam:

“Cadeirinha de Nossa Senhora,
Cadeirinha do meu bem;
Onde se sentou Nossa Senhora
Sento-me eu também” 
Conta o povo que quem se sentar na cadeirinha, levantar os pés do chão e pedir três desejos e não os revelar a ninguém, esses desejos seriam concedidos. 
A propósito de uma ida à Senhora da Penha saíram estes
TRÊS DESEJOS

Não digo!
Não digo!
Não digo!
Nem que fique de castigo
e com rabo sentado
naquele banco molhado
com os pés fora do chão.
Não,
Não digo!
Porque se o disser
os desejos vão à vida
e fico sem receber
a promessa prometida.
Que o silêncio eu mantenha
e o guarde como penhora
que o não diga à Senhora
que, comigo, foi à Penha.


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2011

SENHORA DAS CANDEIAS

Dia 2 de Fevereiro é o dia da Senhora das Candeias, ou da Senhora da Luz.

Segundo a lei de Moisés, a mulher ficava impura com o parto e era proibida de entrar no templo durante 40 dias se tivesse um menino e 80 dias se fosse uma menina. Passado esse lapso de tempo o recém-nascido era apresentado no templo aos sacerdotes com a oferta de um cordeiro, duas pombas ou rolas, e a mãe era purificada, fazendo-se uma procissão em que as pessoas acendiam velas.

O dia de hoje celebra, então, o dia da entrada de Nossa Senhora no Templo, e a apresentação de Jesus aos sacerdotes, após os 40 dias de purificação depois do parto. O Sumo Sacerdote do Templo era Simeão que terá dito as seguintes palavras: "Agora, Senhor, deixa partir o vosso servo em paz, conforme a Vossa Palavra. Pois os meus olhos viram a Vossa salvação que preparastes diante dos olhos das nações: Luz para aclarar os gentios, e glória de Israel, vosso povo" (Lucas, 2, 29-33).




No dia 2 de Fevereiro já existia entre os cultos romanos a tradição da procissão das luzes. Recorda-se, neste dia, o sofrimento da deusa Ceres, a mãe das colheitas, quando a sua filha Proserpina (filha de Ceres e de Zeus), foi levada para o Inferno por Plutão (Hades) para companheira dele. Ceres vingou-se e, nesse ano, os cereais não cresceram e, por isso não houve colheita. Zeus, conseguiu negociar com Hades a libertação da filha e o seu regresso foi festejado e marcado com a chegada da Primavera; só nessa altura o calendário romano passou a ter as quatro estações.

A festa da Nossa Senhora das Candeias, Nossa Senhora das Luzes (ou da Luz),  Nossa Senhora da Candelária, ou ainda, Nossa Senhora da Purificação é celebrada em muitos locais do mundo cristão e, não só.

Para além desta associação à mitologia romana e grega, no Brasil, na Bahia de Todos os Santos,  a festa da Senhora das Candeias está associada à celebração de Iemanjá. A senhora das Candeias é a protectora dos pescadores e marinheiros, tal como Iemanjá.

Nossa Senhora da Luz é, também, tradicionalmente invocada pelos cegos.

Diz-se, na cultura popular, que no dia 2 de Fevereiro se as candeias sorrirem, o Inverno está para ficar, se as candeias chorarem o Inverno está para partir.

Como foi o seu dia? De chuva? De sol? Ou nublado?