segunda-feira, 31 de maio de 2010

AMPULHETA

Lá volto eu ao tempo!
Eu, que não quero ser escravo do tempo, deixo-me escravizar na escrita e, quando dou por ela estou, outra vez, a falar dele.
Hoje não vou dissertar sobre a temporalidade, sobre a 4ª dimensão, ou a teoria da relatividade, mas sobre a ampulheta, aquele objecto de vidro com areia no seu interior.
A ampulheta de areia foi um dos instrumentos de que os homens se serviram para marcar o tempo. Duas ampolas ou âmbulas de vidro, ligadas entre si  por um orifício estreito  por onde passa, de uma âmbula para outra, a areia contida no seu interior.
Vira-se a ampulheta e a areia lá vai passando por aquele aperto no vidro, escorrendo como um fio, até se acabar. Cada ampulheta tem o seu tempo determinado que depende do tamanho dos grãos de areia, e que deve ser uniforme; depende, também, da quantidade da mesma e do volume da ampulheta e, finalmente, do diâmetro do orifício de passagem.
Quando a areia se esgota na âmbula superior, vira-se a ampulheta e tudo recomeça de novo, a demorar o mesmo tempo, exactamente. 
Um vira e vira até quando se quiser. Pena a ampulheta não regular o tempo. Era bom! Sempre que quisesse que o tempo parasse, não virava a ampulheta e pronto. Tudo se suspendia, tudo parava... e valia a pena?  
Que adiantava parar o tempo? Parar o tempo é como parar a vida, e a vida morria; parava a Terra, e o mar deixava de ter marés, as sombras aquietavam, os pássaros não voavam, a fruta não amadurecia, a voz não saía, a vista não via e eu não ouvia.
E agora que faço? Viro a ampulheta, ou deixo o tempo parado? 
Não posso deixar o tempo parar...
Quem me ajuda? Socorro! Help!


domingo, 30 de maio de 2010

COINCIDÊNCIAS

Diz-se por aí que as coincidências não surgem por acaso. Eu acho que é verdade!
Elas surgem, não porque as procuramos, mas porque, quase sempre, fazemos qualquer coisa para que aconteçam. Não há outra maneira!
Pela minha vida já me aconteceram muitas! Mas nunca foi assim: olha, uma coincidência!
Hoje foi mais uma situação destas: deparei-me, no meio duma rua,  no meio desta Europa, com um grupo de cidadãos que falavam a mesma língua que eu. No meio da rua dum país, em que a língua falada em nada se assemelha com a nossa, ouvir alguém que fala a língua de Camões arrebita-nos as orelhas, desperta-nos curiosidade, faz-nos parar no nosso rumo determinado. Uma paragem, um pedir desculpas por me meter no meio do grupo e um dizer que apreciei o facto de falarmos a mesma língua. Quem são, donde vêm para onde vão? Eram de terras conhecidas, de locais de meus conhecimentos, com amigos comuns e episódios de encontros recentes... e tudo isto no meio de um mundo que nunca iria imaginar aproximações e este tipo de coincidências.

Não quis deixar esta referência esquecida. Até porque, graças às novas tecnologias da comunicação, naquele momento, três pessoas se puseram em contacto. E as emoções falaram alto, disseram do bom do poder da comunicação entre as pessoas e da tal coincidência que, se não fosse procurada nunca teria acontecido.
Não é Mariza, não é Rita, não é Juliano, não é Viviane, não é Jorge? Ainda bem que há Pedras Bonitas!

sábado, 29 de maio de 2010

GINGER E FRED

(Do Google Imagens com a devida vénia)
Aqui, em Praga, o par dançante domina a arquitectura moderna da cidade. Uma dupla de edifícios, encostados um ao outro, como se efectuassem um passo de dança; imagino um tango. Ele quase hirto e impassível, ela a acomodar-se e encostar-se ao corpo do parceiro. A nova arquitectura a expressar-se de forma ousada, quase a roçar as franjas do erotismo.
Uma homenagem ao célebre par do musicall e cinema americano: Ginger Rogers e Fred Astaire.
Não há dúvida que Praga se moderniza. É notória a diferença no crescimento da cidade, com edifícios modernos, avenidas largas e, cada vez mais, transportes públicos de qualidade.
O centro histórico, no entanto, conserva todo o seu carisma, com as ruas arranjadas, passeios de empedrado, a lembrar a calçada portuguesa, sem buracos e sem pedras levantadas, com piso bom para se caminhar, os edifícios limpos e habitados e a cidade velha e a célebre praça do relógio astronómico repleta de turistas a palpitar vida.
Não há dúvida, Praga continua a merecer ser visitada, uma, duas, muitas vezes.

sexta-feira, 28 de maio de 2010

O ALOQUETE

É sempre altura para nos esquecermos de alguma coisa.
Fechei a mala com um aloquete, e esqueci-me das chaves em cima da secretária. Um drama para tentar abrir a coisa sem deixar danos ou não ter que ir, de mala aviada, até um serralheiro para serrar a peça.
Sentei-me, concentrei esforços mentais no sentido de resolver a situação sem grandes alardes ou intervenções de outras pessoas. Era quase um vexame para mim próprio, isto, de me ter esquecido das chaves.
Dei voltas à imaginação. Não podia usar os meus instrumentos de MacGyver, aquele da série televisiva que era  capaz de consertar quase tudo com um canivete suíço e pouco mais, porque tinha deixado o meu Victorinox dentro da maldita mala, fechada com um aloquete quase inviolável. Tentei abrir de lado, mas a mala é daquelas rígidas que não cedem a tentativas de aberturas; experimentei rebentar o orifício por onde entrava e saía o raio do aloquete e, nada.


Um desespero.
Uma chatice!
O que fazer?
Sem solução à vista resolvo ir à recepção do Hotel contar a minha desventura. 
Parece que é habitual. 
Que fosse para o quarto que dentro de pouco tempo alguém lá iria tentar resolver o problema.
Voltei acabrunhado pela situação, irritado comigo próprio pelo desleixo, zangado com a minha organização mental, porque falhou.
Liguei a televisão e esperei. Dez minutos e a campainha a tocar. 
Dois empregados, um impecavelmente fardado como os da recepção, e o outro de fato macaco, azul escuro, e uma enorme turquês na mão.
Indiquei a mala, expus o aloquete e o tipo, o do fato macaco, com um golpe de turquês, TRUZ, abriu a peça. 
Tudo limpo, sem rasgaduras, sem ferimentos, sem axes... só o aloquete que ficou inutilizado. Bem feita, também foi ele o causador de tudo isto!
Agradeci, quis deixar uma nota de cinco euros na mão do homem que, polidamente, recusou. 

Assim que fui à rua, passei por uma loja onde comprei outro aloquete, sem chaves, só com números, daqueles de rodar. Tem quatro algarismos para fazer a combinação.

Oxalá não me esqueça: 9985? 5899? 9859? ou será 1265?

Bolas... lá vou ter que chamar o homenzinho de novo!

 

quinta-feira, 27 de maio de 2010

A GALINHA DA MINHA VIZINHA...

O mercado ainda tinha bastante gente. As bancas cheias de produtos, bem apresentados, atraentes na disposição e a pedir "Comprem-me! Levem-me"!

Apenas passei por passar. Um tempo escasso para relaxar de uma viagem de quase 3 horas e com hora marcada para ainda ir trabalhar.

E o Mercado foi o único local que me atraiu, ali, perto do Hotel.

Fiquei admirado com a boa disposição e amabilidade dos vendedores, com o cuidado em manterem os produtos frescos e atraentes para cativarem os compradores daquele dia.

E, à volta das bancas e nos corredores, o mesmo cuidado, o chão limpo, impecável, como se estivesse num ambiente hospitalar em que a higiene deve sempre ser uma preocupação, e os aromas agradáveis dos produtos frescos.

Dá gosto ver. Apetece comprar. Gostaria de levar os frutos apetitosos, o marisco fresco, o presunto perfumado, o pão de cereais bem crostado.

Mas não dá. Infelizmente!

O que, verdadeiramente me apetecia era levar o Mercado inteiro, assim, com tudo, a mercadoria e os vendedores. Ia regalando a vista, renovava os meus aromas, despertava o paladar para novos e diferentes sabores...

Acho que a esta hora, um outro turista como eu, deve andar a passear num qualquer mercado de Lisboa  a sentir o cheiro da fruta fresca, a regalar-se ao ver o peixe fresco, a passar perto dos enchidos e a perfumar o nariz com o aroma que exalam, a salivar diante da broa de milho acabada de cozer... e a pensar, talvez, o mesmo do que eu.

Não há dúvida que o provérbio funciona! A galinha da minha vizinha...

quarta-feira, 26 de maio de 2010

A OLHAR O CÉU...

Às vezes deixo-me ficar a olhar o céu!
Sem hora ou momento especial.
Claro que não me ponho especado assim, no meio da rua a olhar, ainda podia ser atropelado. 
Mas o céu pode ser olhado de várias maneiras e, de cada vez que o olho, vejo-o de forma diferente.
Se é à noite, num sítio sem iluminação, sem nuvens e com a lua nova, o céu é negro e deixa ver as estrelas, as constelações, a via láctea e aqueles planetas visíveis a olho nú; com sorte pode saltar uma ou outra estrela cadente a riscar rapidamente o céu.
Mas, se a lua está cheia, quase deixamos de ver aqueles astros todos e o que domina é o enorme disco redondo que nasce quase vermelho e se vai amarelando à medida que sobe no céu dando à noite uma luz de tom suave. A lua não é uniforme na cor, tem manchas: há quem veja nela um São Jorge a matar o dragão, ou um velho com um saco de silvas às costas ou, ainda, um São Cristóvão com o Menino ao colo e a carregar o mundo. Valha a imaginação!
Já durante o dia o céu é azul, mas um azul que muda a tonalidade conforme a altura do sol. Além disso, pode estar mais ou menos coberto de nuvens ou, mesmo, totalmente encoberto. Quando há sol e as nuvens apenas deixam farrapos brancos aqui e ali, é frequente ver que o céu fica riscado de aviões que passam e deixam aquele fuminho branco que persiste algum tempo.
E as vezes que olho o céu de olhos fechados?
Nessa altura uso os olhos da imaginação e deixo, soltos, os meus olhares.
Então, vejo tudo o que gostaria de ver... mas acho que não vou dizer o que vejo.
Deixo esse segredo para mim.
Estou certo que há quem consiga vislumbrar e entender aquilo que o meu olhar alcança, quem saiba sonhar assim como eu sonho, quem veja para além da fronteira do horizonte, quem sinta as estrelas a picarem nas mãos cada vez que as mergulha numa nebulosa, ou aconchegue o corpo no lençol imenso da via láctea e adormeça os sonhos na realidade do dia a dia.

E ainda há quem ache que olhar o céu  só serve para contar estrelas...

terça-feira, 25 de maio de 2010

HOJE NÃO ME APETECE ESCREVER

Apetece-me, antes, um café forte, amargo e espesso, com um toque de canela, numa chávena branca.
Bebido de um só gole, como um "shot". 
Desta maneira dá para sentir o líquido quente e forte a escorrer pela garganta e a chegar ao estômago, de uma só vez. 
Dizem que o nome de BICA é um acrónimo que significa Beba Isto Com Açúcar. Embora seja engraçada a ideia, não acredito que assim seja. A explicação terá que ser outra: há quem diga que vem do facto de os primeiros cafés espressos  escorrerem por uma espécie de bica e, daí, o nome que ficou.
De qualquer modo, o do Beba Isto Com Açúcar, para mim não pega porque eu gosto é da BICA SEM AÇÚCAR e o acrónimo, então, teria que ser BISA o que iria trazer, pelo menos, um inconveniente: sempre que pedisse uma BISA o empregado, para seguir à risca o pedido, tinha que bisar e  ia-me dar DUAS BISAS (as tais BICAS SEM AÇÚCAR). Ora, na minha idade, BISAR já não é coisa que se use, depois o bom senso recomenda que não se bebam muitos cafés por dia. Por isso só costumo beber dois cafés por dia: um logo de manhã e outro depois do almoço. Depois, mais nada, excepto o quadrado de chocolate negro que também serve de estimulante.
Parece que este café que acabei de beber me estimulou demais. Para quem não lhe apetecia muito escrever...


segunda-feira, 24 de maio de 2010

O MOCHO E O OURIÇO

Ganhei um vizinho!
Instalou-se no buraco dum sobreiro, bem junto à casa e ali fica sossegado, na sua sombra a aguardar o anoitecer.
É silencioso, não incomoda e faz boa vizinhança.
A noite é o seu dia. Assim que escurece lá vai para o cimo do poste do telefone, no meio do arvoredo que fica junto ao canil, e ali se aquieta, a dominar o escuro com os seus olhos enormes e bem abertos.
Quando a noite e o luar o permitem, sento-me na espreguiçadeira de lona do terraço e ali fico, calado nos meus silêncios, tranquilo numa quase imobilidade, a olhar o poste, o mocho e as suas investidas silenciosas.
Muitas vezes o seu voo surdo é seguido de um barulho de restolho, de um guincho de agonia e de um piar forte e quase violento. O regresso à árvore, com a presa nas suas garras, é saudado pelos piares esganiçados e famélicos das duas crias que a mãe protege.
  
É assim, o noite-a-noite destes meus recentes vizinhos e aliados.

Aliados como o Ouriço, o gato, que domina o território pequeno que é a quinta.
São ambos muito úteis, controlam a população de outros animais que me dão cabo da horta, as toupeiras, os ratos do campo, assim como os pássaros, que se deliciam com as cerejas que começam, agora, a ganhar a cor do sangue,  os morangos, as framboesas...

De vez em quando deixo-lhes um presente: carne crua que penduro na árvore, ou um prato de leite e peixe cozido.

Assim compartilhamos a nossa solidariedade, uma maneira de sermos cúmplices sem trocas de palavras, respeitando os limites de cada um.

Assim devera de ser, sempre, entre os homens.

domingo, 23 de maio de 2010

O GPS

Leva-nos a qualquer lado.
É só digitar o local para onde queremos ir, uns segundos para o aparelho pensar e logo aparece a voz feminina a dizer-nos quando virar para a direita, seguir em frente ou virar à esquerda. 
E no écran está lá tudo, desde a representação gráfica do trajecto, em três dimensões, o tempo e a distância que falta percorrer, a hora previsível de chegada e até a altitude a que estamos. Depois ainda tem mais coisas: indica as bombas de combustível, as oficinas, os museus, hotéis, restaurantes e mais uma série de quase tudo o que interessa a quem viaja.

Uso-o muito, principalmente porque viajo bastante sozinho e, deste modo, não perco tempo a ver nos mapas o melhor trajecto, nem a perguntar a um transeunte onde fica a rua tal...

Coisa quase impensável há uns anos atrás.

Acho que vou oferecer um ao governo.

Mas vou pedir ao programador para introduzir algumas modificações: 
- indicar apenas os caminhos de verdade e honestidade,
- mandar apenas virar no bom sentido, 
- escolher as melhores soluções de poupança,
- indicar uma drástica redução de ordenados e subsídios dos políticos e governantes, das despesas dos ministérios, dos subsídios escusados a uma série de parasitas que nada fazem,
 - impedir a realização de obras faraónicas que aumentam o endividamento e não são fundamentais para o nosso pequeno país (trezentos à hora do Poceirão a Badajoz, com paragem em Évora. E como se vai até ao Poceirão?), 
- canalizarem parte dos lucros astronómicos que os bancos fazem gala em anunciar para ajudarem a minorar a dívida, 
- não sacrificar ainda mais os trabalhadores e a classe média com aumento de impostos.
Enfim, uma série de instruções obrigatórias e definitivas, sem desnortes. 

Oxalá o sócrates tenha a humildade de aceitar, mas acho que não: a soberba e a cegueira do homenzinho não vão deixar.

É pena!


sábado, 22 de maio de 2010

A FERRADURA

Habitualmente são de ferro.
Usam-se para calçar os cavalos, os muares e jumentos e outros animais de tracção como os bois e vacas. Assim os cascos ficam protegidos e não correm o perigo de um desgaste rápido.

Mas, para além do seu papel protector de cascos, as ferraduras, quando penduradas atrás das portas, trazem sorte.

Já na Grécia antiga se utilizavam as ferraduras como amuletos poderosos porque eram fabricadas com ferro, um dos elementos da natureza que os Gregos acreditavam proteger contra todos os males, depois a forma que lembrava a lua, em crescente, símbolo de fertilidade e de prosperidade.

Também os Romanos adoptaram o talismã dos Gregos e passaram esta crença aos Cristãos.

A tradição manda colocar a ferradura no alto da porta e com as pontas viradas para cima.
Só assim, os moradores ficam protegidos, com a sorte a espreitar-lhes atrás da porta e livres dos maus espíritos.

Agora estou sossegado!

Com a Marafona e a Ferradura não há mal que me chegue, nem trovoada, nem raios ou coriscos, nem má sorte, nem maus espíritos.

Pena o sócrates não ser uma alma penada; assim também ficava livre dele.

Mas esse dia chegará!

sexta-feira, 21 de maio de 2010

AS MARAFONAS

A boneca chama-se Marafona da Santa Cruz e é natural de Monsanto, a aldeia mais Portuguesa de Portugal.
Não tem Bilhete de Identidade, nem Número de Identificação Fiscal (o vulgar número de contribuinte).
E nem sabe a felicidade que tem em não ter qualquer número. 
Safa-se de pagar impostos, nem que estes sejam aumentados e, muito menos, livra-se de ficar sem o subsídio de férias ou o 13.º mês.
Que sorte!

Anatomicamente, a Marafona da Santa Cruz é uma boneca de trapos feita a partir de uma cruz. Tem esqueleto de madeira crucificada e corpo de pano.

Lembrei-me dela por dois motivos:
      primeiro, porque estamos em Maio e ela simboliza a Deusa Maia, a deusa da fecundidade;
      em segundo, porque em Maio é costume haver trovoadas e ela tem a virtude de afastar as ditas trovoadas.

Tem um porém, como dizem os irmãos brasileiros: não tem olhos, para não ver, e não tem boca, para não falar, se tem ouvidos ou não, para ouvir ou não ouvir, isso não sei; não me atrevo a tirar-lhe o lenço atado à cabeça. Mas é um porém que é, ao mesmo tempo, uma virtude: não vendo e não falando, não sei se  ouvindo ou não, pode ser deitada na cama dos noivos na noite de núpcias para dar sorte. Deste modo os noivos têm uma noite cheia de sorte, sem haver os inconvenientes de serem vistos, comentados e, muito provavelmente, ouvidos pela nossa amiga Marafona.

A minha Marafona da Santa Cruz está sempre  deitada na minha cama, só a tiro quando me vou deitar. Até hoje ainda não houve trovoada que incomodasse, só uma inundação. Mas isso não posso protestar junto dela. No livro de instruções que a acompanha, não fala lá nada de inundações.

Nem mesmo naquelas instruções que vêm no rodapé em letras muito pequenas.

quinta-feira, 20 de maio de 2010

A PARKER AZUL

Detesto as esferográficas, embora reconheça que são um mal necessário.

Gosto muito de escrever com aparo. Não passo um dia que não utilize a minha caneta. É uma caneta antiga, azul forte, com um aparo médio,  de ouro. Escreve solto, sem prender ou arranhar o papel, num deslizar suave. Cai bem na mão, não é pesada, não é muito gastadora de tinta e tem um tinteiro de razoável volume.
A tinta é castanha, da cor da canela, só  que não tem aroma.  Arranjar tinta castanha é que está, cada vez mais difícil, mas lá se  vai conseguindo. É preciso procurar nas boas papelarias, em lojas de artigos de desenho e, em último recurso, compro anilina castanha e preparo a tinta.

É um prazer escrever com ela, seja numa folha branca, seja nas de cor amarelo pálido das minhas receitas, do papel de carta ou dos cartões.

Acho que a caneta de aparo dignifica a escrita, dá um certo charme à caligrafia e desperta mais a atenção para o conteúdo do texto. Tenho pena que a minha escrita de hoje não saia caligrafada, mas penso que vai sair no tal castanho-canela, pois acho que  consegui, mesmo sem dar a volta ao texto, mudar a cor ao mesmo.

A propósito do "dar a volta" lembrei-me de algumas expressões idiomáticas como o dar a volta ao texto, o dar a volta por cima e o dar a volta ao bilhar grande. Se os nossos governantes fossem capazes, inteligentes e honestos talvez fossem capazes de dar uma volta por cima da crise bastando, para isso, dar uma volta ao texto e mandando uma série de parasitas e incompetentes dar uma volta ao bilhar grande.


Eu assinava por baixo, com a minha Parker azul  e com a tinta cor de canela.
 

quarta-feira, 19 de maio de 2010

10H 10M

Para mim é por uma questão de simetria.


Acho que os ponteiros, naquela posição, deixam ver a beleza de um mostrador, facilitam a leitura da marca ou de outras inscrições, quando existem, e harmonizam a peça.

Gosto muito de relógios - de bolso principalmente - e comecei a coleccioná-los faz, para aí, uns 30 anos.
 
Tenho alguns bastante antigos, a roçarem os finais do Século XVII  e o início do Século XVIII. São autênticas preciosidades, não só pela minúcia dos mecanismos em si, mas também pelo trabalho de artista, pela idade e pela raridade. Não são, de modo nenhum, peças de precisão, um atraso ou avanço de uma hora por dia, nestes relógios, não tem qualquer interesse. Aliás, os primitivos relógios de bolso, só tinham mesmo um ponteiro, o das horas.
Naqueles tempos a medição do tempo e as horas tinham uma importância relativa. O tempo era contabilizado em função dos toques dos sinos dos campanários das Igrejas. Para designar as diferentes horas do dia, empregava-se a divisão eclesiástica: as Laudes (ao nascer do sol), a prima, a tércia, a sexta (ao meio-dia), a noa, as Vésperas (ao pôr do sol), as Completas (ao deitar) e os Nocturnos ou Matinas (já depois da meia-noite). E as pessoas iam organizando a sua vida em função do toques dos sinos.


Nas aldeias a vida corria com a calma que o tempo permitia e o tocar do sino era também tempo de oração, como as Avé Marias que se rezavam, ainda, nos tempos da minha juventude.


De vez em quando limpo os meus relógios, dou-lhes corda para que o maquinismo ganhe vida e o óleo lubrificante possa espalhar-se por todas as peças, e ponho-me a pensar como o tempo - a quarta dimensão? - ganhou uma importância tão fundamental nas nossas vidas. 


Não há dúvida que o tempo sempre foi importante mas, a verdade é que, agora, ele impôs-se de tal maneira sobre o nosso viver que não somos mais do que  escravos desta imaterialidade tão real que é o tempo.


Por isso, os ponteiros dos meus relógios estão sempre na mesma hora.  Assim sei sempre as horas que são.


Pode-me dizer as horas?  São 10 horas e 10 minutos.



terça-feira, 18 de maio de 2010

A ESPLANADA

Agora que o tempo averanou, que o Sol começa a despir-se sem vergonhas, que o vento deixou de assobiar forte e se transformou em brisa suave, que as sombras frias de inverno se transformaram no nosso protector solar sabe bem passar um tempo numa esplanada.
De preferência junto ao mar, ou ao rio largo e majestoso que banha esta Lisboa linda e a Costa do Estoril.
A vista alarga-se para além das quatro paredes dum gabinete, ou das vidraças de um espaço comercial e o olhar alcança outra dimensão porque perdeu os seus limites, o respirar ganha outra vida, as narinas enchem-se de cheiros bons a mar e a sal, as ondas, ao desfazerem-se na areia molhada, deixam sons tranquilos e apelantes, a água fresca acabada de deitar no copo imagina sabores exóticos.
Gosto da esplanada da Praia da Torre, uma praia sossegada donde se avista quase o infinito, mas também a Ponte, o areal imenso da Costa sul e se vê a entrada majestosa de Lisboa.
Sentado a uma mesa medito, penso no futuro, revejo-me no passado e agradeço às Tágides o terem-me transportado até ali. 
A tarde, deixo-a escorrer devagar, à medida dos pensares.
Quando for a hora de quebrar o encanto e de voltar à rotina irei mais leve, mais solto e apaziguado.

Paz, uma palavra tão pequena e tão tranquila!

segunda-feira, 17 de maio de 2010

W. A. MOZART

É o meu companheiro no dia a dia do trabalho.

Acompanha-me nas consultas.
Em cada dia de consulta, antes de a iniciar, coloco um CD de Mozart. Tenho, ou julgo ter, a colecção completa da sua produção musical editada. Quase todos os dias o escuto. A sua música apazigua, tranquiliza, acalma a ansiedade dos doentes quando entram no gabinete e se sentam na cadeira.
É frequente os doentes dizerem que se sentem bem a ouvir a música e que lhes transmite paz. Tenho alguns doentes melómanos, outros mesmo músicos que, além de identificarem o autor, sabem dizer qual a melodia e o andamento.


É um músico muito variado na sua produção: desde os concertos para piano, ao Requiem (extasio-me a ouvi-lo!), aos quartetos para cordas, às serenatas, às sinfonias, às operas... Mozart consegue transmitir um equilíbrio na diversidade, difícil de ser encontrado noutros compositores.

Não sou, de modo nenhum um melómano e, muito menos, um erudito musical, mas gosto de Mozart. Completa-me musicalmente e dá-me a serenidade de espírito que preciso para enfrentar as dores, os incómodos, o sofrimento físico e moral, as angústias e os desânimos dos doentes que se sentam diante de mim.

Não há dúvida que o Mozart é o meu melhor assistente!

domingo, 16 de maio de 2010

A BANHA DA COBRA

Sempre que viajo para o Oriente, tento comprar o célebre Bálsamo de Tigre e de Dragão. Uma espécie de Vicks VapoRub, versão oriental, com quase os mesmos componentes (mentol, cânfora, eucalipto, terebentina e outras essências, excepto o Sanguis Draconis ).

Ambos servem para tudo, ou quase tudo: dores de cabeça, nariz entupido, picadas de insecto, comichões, cãibras e dores musculares, queimaduras, entorses e flatulência.  Não aplicar nos olhos e nas mucosas é a única recomendação de precaução.

Antigamente, nas feiras de província, havia sempre um indivíduo que atraía multidões. Vendia de tudo e a preços imbatíveis. Não vendia só uma peça: se estava na hora das mantas, além da manta levava mais um conjunto de atoalhados, mais um trem de cozinha em alumínio e um conjunto da facas do melhor material. 

Tudo isto dito de uma forma inconfundível.

Era conhecido pelo "Homem da banha da cobra". Isto porque começava a venda com a pomada de banha de cobra, boa para reumatismo, dores musculares, entorses, artroses, dores de cabeça, picadas de insectos e um imenso etc... 

"Não estou aqui para enganar ninguém (era assim que começava) e pelo preço de uma nota, não leva uma, nem duas, nem três caixas... leva quatro e dá para oferecer à sogra, à prima e à cunhada. E se pagar com duas notas não leva oito, nem nove, leva dez caixinhas desta pomada que resolve todos os problemas: queimaduras, entorses, dores reumatismais, dores de cabeça... Retira uma quantidade pequena e esfrega na região afectada até sentir calor. E, se não sentir resultados pode devolver."

Não trata, não cura, mas pode aliviar. 

Apetecia-me comprar um boião enorme, para aplicar neste Portugal cheio de entorses, a gemer de reumático, com uma imensa dor de cabeça. Não curava, não tratava, mas aliviava. 

E sempre ficava com aquele cheiro a mentol, não o de rosa fenecida.


sábado, 15 de maio de 2010

O COLÍRIO

Acordei com o olho quente, com dor e muita comichão. Levantei-me e fui direito ao espelho: vermelho de sangue, inchado, a purgar uma serosidade transparente, quase gelatinosa, que turva a vista quando olho apenas por ele.

Chatice! Mais uma veia que deve ter rebentado.
É o que dão as viagens de avião! As altitudes, as diferenças de pressão, o ar condicionado, enfim, uma mistura de circunstâncias e de causas que levam, com frequência, ao eclodir do sangue. 
Coisa para três ou quatro dias, apesar dos "Visadrons", dos "Red Eyes da Optrex", que compro sempre que vou a Inglaterra, na Boots dos aeroportos.
Este ano tem sido um exagero.
O oftalmologista diz que não há muito a fazer. O defeito é estrutural e tenho que aguentar e andar com as gotas perto de mim.

Mas acho que, desta vez, além do avião, o olho ficou, acima de tudo, IRRITADO:
     MUITO IRRITADO com a arrogância do sócrates, dos ministros dele e dos políticos de pacote que temos.
     MUITO IRRITADO com as medidas tomadas para resolver, muito parcialmente, a crise a que todos eles nos levaram: uns fazem as asneiras, aproveitam-se, enriquecem, os outros (o povo) pagam com os impostos, pagam com a redução ou abolição do 13º mês, pagam com o subsídio de férias que vamos deixar de ter,  pagam com a diminuição do poder de compra...
    MUITO IRRITADO com os planos megalómanos que insistem em iniciar. Essa do TGV tira-me do sério!
    MUITO IRRITADO com a resposta patriótica que o sócrates espera dos (parvos, para ele) portugueses. Tivesse sido ele patriota e tivesse pensado no povo na altura própria.
    MUITO IRRITADO com as palavras do decrépito soares a defender o sócrates citando Camões: "mudam-se os tempos...
Só que em vez do:
               Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades,
               muda-se o ser, muda-se a confiança;
               todo o Mundo é composto de mudança,
               tomando sempre novas qualidades.

o safado do velho disse para o jornalista com ar de gozo e a julgar que somos estúpidos:
               Sabe amigo, já o Camões o dizia num soneto: mudam-se os tempos, mudam-se as verdades.

Na verdade, as verdades do sócrates, do soares e dos socialistas mudam conforme as ocasiões. Tem sido sempre assim.

Por tudo isto o meu olho irritou-se e o problema é que não há colírio que trate esta conjuntivite. Parece que só há uma maneira: despedir a corja que nos governa, sacar-lhes a  arrogância, já que humildes nunca serão, e obrigá-los a sofrer na pele os males que nos fizeram.

Que tal abrir-lhes os olhos e, em vez de colírio, colocar gotas de vinagre?  


 

sexta-feira, 14 de maio de 2010

O PAPA

Vi-o hoje na televisão, na sua passagem rápida pelo Porto. E vi, também, o entusiasmo dos jovens, os aplausos da multidão, o fervor de fé das pessoas, assim como, também vi o rosto sereno do Papa e a sua alegria.

Gostei da missa. Por tudo! Um exemplo de religiosidade, de comunicação, de alegria, de elevação do espírito.

Não tive oportunidade de o acompanhar nos outros dias da sua estada em Lisboa ou Fátima. 

Fiquei surpreso positivamente com este Papa. A má impressão que fui bebendo em goles curtos pela imprensa, em injecções mais ou menos dolorosas transmitidas pelos média sobre o seu passado, foram-me criando uma imagem negativa que, agora, se modificou de forma significativa.
Sem o carisma e bonomia de um João XXIII, sem o poder de comunicação de um João Paulo II, mas com a tranquilidade do olhar, a afabilidade do sorriso, a amabilidade da palavra e a fé que despertou.

Acho que temos um bom Papa!

Oxalá!

quinta-feira, 13 de maio de 2010

AS ESCOLHAS

Ouvi hoje na RTP Internacional que o governo nos vai presentear mais um aumentozito de impostos, um aumentozito do custo de vida, um aumentozito do agravamento do nosso penoso viver.

Mas não ouvi nada sobre uma diminuiçãozita das despesas do estado, um aumentozito dos impostos sobre os lucros fabulosos dos bancos, das empresas públicas, nem nada de semalhante.

Acho que são escolhas. Cada um faz as que quer.

Espero agora que o nosso povo não volte a escolher o socrático sócrates, nem o rosáceo ps, nem nada que cheire a trafulhice rosa.

Estou farto de tanta mentira, de tanta ignomínia, de tanto nos chamarem cretinos e idiotas.

Espero que o povo, agora, faça uma melhor escolha.

Porque, boa, não tem hipóteses.

quarta-feira, 12 de maio de 2010

A MALA (ou AMÁ-LA?)

A língua portuguesa, por vezes, é muito traiçoeira.

Perguntava-me, neste fim de tarde de despedida, o que é que ainda tinha que fazer? A resposta veio-me pronta: o que tenho que fazer é a mala.
Mas, ao mesmo tempo veio-me a dualidade de expressão: o que tenho que fazer é amá-la.

De facto as homofonias, as cacafonias e outras fonias tornam a língua portuguesa rica de dizeres e de soletrares e só quem os entende bem é que os sabe interpretar.

Mas o mesmo têm as outras línguas. Lembro-me daquela aprendida nas aulas de Francês: "Le maire dit à la mère que la mer est amère" ou ainda, esta já ensinada mais tarde, o "Gal aimant de la Reine à la Tour Magne à Nimes" que se pode ler com a mesma entoação também como "Gallament de l'arène à la tour magnanime".

De facto, são os pequenos nadas de cada língua que lhes dão a riqueza de expressão e de entendimento.

Dizia-nos o Professor Gomes da Costa, nas aulas de Química Fisiológica: "agora vou dizer como os franceses quando falam belga - Choses"!

terça-feira, 11 de maio de 2010

LAENNEC

Hoje passei à porta do Hospital onde trabalhei: o Hospital Laennec.
Já não é.
Está tudo fechado, mas com os edifícios íntegros.
Tem à porta uma série de cartazes a dizer que não vai ser mais dedicado à saúde, mas ao condomínio. Está escrito nos cartazes que vão construir um condomínio fechado (de luxo, direi eu) mas que vão manter a traça e os edifícios. São pavilhões em tijolo, feitos para um Hospital. Trabalhei ali muito. Fiz parte duma equipa internacional sob a batuta do meu "patron" Prof. François Ruff: Peter Macklem, Roussos, Christian Préfaut, Geneviève Di Mateo, entre outros... Desenvolvemos uma série de novas tecnologias sobre as pequenas vias respiratórias, os músculos respiratórios, a respiração no mergulhos, os débitos das pequenas vias, realizámos os primeiros trabalhos em cromatografia líquida de alta pressão, estudámos os primeiros derivados da aminofilina e a sua acção sobre o músculo pulmonar e as vias respiratórias... Um trabalho de que me orgulho.

Fica a nostalgia, fica a recordação, fica a saudade.

Ficou, também, uma lágrima ao canto do olho que, teimosamente, não quis sair quando lhe passei com o lenço para a limpar.

segunda-feira, 10 de maio de 2010

PÈRE LACHAISE

Aproveitei a tarde de folga para ir visitar um local que há muito ansiava conhecer.

O cemitério do Père Lachaise. Talvez um dos mais famosos cemitérios do mundo, se não o mais famoso, o maior de Paris, e situado bem no centro da cidade. É enorme e é bonito. A entrada é feita por uma porta monumental, em mármore branco, assim me pareceu, e, depois de entrar, ficamos com a sensação que estamos numa cidade, com as ruas em ponto pequeno, os edifícios baixos, tudo florido, bem ajardinado, e com um arvoredo bem cuidado, seleccionado, e a constituir mais um pulmão para esta cidade poder respirar melhor.

Parece macabro isto da visita a um cemitério mas, neste caso, não é assim. Digamos que é mais uma atracção turística onde se pode passear com tranquilidade, sem barulhos, e com monumentos fúnebres que constituem verdadeiras obras de arte.


É também, talvez, o cemitério que reúne o maior número de celebridades, a nível mundial, quer no ramo da escrita - Honoré de Balzac, Cyrano de Bergerac, Oscar Wilde, Marcel Proust, Colette, La Fontaine -, da escultura e pintura - Eugène Delacroix, Georges Seurat, Max Ernst, Amedeo Modigliani -, da música e do canto - Maria Callas, Gilbert Bécaud, Édith Piaj, Jim Morrisson, Rossini, Bizet -, do cinema e da representação - Sarah Bernhardt, Molière, Marcel Camus, Yves Montand, Isadora Duncan - e mais uma série imensa de personalidades que passaram pela nossa existência de estudantes, como Gay-Lussac, André Massena, Guillaume Dupuytren entre outros.

Uma tarde diferente, uma visita há muito desejada e uma agradável surpresa tal a beleza, tranquilidade e paz sentida naquele lugar.

domingo, 9 de maio de 2010

LES BOUQUINISTES

Acordei cedo, já um hábito antigo, mas desta vez deixei alongar o tempo na cama larga e macia do quarto deste Hotel clássico e cheio de charme. Depois, dei-me ao luxo de encher a banheira enorme: despejei o frasco do "gel de bain aux huiles essentielles de menthe et d'eucalyptus" e abri a torneira deixando sair a água quente num jorro forte de modo a produzir uma quantidade apreciável de espuma e a imaginar-me a entrar num amontoado de farofas, das de claras em castelo. E ali fiquei naquela água quente, meio adormecido, totalmente relaxado, com os pensares desligados, até a espuma desaparecer, a água começar a arrefecer e a sentir a pele a ficar engelhada.
O pequeno almoço despertou-me as papilas gustativas ao máximo, mas tive de me conter frente à quantidade  intensa de tentações calóricas, feitas de gorduras saturadas, açúcar e muito colesterol. Não resisti à sedução dos "croissants" estaladiços, acabados de sair do forno!
Às 9h 30m a manhã fresca, mas ensolarada, convidava ao passeio pela cidade e resolvi descer os Campos Elísios, inflectindo, depois, para as margens do Sena e acabando por ir assistir à missa gregoriana das 10h 30m, a Notre Dame. Uma missa diferente, tradicional, com grupos corais gregorianos a darem uma sonoridade muito especial àquele lugar. Os coros enchem o espaço da catedral e os sons invadem-nos e convidam a uma meditação profunda.
À saída, o Sol inundava a praça, agora repleta de excursões e com uma fila imensa de pessoas aguardando a entrada na Catedral. Os sinos tocavam a meia hora e o ribombar deles, mesmo por cima de mim, deixaram um ecoar forte e persistente na minha cabeça.
Pensei ir até ao "Marché aux puces", para os lados de Clignancourt, mas ficou-se só o desejo, porque os pés levaram-me para a "rive gauche" e, durante mais de duas horas percorri,  tranquilamente, as bancas dos "bouquinistes" na procura de livros sobre relógios de bolso, carros antigos, postais portugueses e gravuras relacionadas com alguns temas da minha preferência. Fui acumulando o peso dos exemplares antigos que fui adquirindo, o que me fez voltar ao Hotel para me libertar da carga.
O pequeno almoço deixou-me sem fome para almoçar e a hora já tinha passado há muito. Voltei a sair para mais uma volta breve pois ainda tinha que trabalhar sobre os textos a apresentar na reunião que me trouxe a Paris.

O fim da tarde a aproximar-se, o céu a começar a cobrir-se de nuvens fofas e o estômago a começar a queixar-se do jejum prolongado. Resolvi ir jantar a uma cervejaria-restaurante das minhas recordações, ao Chez Jenny, junto à Place de la République, uma cervejaria alsaciana dos anos 30, um lugar cheio de encanto e história, deixada em imagem nas centenas de fotografias de celebridades espalhadas pelas paredes dos salões e no mobiliário da época e, também, por ser um lugar de referência no que respeita à cozinha da Alsácia. O porco assado e caramelizado acompanhado da chucrute  e de um "Riesling" fresco, e um sorbet de pêra com "eau de vie" , como sobremesa, completaram as delícias deste domingo quase sempre de sol, de temperatura agradável, mas bastante arrefecido à saída do restaurante.



O metro trouxe-me às margens do Sena para esta fotografia que aqui deixo. As nuvens que começaram a aparecer ao fim da tarde parecem prometer chuva para amanhã ou mesmo, ainda, esta noite.

Altura para apressar o passo mas, as pernas cansadas do passeio de quase todo um dia, retardaram  a chegada ao Hotel donde, agora, escrevo neste blog.





 

sábado, 8 de maio de 2010

QUAI D'ORSAY

E lá fui, hoje, ao Museu do Quai d'Orsay ver a exposição de pintura de Jacob Meijer de Haan.

Quando se tem tempo, quando não temos as horas atrás de nós, quando preparamos a visita a uma exposição, aprendemos sempre muito mais do que o simples olhar nos mostra. Foi o que fiz desta vez, preparei-me para apreciar a meia centena de quadros e gravuras que constituem o acervo desta exposição. Até comprei um livro biográfico sobre este pintor impressionista holandês.

O quadro que mais me gostei foi este aqui ao lado - Marie Henry amamentando a filha Ida.
Este quadro parece ser o culminar de uma história curiosa:  de Haan, fez-se amigo de Gauguin, de Pissaro e de van Gogh, em Paris. Mais tarde, juntamente com Gauguin, decidiu ir para a Bretanha, ficando em Pouldu, onde de Haan teve uma ligação amorosa muito intensa com Marie Henry, a proprietária do café-restaurante-pensão, situado à beira-mar, chamado "Buvette de la plage", onde de Haan e Gauguin estiveram alojados. Não sei se a filha Ida que Marie Henry amamenta não será filha de ambos. Como paga da estada de Haan e Gauguin cobriram as paredes da sala de jantar com murais impressionistas.
Provavelmente por falta de dinheiro, de Haan, teve de regressar a Amesterdão, e nunca mais viu Marie Henry, mas antes de morrer, deixou-lhe em testamento todos os seus quadros.
Depois de grandes transformações, o Café-Restaurante "Buvette de la plage" voltou a ter as paredes pintadas  com reproduções das pinturas originais feitas por de Haan e Gauguin. 

Acho que deve merecer uma visita.

Qualquer dia vou lá!

sexta-feira, 7 de maio de 2010

THALLYS

Acabei os trabalhos, saí do Hotel e rumei, de novo, à gare du Midi. Desta vez não a Brugge, Ghent ou Anvers, mas sim a Paris, no Thalys, o TGV que une as duas cidades.

A distância curta não justifica o avião, que aliás, nem existe. É simples, rápido, relativamente caro (138 €, em Comfort 1), mas não  há check-ins duas horas antes, nem 1h de transporte até ao aeroporto, nem o mesmo na chegada. Apanha-se o comboio no centro da cidade sai-se no centro de Paris, na Gare du Nord, e está-se no Hotel em menos de um tempo. E a viagem é feita à velocidade louca de 300 Km/hora. Foi preciso marcar lugar com dois dias de antecedência: à sexta-feira há centenas de pessoas que preparam o fim-de-semana em Paris.

As Folies, Crazy Horse, Cages aux Folles,  Maxim's e uma série de espectáculos mais eruditos, desde a Ópera às exposições que decorrem em dezenas de lugares e museus, fazem movimentar milhares de "fim-de-semanistas" na direcção de Paris. A cidade está cheia e, nesta noite de sexta-feira, não encontro um local agradável para jantar. Vou tentar o Vagenende em Saint -Germain-des-près, um dos locais bons das minhas memórias de 76, 77 e 81.

Também penso ir, amanhã, ao Museu d'Orsay ver uma exposição de pintura de Jacob Meijer de Haan, le maître caché, um pintor holandês que veio para Paris no final de 1888 e que conviveu com van Gogh, Pissaro e Gauguin.


Aproxima-se um fim-de-semana de sossego, de passeio pelos Jardins de Luxemburgo, uma romagem à Cité U e à Maison André de Gouveia, à Place de l'Italie, de pôr sonos em dia, de acabar a leitura de "A República dos Bugres" de Ruy Tapioca, porque segunda-feira o trabalho volta a apertar.

Até lá, Paris, espera por mim!

quinta-feira, 6 de maio de 2010

BRUGGE

Hoje meti-me num comboio, confortável e rápido, e fiz o trajecto, desde a Gare du Midi , de Bruxelas, até àquela que é considerada a Veneza do Norte - Brugge. Ida e volta. Ida logo pela manhã e volta perto das 16h.

Da última vez que lá tinha ido fiquei com a dívida de uma visita a Hans Memling, um dos grandes mestres da pintura flamenga primitiva, no Hospitaalmuseum - Sint-Jan museum. Daquela última vez não passei da porta de entrada.

Fui apreciar o relicário de Santa Úrsula e todos os quadros do Mestre que estão em exposição na Igreja e na Cornelius Chapel.
Sem pressas e sem pressões, tive o tempo por minha conta. Deixei os meus olhos a repousar na beleza das composições, nas cores intensas da pintura flamenga, nas expressões dos rostos, na quietude do muito que aqueles quadros expressam. 
O museu do Hospital de Sint-Jan merece ser visitado, não apenas por este Mestre da pintura flamenga, e muitos outros ali representados, mas também pelo mobiliário e a reconstituição do hospital de então e da célebre farmácia. Um reviver, também, da história da medicina e da farmacologia.

É assim a Bélgica, um país pequeno, rico de lugares maravilhosos, com bons transportes e uma excelente qualidade de vida.

Tão parecido com Portugal... :(

quarta-feira, 5 de maio de 2010

A BANDA DESENHADA

Bruxelas é famosa, principalmente, por três coisas: os chocolates, a cerveja e a banda desenhada. Claro que se poderiam acrescentar mais duas ou três outras, entre elas os mexilhões (as célebres "moules"), os antiquários e a arte nova (com o arquitecto Victor Horta a pontificar). 

Mas, o que não há dúvida é que a Bélgica é o país da banda desenhada e Bruxelas assume, mesmo, a paternidade.

E este ano, quase lectivo de 2009-2010, esta cidade foi considerada a capital mundial da 9.ª arte.

Bruxelas foi um centro de encontro e de crescimento de muito desenhadores famosos: Hergé (Tintin), Franquin (Gaston Lagaffe), Peyo (Os Smurfs) e Urdezzo e Goscciny (Astérix).

Desde há uns anos para cá que as autoridades municipais de Bruxelas decidiram acrescentar o nome de um herói da banda desenhada ao nome de cada rua da cidade e, assim, cada rua tem duas placas toponímicas, a clássica e a do herói da banda desenhada.
Agora que este festival está mesmo a chegar ao fim, não quero deixar de prestar a minha homenagem aos homens e às figuras que eles criaram e que fizeram, e ainda fazem, as delícias do meu entretenimento.
  
Obrigado ao Tintin e Spirou, ao Lucky Luke e aos Smurfs, ao Astérix e a tantos outros heróis de papel, que demonstraram mais determinação e coragem que muitos, ditos heróis, de carne e osso.

Não quero deixar de referir um "herói" português da banda desenhada, da série do Tintin, o Oliveira de Figueira, o vendedor de banha da cobra, capaz de convencer um esquimó a comprar-lhe cubos de  gelo, ou vender areia um tuareg do Sahara e que conseguiu impingir tudo o que tinha à venda ao pobre do Tintim.

terça-feira, 4 de maio de 2010

ATOMIUM

Foi inaugurado em 1958, aquando da Expo Mundial de Bruxelas.

A primeira vez que o vi, e lhe passei muito perto, foi em 1976. Nessa altura vivia em Paris, onde estava a fazer um estágio em Pneumologia e Fisiologia da Respiração.

Foi no primeiro fim-de-semana em que me desloquei a Colónia, a visitar um primo que trabalhava na Radio Deutsch Welle. Como ia de carro, aproveitava todos os trajectos de auto-estrada e, obrigatoriamente, passava em Bruxelas, mesmo ao lado do dito Atomium.

Foram tempos bons, de boa camaradagem, de novas e diferentes amizades. Foi a altura da minha vida em que contactei com outras culturas, com pessoas doutros continentes e que deixaram reconhecimentos que ainda hoje perduram e que justificam, passados quase 40 anos, entre outras, as minhas vindas frequentes e regulares a Bruxelas.

Nessa altura, anos de 1976 e 1977, logo a seguir ao nosso 25 de Abril, sob o ponto de vista social, vivia-se uma época bastante conturbada, ainda com os resquícios do Maio de 68, em Paris, e em pleno apogeu do grupo Baader-Meinhof, um grupo de acção terrorista urbana, responsável por grande número de assassínios, principalmente na Alemanha.

Ao mesmo tempo, foi um período rico em termos de descobertas científicas principalmente nas ligadas à minha área da respiração. Foi uma altura em que tive a oportunidade de conviver e trabalhar directamente com cientistas famosos que vinham fazer os seus anos sabáticos a Paris, na época uma das cidades mais importantes no ramo das ciências médicas. Fazia-se muita ciência experimental.

Mas, dizia eu, que me deparei com o Atomium nessa primeira viagem que fiz de Paris para Colónia. Um monumento ao átomo, à ciência, à energia nuclear e atómica, tão em voga na altura. O Atomium representa a estrutura de um átomo de ferro e que, por ironia, foi todo construído em alumínio, por uma questão de peso, suponho eu. Foi feito para durar pouco tempo, uns 6 meses após o fim da Expo e depois seria desmantelado. Quis o destino que assim não fosse. E por lá perdura. Em 2004, foi todo renovado e o alumínio foi vendido, como recordação turística, em pequenos pedaços. A sua venda ajudou a pagar as folhas de aço que foram utilizadas na sua substituição.

Portanto, o Atomium que hoje olho da janela do meu Hotel já não é o mesmo que via quando lhe passava, quase por debaixo, no meu Citroën GS. Mas lá continua bonito, brilhante, e a ser um dos monumentos mais visitados em todo o mundo, a imagem de marca de Bruxelas, tal como a Torre Eiffel é a de Paris.
Uma curiosidade mesmo à belga. O monumento que estava para ser construído para comemorar a Expo não era o Atomium, mas, antes, uma réplica da Torre Eiffel, mas virada de pernas para o ar. Algum complexo "belgo"-francês? Será por isso que os franceses e os belgas têm entre si um certo ódio de estimação? E por isso, também, que os franceses gostam muito de contar piadas e anedotas sobre belgas?


A verdade é que Bruxelas continua a ser uma cidade cuidada, com belos edifícios e monumentos, com as ruas limpas, as praças arranjadas e, agora, cheias de flores, com o seu Mannekenn Piss quase diariamente a mudar de roupa, sem problemas de próstata, pois o jacto continua forte e consistente e a  Jeanneke pis, no Impasse de la Fidélité, a eternizar a sua posição de cócoras, sem uma queixa ou um mudar de posição. Ali ao lado, na rue des Bouchers, as "Moules avec frites" continuam a saciar os apetites mais gulosos e a cerveja, essa, escorre pelas gargantas sequiosas de toda a gente.

Dos chocolates nem vale a pena falar, são óptimos, mas engordam imenso!



segunda-feira, 3 de maio de 2010

A BELEZA DAS COISAS

A beleza das coisas está no nosso coração.
Está no modo como as vemos, como devolvemos aquilo que recebemos.
Olhar sem ver não serve de nada, porque ficamos presos a uma imagem que apenas reflecte o que se nos apresenta e não o que, intrinsecamente, é.
Para olhar é preciso, também, saber ver.
"...Dizes que olhaste, mas viste mesmo bem? Viste também com os olhos da alma? com o coração? Ou só passaste os olhos? Apenas fizeste um scaning?"
Por isso é importante saber olhar, ver, ler e interpretar. Ter sempre o espírito alerta e aberto a tudo, e extrair a beleza das coisas.
É como na amizade, no amor!

"O Amor é Cego e Vê"
      No homem ou na mulher
       Amor é uma cegueira
       Mas só não vê quem não quer
       E vê sempre a quem o queira.
       Amor é cego e vê, não sei porquê,
       Amor é cego e vê, não sei porquê.
       Deus lhe deu esta graça
       Este poder fatal
       De ver dentro de nós o que se passa
       Como se o peito fosse de cristal.
       Se o Amor nos olha, logo a gente
       Preso na alma o sente
       E escuta a sua voz.
       Mas o que enfim se não entende:
       Aquele a quem se prende
       É quem nos prende a nós
       Amor é viver não sei porquê
       Por mais que feche os olhos pra não ver
       Acabas sempre por me aparecer
       Se o Amor nos olha, logo a gente
       Preso na alma o sente
       E escuta a sua voz.
       Mas o que enfim se não entende:
       Aquele a quem se prende
       É quem nos prende a nós
       Nos prende a nós.


"...O amor é capaz de converter as coisas mais baixas e vis, sem qualquer valor, em coisas dignas e elevadas. O amor não vê com os olhos, mas sim com a alma, e por isso pintaram cego o alado Cupido. Nem o Amor revelou alguma vez discernimento. Cego e alado é emblema da sua imprudente impetuosidade: diz-se que o amor é como uma criança, porque na sua escolha erra frequentemente. Tal como os rapazes traquinas que a brincar negam as suas faltas, assim mente o Amor...." [Shakespeare]



Hoje fico por aqui, podia falar de Bruxelas, mas foi a beleza eterna da Grande Place, agora preenchida por milhares de flores que me fez despertar para a beleza das coisas e o modo como devem ser vistas.