quinta-feira, 22 de abril de 2010

A PERDIZ

A espera foi longa, o fim de tarde ameaçava chuva e mau tempo, o vento fresco fazia-se já sentir mas, de certeza, o jantar iria compensar o desagradável desse tempo de espera.

Os três jipes chegaram e levaram o grupo a um local especial, em plena charneca alentejana, num monte isolado. Um grupo de casas encostadas umas às outras, com as suas chaminés largas a fumegarem, e o sol a começar a desaparecer no horizonte, mas a iluminar a chuva que, ao longe, projectava um arco-íris, enorme, que emoldurava o casario branco do monte.

A porta da casa principal a abrir-se com a chegada dos carros. Dois rafeiros alentejanos, de pêlo branco e creme, e ladrar forte, farejaram o grupo numeroso, mas não o hostilizaram. O anfitrião, de farto bigode branco, acolheu-os de braços abertos, cumprimentando, com satisfação, cada um dos convivas.

Este encontro estava marcado há algum tempo, mas só naquele dia foi possível a sua realização. Uma promessa para comemorar diferentes celebrações, daí a heterogeneidade do grupo - industriais, gestores, agricultores, advogados, médicos - mas todos conhecidos e amigos de longa data.

O motivo era um jantar de caça, um pouco diferente do habitual pela originalidade da ementa, que prometia:
     
     Chamuças de lebre, crepes de alface migada com galinhola e escabeche de codorniz, bem desfiada, suavemente avinagrado.

     Consomé de pombo, das arribas da Costa Vicentina, com toques de hortelã da ribeira.
 
     Perdiz com uvas, preparadas numa espécie de esturgido, confitadas em gordura de porco preto e com sumo de uva tinta. A acompanhar, carpaccio de pão alentejano aquecido no forno e passado, rapidamente, no molho do esturgido, uvas despeladas marinadas em vinho da Madeira, Malvasia, com cravinho e aquecidas,também, no molho da perdiz e, ainda, cebolinhas e batatinhas novas, com casca, assadas em forno de lenha.

     O vinho era um Reserva Alentejano, premiado e guardado especialmente para esta perdiz. Um casamento perfeito!


     A encharcada era a única sobremesa adequada para este fim de refeição.

Jantar magnífico, diferente, apaladado nos sabores, original na apresentação, quase sofisticada, fazendo contraste com ambiente rústico da sala de jantar: uma mesa corrida, comprida, de carvalho, uma lareira acesa na parede do fundo, dois aparadores de apoio e, nas paredes, chocalhos, alfaias, uma cabeça de touro e, meia escondida, mas para que a sorte nunca fuja, uma ferradura já enferrujada de muitos anos. 

Após o repasto, na sala dos troféus de caça, o café, a bagaceira e o fumo de cigarrilhas e charutos, a acinzentar o ar da sala e fazer dissipar os sabores e os aromas da caça acabada de comer. A conversa prolongou-se pelo resto do serão... 

Lá fora, a tempestade a passar por cima, com fortes bátegas de chuva e com uma trovoada bem sonora e relampejada, a querer deixar marca naquela comemoração de amigos...
 

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