Depois de uma suave aterragem na pista das Lajes, na Ilha Terceira, Açores, um pouco como compensação feita pelo comandante do avião da SATA à sacudida viagem desde Ponta Delgada, meti-me num táxi e segui rumo a Angra do Heroísmo, a capital, do outro lado da Ilha. Ia-me encontrar com um grupo de amigos, um dos quais um simpático espanhol, residente em Portugal há muitos anos, possuidor de grandes laranjais na zona de Benavente, a norte de Lisboa.
O táxi era um Mercedes, já antigo, e o seu motorista e dono ficou ao serviço do grupo durante os três dias que passámos na Ilha. Figura simpática, de pronúncia carregada e fechada, típica do falar terceirense, o senhor Hermínio, assim se chamava o homem, cedo se revelou um infindável conversador e contador de histórias. À medida que a conversa se desenrolava, fui adaptando o meu ouvir àquele dialecto difícil de perceber e entender às primeiras vezes.
O senhor Hermínio era um grande defensor da sua Ilha! Para ele era a ilha mais bonita das nove ilhas dos Açores, as paisagens as de maior encanto, o mar o mais azul e o mais rico em peixe, o Algar do Carvão o mais espectacular, e patatí e patapá... e, assim foi, até chegar ao hotel, no centro da cidade.
No outro dia foi a visita à ilha e o "nosso" Hermínio a debitar "... e a cidade da Praia da Vitória, e a bravura dos ilhéus, e a corrida de touros à corda, única em Portugal, e os Impérios do Divino Espírito Santo, os mais bonitos, e as pastagens com as vacas que produzem o melhor leite do mundo, e o queijo flamengo, melhor que o original, e a alcatra comida ao almoço, nos Biscoitos, sem comparação com qualquer outra, e o vinho das curraletas, muito superior aos vinhos do continente... ".
No terceiro dia, a partida para outra Ilha e o fiel e dedicado Hermínio lá nos foi levar ao aeroporto. O trajecto de regresso foi mais o desfiar de uma ladainha de louvores à Ilha e aos terceirenses, sempre melhores que os naturais de São Miguel (japoneses e coriscos) ou os do continente.
Já dentro do aeroporto, com o "check in" feito e as malas despachadas para a Ilha do Faial, o meu amigo espanhol resolveu pôr o nosso Hermínio à prova. Do bolso do casaco tira a carteira, dentro desta retira uma fotografia que mostrava um dos seus laranjais, com as árvores carregadas de laranjas muito grandes, de aspecto suculento e mostra-a ao Hermínio ao mesmo tempo que lhe perguntava: "E vocês têm cá laranjais e laranjas assim como estas?"
Durante 30 longos segundos a verborreia do Hermínio transformou-se num sepulcral silêncio acompanhado de um ar de espanto e surpresa mas, sem demoras de maior, com um sorriso de vitória a aflorar-lhe a face, um brilho estimulante no olhar e o teclado dos dentes a mostrar-se no seu esplendor, num rasgo de génio intelectual e de bairrismo, sai-se com esta frase lapidar: "As nossas são mais doces..."
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