terça-feira, 31 de agosto de 2010

MIGRAÇÕES DE VERÃO E AS OUTRAS

A cidade começou a encher-se, os carros a entupirem as ruas, a preencherem os espaços livres para estacionar, a ocuparem os passeios destinados aos peões.

É a altura do regresso das férias, o retorno do grosso da população, o fim da migração estival.
As aulas vão começar e, com elas, as compras dos cadernos, dos lápis, das canetas, das mochilas, fazem-se as encomendas dos livros e dos manuais,  e volta-se, de novo, ao ter que levantar cedo e  ao cumprir do ritual do ritmo escolar.
O tempo, esse, não quer colaborar... atafulha-nos de calor sufocante, dificulta-nos o caminhar, obriga-nos à procura de sombras, pede mais ingestão de água.
Altura de mudar de ares para quem passou o tempo de verão na cidade quente, mas tranquila, uma cidade de espaços e de pouca gente.

Altura de migrar para o litoral, para junto do mar, das praias mais vazias de gente, de restaurantes com lugar, de noites mais frescas. Altura de passear e de descobrir, de procurar sítios, de encontrar locais.

São as migrações de verão, migrações de lazer, migrações feitas na procura de algum prazer. 

Nada a ver com as migrações dos Gaibéus, dos Avieiros, dos Caramelos ou dos Ratinhos, também de deslocação interna, mas à procura de trabalho,  do pão, da subsistência.

Os Gaibéus eram jornaleiros do Ribatejo e da Beira Baixa que, durante a época das mondas, se deslocavam de forma temporária para as Lezírias do Tejo, regressando às suas terras assim que acabava o trabalho.

Já os Avieiros constituíram uma forma de migração mais permanente para a mesma zona da Lezíria do Tejo e zona do Sado; vinham do litoral, de barco ou de carro de bois, desde Espinho a Vieira de Leiria, fugindo do mau tempo da costa atlântica durante o inverno e, com o correr dos anos, foram-se fixando naquelas terras pois no verão, devido à escassez do peixe pescado pela arte da xávega, também não dava para alimentar as bocas da família. E, assim, se foram deixando ficar na Lezíria do Tejo e no Sado dedicando-se à agricultura e à pesca, muitos vivendo, de início, nos barcos que trouxeram do mar para o rio. 

Depois foram construindo casas e estabelecendo comunidades peculiares.

Estas aldeias avieiras distinguem-se pela construção de habitações palafíticas, edificadas sobre estacas, de modo a que as habitações se mantivessem sempre acima da linha das águas, aquando das cheias.
 
Os Caramelos, também oriundos do litoral, entre Aveiro e Leiria, deslocavam-se para o sul do Tejo, para as zonas de Azeitão, Palmela e Pinhal Novo e foram os responsáveis pela expansão vinícola naquele local. Se de início a migração era sazonal, mais tarde, com a grande quantidade de charnecas e sesmarias, disponíveis para arroteia de conta própria, fixaram-se naquela zona deixando significativas marcas culturais e paisagísticas.

Da Beira Interior partiam, anualmente, milhares de camponeses, rumo aos campos do Ribatejo e do Alentejo para trabalharem na ceifa e na apanha da azeitona e que ficaram conhecidos como Ratinhos.

Com a entrada da década de 60 e com os fenómenos do urbanismo e do sub-urbanismo, este tipo de migrações quase desapareceu e criou uma nova forma de migração para as grandes cidades, principalmente do litoral, criando uma profunda desagregação da ruralidade das populações do interior.

Por isso se vivem os problemas, quase diários, oriundos dos bairros da periferia das grandes cidades, com conflitos económicos, sociais e étnicos a que se junta todo um submundo ligado ao consumo e distribuição de drogas e a todas as formas de criminalidade.


Quem sabe um dia se dará o regresso às origens, à terra dos pais, dos avós, e se volta a trabalhar a terra para o sustento do dia a dia, se plantam couves, se semeiam as batatas, volta a haver criação de animais, garantindo o bem-estar das pessoas, das famílias. Sem miséria como no antigamente, mas com a dignidade que se exige. Acho que já faltou mais...

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