sexta-feira, 5 de novembro de 2010

O QUARTO 502

O voo estava marcado para as 8h00. Queria dizer que tinha de estar no aeroporto pelas 6h00. Foi o que lhe disseram na agência de viagens: duas horas antes da partida.

A fila para o "check in"  já estava longa e só um balcão a funcionar. Odiava aquelas filas, aquelas esperas. Era sempre a mesma ansiedade da partida, uma espécie de nervosismo que o tornava impaciente.

Ainda conseguiu um lugar junto à janela, lá atrás, quase na cauda do avião, mas ia à janela. Gostava de ver o avião a levantar, de ver as casas a ficarem pequeninas e bem lá em baixo, as ruas e estradas a tornarem-se carreiros, linhas, como se olhasse um mapa de estradas. Depois já só via os montes, os rios, as albufeiras e, a partir de uma certa altura, atravessava um acolchoado de nuvens e ficava acima de tudo. O céu azul, forte, luminoso e por baixo aquele colchão das nuvens, brancas, compactas...

A viagem decorreu sem incidentes, adormeceu a sua ansiedade durante quase todo o voo e, na altura da descida, lá se foi quase debruçar sobre a janela disposto a não perder pitada da aterragem. A descida através das nuvens, o aparecimento das cúpulas dos maciços ainda cobertos de neve, depois os carreiros das estradas a engrossarem, os carros a distinguirem-se, os aglomerados de casas, os campos bem tratados, as luzes do aeroporto, o barulho do trem de aterragem a sair, os flaps para cima e o bater no chão, o chiar dos pneus, o barulho do jacto invertido a frenar aquele enorme pássaro metálico, até à paragem junto ao terminal.

Agora o quase percurso inverso ao da partida, a espera das malas, o táxi para o hotel, de novo o check in, agora mais tranquilo, para receber a chave do quarto.

Número 502, com vista para o mar, um quarto amplo, luminoso, e uma varanda que prometia tranquilidade.

A cama larga e macia pedia um descanso e ele que andava bem cansado, a semana de intenso trabalho, a preparação para a apresentação do trabalho de logo à noite. 

Deitou-se um pouco, só um passar pelas brasas, disse-o para consigo mesmo, depois um banho, o vestir do fato, gravata e o ir para a conferência apresentar o trabalho da sua vida, a sua promoção e a subida a um lugar de importância na empresa.

Assim fez, deitou-se um pouco, deixou os olhos fecharem-se e adormeceu, profunda e longamente... acordou passava do meio dia.  Estremunhado, confundido com a luz forte do dia e, de repente, deu-se conta das horas, da conferência, do trabalho que não apresentou... Levantou-se a correr para a casa de banho. Tinha de arranjar uma desculpa...

Debaixo da porta do quarto já tinha uma carta... da empresa, curta, a rescindir o contrato.

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