sexta-feira, 9 de julho de 2010

DAR O NÓ

Faltavam cinco minutos e ele ainda não tinha colocado a gravata; não sabia fazer o nó. Tinha que passar a parte mais larga por cima da mais estreita, dar uma volta por trás, depois passar para a frente e meter a ponta no espaço entre as duas partes e ajustar. Foi assim que o Carlos lhe tinha ensinado pelo telefone.
Já nem se lembrava de quando colocara uma gravata ao pescoço pela última vez. Detestava andar de corda ao pescoço  mas hoje tinha que ser. Era o padrinho!
O Baptizado na Igreja de São João Baptista era daqui a pouco e não podia aparecer, sem gravata. Ia ser o padrinho, ele  e a Irene, amigos de longa data, os quatro: ele, a Irene, a Lena e o Zé. Um percurso de vida quase feito em comum: colegas de liceu, depois de Faculdade, companheiros de estudo e, com o curso terminado, ele seguiu  para Cabo Verde, agarrar e reabilitar os negócios que a família tinha por lá. Duas gerações com a mesma firma e ele tinha que lhe dar continuação.
Voltou para o casamento da Lena e do Zé; a Irene fora a madrinha da noiva e ele o padrinho do noivo.
Nessa altura foi o noivo, à porta da Igreja, que o tinha ajudado a fazer o nó da gravata.
Mas hoje não ia dar tempo. Estava na hora de ir para a cerimónia, e ele que nunca chegava atrasado....
Não tinha solução se não ir com a gravata na mão e pedir a alguém que o ajudasse.
Chamou o táxi e lá foi; o motorista sabia onde era a Igreja, perdida no meio de uma estrada de terra batida, local de romarias na altura das festas Joaninas, que não tinham sido há muito tempo. À medida que se ia aproximando ia vendo, nas bermas do caminho, os restos da festa ao santo.
O terreiro já estava cheio de carros e de pessoas. O João e a mulher - Teresa? já não se lembrava bem do nome dela -, ali o Zé Carlos, o Rodrigo, a Cáti e o marido, mais um grupo onde não reconhecia ninguém, ao longe a Sassá e o Tó Zé,  a Patrícia - ao tempo que não via - e muitos miúdos correndo à volta daquelas pernas adultas. Esperavam pela chegada do seu afilhado e dos pais.
Dispensou o táxi, com a certeza de que alguém lhe havia de dar boleia no fim da cerimónia, até casa do Zé e da Lena.
Disfarçadamente resolve pedir ao Rodrigo para lhe ensinar a fazer o nó. Que não sabia, fora a Irene que lho tinha feito.
Já veio? Onde está?
A sacristia, o local mais apropriado, naquele ermo feito Igreja e uma espécie de coreto que acolhia a banda na altura das festas anuais de São João. A Irene a tratar duns papéis. O abraço longo de saudade, o beijo de imensa amizade, o deixar a mão na mão dela...
Fazes-me o nó? Que sim, até era capaz de o dar contigo.
A mão vazia, o bolso sem gravata, esquecida em casa ou no banco do táxi? Agora não tinha remédio.
Que fazer? A fita! Aquela do andor do Santo, vermelha, dá-se um jeito.
Vamos dar nó? Sim, há muito que o queria dar contigo.
Eu também, então vamos...
 

1 comentário:

Anónimo disse...

" AMAR É A ETERNA INOCÊNCIA,
E A ÚNICA INOCÊNCIA NÃO PENSAR..."

ALberto Caeiro