terça-feira, 20 de julho de 2010

SOLTAR AS AMARRAS

O vento fresco da madrugada vindo de leste era sinal de calor durante o dia, a previsão apontava para um dia tórrido, e o barco, na sua rota pré-traçada com o piloto automático a funcionar, lá ia balançando nas ondas de um través pouco pronunciado. 
Sentara-se à ré olhando o mar à sua volta na procura de uma luz, de embarcações de pesca ou de grandes navios, não fosse haver uma colisão. A lua, de quarto crescente, não dava ainda luz suficiente para se distinguirem os barcos que, eventualmente, estivessem à sua frente ou muito por perto. Por isso a sua atenção às luzes: a de bombordo era a vermelha, a de estibordo a verde.
A sua hora já tinha passado e o seu substituto ainda não tinha vindo rendê-lo. Também não tinha importância, não tinha sono, gostava de estar ali e a música do Ipod era boa. A noite não lhe permitia a leitura de Moby Dick, que já lera umas três vezes na sua juventude. Agora queria sentir a emoção da leitura no meio do mar, de um livro passado no mar, e relembrar as passagens emocionantes da caça à baleia e da vida a bordo de um baleeiro.
Estivera o ano passado nos Açores fora ao Museu da Baleia, na ilha do Pico, e participou num passeio no mar para ver as baleias. Tirara muitas fotografias, as que mais gostava eram as do esguicho de água quando emergiam e as da cauda a dizer adeus, quando mergulhavam em profundidade. 
Naquela altura ocorreu-lhe a ideia de que uma baleia pudesse andar por perto, sem luzes e sem sirene. Agora, para além dos olhos bem abertos, precisava de ter as orelhas atentas e o ouvido bem apurado. Tirou os auscultadores e preparou-se para ouvir o ruído surdo e borrifento do bafo e os gemidos e gritos das baleias, nada diferentes dos que ouvia todas as noites na RFM, na abertura do Oceano Pacífico.
Sem a música e com os ouvidos atentos, deixou fechar os olhos quase de uma forma automática. E rapidamente se entregou nos braços do Morfeu. Trinta segundos, dez minutos? 
A luz incidiu-lhe nos olhos de forma insistente, nem vermelha nem verde, uma luz branca, intensa que o despertou meio assustado. O sol batia-lhe na cara, o barco navegava tranquilo, os companheiros de viagem dormiam, o substituto não aparecera, o mar, ao longe, deixava adivinhar um ou outro barco, sem que houvesse qualquer perigo de colisão.
Esfregou os olhos, bebeu um gole de água da garrafa que tinha a seu lado e, tranquilamente, abriu o livro na página 37 dando continuação à leitura emocionante do livro de Herman Melville.

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