quinta-feira, 29 de setembro de 2011

A FALAR COM OS SEUS BOTÕES

Gostava muito de falar com os seus botões.

E o tipo da conversa com os botões variava em função do número, do tipo e da qualidade desses mesmos botões.

E tinha botões de plástico ordinário, feitos na China, tinha outros de massa, de tamanho grande e de cores variadas, tinha outros, ainda, de metal, mais pesados e de brilho fácil e, no topo da melhor categoria de botões, tinha os de madrepérola, de brilho nacarado, irisdiscentes nos reflexos, uns botões de classe, apropriados para uma soirée elegante.

Adaptava, assim, a conversa ao tipo de botão. Se estava com os de madrepérola, por exemplo, a conversa que tinha com eles era uma conversa culta, letrada, ilustre... Só se atrevia falar de Sophia ou citar alguns dos seus poemas ou versos, quando vestia alguma coisa com botões de madrepérola.

Nunca falou com os seus botões de plástico, dos tais chineses e ordinários, sobre Camões ou sobre Pessoa... Com estes botões as conversas que tinha eram do tipo de mexericos, de problemas de canos entupidos, ou de limpezas ou, ainda, de osgas que se passeiam pelas paredes da sala de jantar.

Com os botões de massa, a conversa era sobre as coisas do dia a dia, do trabalho, das compras do supermercado, da receita do bolo de chocolate... e, com estes, a conversa variava consoante as cores dos botões: com os botões vermelhos, por exemplo, só falava de impostos, das contas do banco que andavam sempre a zero ou dos pagamentos que tinha que fazer.

Com os botões de metal, porque lhe faziam lembrar a tropa e a disciplina, só falava sobre assuntos sérios, sobre a legislação, sobre os raspanetes que tinha de dar aos filhos...

Arranjou uma caixa grande, com divisões, onde tinha, separados, os diferentes botões, por tamanhos e por cores.



Assim, sempre que lhe apetecia falar sobre um determinado assunto, ia à caixa, escolhia o ou os botões apropriados e começava a conversa.

No outro dia, parecia que a conversa não tinha mais fim. É que tinha deixado cair a caixa dos botões ao chão e ali andava ela, ajoelhada, a apanhar cada botão e, a cada um que encontrava, lá ia dando dois dedos de prosa, apropriada ao tipo de botão, claro!


2 comentários:

Anónimo disse...

Fartei-me de rir. Quanta discriminação!! Até fiquei com pena de não ter tanta diversidade de botões...
Beijos e tenha um bom dia
Berta

Anónimo disse...

E eu, cá com meus botões, fico a pensar: que texto criativo!

Beijinhos, lola