segunda-feira, 19 de setembro de 2011

BRINQUEDO NOVO

Entrou pelo gabinete de consulta com um sorriso nos lábios. 

Entrou com a mulher, gorda e bem anafada, e um atrelado de rodinhas com o seu novo concentrador de oxigénio.

Viu-se que vinham, os dois, com ar de satisfação, com um sorrir de vitória! E não era para menos: ele, um insuficiente respiratório grave, de lábios mais azuis que rosados, de unhas quase eternamente cianosadas, de dedos de extremidades espessas, como se fossem baquetas de tambor, de falas entrecortadas pelo cansaço, desta vez entrou mais ágil, sem a matiz azulada da sua pele, mas com um rosa subtil a colori-lo, sem arfar mas a falar, a apontar o seu novo aparelho que o ajudava a respirar melhor, a ter mais qualidade no viver.

E falou do como se sentiu mais ágil, do como as unhas já não eram mais azuis, do como os dedos afinaram, do como já ia do quarto de dormir à sala sem se cansar, do como já podia sair à rua, do como já era capaz de pegar na neta ao colo sem perder a força nos braços...

E falou sem pausas, sem arfares, sem cianoses, sem cansaços, ignorando, quase, a doença, esquecendo os sintomas, minimizando as queixas.

Como se fosse uma criança entusiasmada com o seu brinquedo novo...

1 comentário:

Anónimo disse...

É arrepiante pensar que há pessoas que sofrem tanto. Num mundo onde só contam os números, comove pensar nas pessoas!

Beijos
Berta