domingo, 7 de março de 2010

SILÊNCIO DE OLHARES

O dia era de Festa! O terreiro, enorme, estava repleto de pessoas. Ele, menino de uns 6 anos, não sabia qual era o Santo da festa, mas devia ser importante: tinham-lhe vestido um fato à homem, com uma comprida gravata às riscas e um chapéu de feltro que devia ter sido do avô. Apesar de assim vestido continuava a ser o mesmo menino de cabeleira farta e olhos, grandes, de cor verde-mar. Por isso, quando o homem dos balões passou junto a ele, os olhos arregalaram-se e não hesitou em pedir ao padrinho, o tio Manuel, que lhe oferecesse um daqueles balões coloridos que, atados no alto de uma cana, baloiçavam ao sabor do vento. A boa disposição do padrinho - sempre era dia de festa!- traduziu-se na oferta de dois balões grandes e vermelhos. E por ali ficou a brincar, a atirar os balões ao ar, o mais alto possível. A brisa suave daquele fim de tarde ia-os empurrando na direcção do sol que, àquela hora, começava a espreguiçar-se e a preparar-se para dar lugar à lua quase cheia que começava a nascer do outro lado.
Num certo momento apercebeu-se que uma menina o olhava fixamente. Também estava vestida à gente grande: um casaco comprido e um lenço de cores garridas, ao pescoço; de certeza que o chapéu também tinha sido da avó dela! Aquelas flores vermelhas, colocadas sobre a aba, davam a cor que sobressaía da palidez do seu rosto.
Foram-se aproximando lentamente um do outro. O olhar dele fixava os olhos dela e reparou que o olhar daquela menina saltitava entre o seu olhar e aqueles balões vermelhos, que ele, agora, segurava firmemente na mão. Não houve troca de palavras.
Instintivamente, ele pegou na mão da menina e colocou nela o cordel que prendia uma daquelas bolas vermelhas, da mesma cor do sol que agora começava a desaparecer.
Ficaram quietos, a olhar um para o outro, calados por um silêncio talvez cheio de dizeres. Os olhares sorriram e, sem qualquer palavra, os lábios pálidos da menina selaram, com um beijo, o silêncio daquele olhar.

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