segunda-feira, 29 de março de 2010

DA MINHA JANELA

 

Estou aqui, no Hospital, no meu gabinete de consulta.

O gabinete tem uma janela que dá para as traseiras do edifício e, dessa janela vejo as traseiras dos outros prédios, antigos a maior parte. São daqueles edifícios ainda com varandas, escadas e estendais de roupa, tudo em ferro pintado
Um prédio, o mais antigo, tem uma escada de emergência em caracol e outros três prédios, da correnteza, têm as escadas em zigue-zague.
Mesmo de frente para a janela, do outro lado, são as traseiras de um hotel abandonado. Edifício sem história, sem arquitectura marcante e sem ninguém lá dentro.
O espaço das traseiras é enorme e é bem aproveitado. Tem três casinhotas com telhados de lusalite, tem, também,  árvores de fruto: uma  nespereira a florir, um limoeiro carregadinho de limões, uma ameixoeira atapetada de flores brancas, que mais parecem flocos de neve gigantes e uma laranjeira que faz lembrar uma árvore de Natal cheia de bolas cor de laranja. No meio deste pequeno bosque de frutíferas, sobressai uma enorme roseira, de rosas amarelas, lindas! 
E tem gatos, tem melros, tem pombos e pardais; acontece aparecerem, por ali, um ou dois bandos de mulatas, aquela espécie de papagaios todos verdes e de bico preto, vindas não se sabe de onde. Uma vez por outra recebe, também, a visita de gaivotas, daquelas que sobrevoam a cidade à procura de alimento nos caixotes do lixo.
E  tem, também, uma antena parabólica enorme, a olhar o céu.
E hoje tinha, ainda, uma senhora loura, à janela, a estender roupa. É que hoje é segunda feira, dia de grandes lavagens, pelos vistos, e a roupa estendida é muita, naqueles estendais de ferro e arame, principalmente roupa de cama, lençóis e fronhas, e toalhas de banho; também há muitos panos de cozinha pendurados, multicolores, como se fossem bandeiras de coloridos países.
As varandas estão cheias de muitos vasos. Mas poucos são os que têm flores, pois ainda não é o tempo.
Depois há aquela vizinha que, sempre à hora certa das 11, atira para cima dos telhados de lusalite daquelas casinhotas, pedaços de pão velho para os pássaros, enquanto outra cuida da água e da ração dos gatos, meio vadios, que por ali andam e que, neste momento, aproveitam o raro sol que nos tem visitado e se deixam ficar quietos, mas atentos, quais lagartos, a aquecer-se bem enroscados.
Muitas vezes fico ali, a olhar a vida daquele ecossistema urbano, mas nunca é por muito tempo. É que, quando dou por ela, já tenho sentada na cadeira do paciente, a impaciente dona Julieta que, do alto dos seus 85 anos, dá um tossir mais forte, a marcar presença.

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