A máquina fotográfica estava preparada e as cegonhas, naquele fim de dia, também se preparavam para o anoitecer.
O dia tinha sido bom; os campos, de um verde luminoso depois daquela chuva persistente, constituíam um bom manancial de alimentos vivos: sapos, lagartixas, minhocas, ratos... e o papo estava cheio, consolado.
Tinha começado a época do acasalamento e da reprodução. Em cima do ninho, por ambos construído há já alguns anos, deram início à parada nupcial, feita de rituais próprios, com bateres dos bicos compridos, produzindo aquele som repetido e seco, como castanholas, com as cabeças a inclinarem-se acentuadamente para trás, numa dança complexa feita a dois. Os ramos arranjados e entrelaçados de novo, deixaram o ninho pronto a receber os ovos que irão assegurar o continuar da espécie.
O casal tinha chegado há uma semana: a viagem tinha sido longa, depois do inverno passado a sul do deserto do Saara, alguns milhares de quilómetros de voo feito, cada ano, nos dois sentidos e sempre para este mesmo local. Um sítio ermo, no cimo de uma chaminé em ruínas e suficientemente elevada para que, de lá, se tenha uma boa visão que assegure a procura da comida e a defesa de alguns inimigos tradicionais.
O sol começava a baixar no horizonte, hora boa para uma boa fotografia, a luz coada pela neblina do fim do dia atenuava as cores fortes e amaciava os tons contrastantes.
O casal, lá no cimo, continuava o seu ritual de namoro. O enquadramento estava perfeito, o silêncio daquele fim de tarde era o cúmplice que completava este cenário.
No momento do disparo, o ruído de um galope surdo acompanhado de um ladrar forte e rouco atrapalhou a fotografia, as cegonhas interromperam o namoro e, num bater forte de asas, planaram para longe. O rafeiro alentejano aproximou-se, agora com um ladrar mais feroz e a mostrar uns dentes agressivos prontos a rasgar. Felizmente o arame farpado estabeleceu a fronteira da minha segurança.
A foto, essa, fica para a próxima vez!
(DO AUTOR - MOMENTO DE TERNURA - PORTALEGRE) |
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