quinta-feira, 3 de novembro de 2011

SOPA DE LEGUMES

Meteu a mão no bolso e apenas encontrou uma moeda de cinquenta cêntimos.

Dava para uma sopinha de legumes, uma sopa servida numa malga funda, cheirosa, uma sopa feita de couve, cenoura, alho francês e grão.


Mas só tinha aquela moeda. Era o único dinheiro que possuía.

Nunca lhe tinha faltado nada, ganhava bem, gastava o que ganhava mas agora, agora que perdera o emprego, agora que tinha esgotado as parcas economias a pagar compromissos e dívidas acumuladas, agora, hoje, neste dia, deu-se conta que não tinha um tostão no bolso, apenas os cinquenta cêntimos que chegavam, à justa, para comer aquela sopinha de legumes que, só de olhar, só de lhe sentir o cheiro, lhe apertava ainda mais o vazio do estômago.

O dinheiro do fundo do desemprego só o iria receber amanhã. Faltava um dia, mas a fome não se compadecia. A fome era de hoje, não de amanhã.

E ele só com aqueles cinquenta cêntimos para a satisfazer.

E nem valia a pena pensar em pedir fiado, é que mesmo à entrada da tasca, tinha um aviso feito de letras bem gordas: "FIADO SÓ AMANHÃ!" E lá dentro, para que não restassem mais dúvidas, mesmo por cima do balcão, mesmo por cima da cabeça do patrão, um respeitável Zé Povinho no seu gesto característico, no seu manguito bem português, com outro lembrete suficientemente esclarecedor: "QUERES FIADO? TOMA!"

Não se atreveria a pedir o tal fiado e não tinha outro remédio se não gastar os últimos cinquenta cêntimos na sopinha.

E, enquanto se decidia, foi ficando por ali, naquele dilema, encostado à parede daquele prédio antigo, até que não resistiu. Entrou na tasca, sentou-se ao balcão e pediu a sopa, "quentinha, por favor!".


E, enquanto ia saboreando aquele quentinho bom, enquanto mastigava cada grão, um a um, para fazer render aquela sopa boa, dizia de si para si que, afinal, eram só cinquenta cêntimos, quase nada, uma moeda que não valia mesmo nem uma colher daquela sopa deliciosa que estava comendo. 


Quando acabou, pediu um copo de água, bebeu um gole e deixou, junto à malga da sopa acabada de comer, a reluzente moeda de cinquenta cêntimos.


Desta vez, nem um cêntimo de gorjeta deixou!





1 comentário:

Anónimo disse...

Infelizmente, não é ficção. É uma realidade cada vez mais constante e dolorosa...
Beijos
Berta