Tinha saído do estacionamento. Um parque subterrâneo que, àquela hora despertina, ainda se encontrava quase na escuridão: apenas as luzes de segurança iluminavam, de forma ténue, aquele espaço com três pisos abaixo do solo.
Cá fora, o dia bem ensolarado, deixou-o quase sem visão assim que começou a subir as escadas de saída, tal a intensidade da luz, daquela manhã de Junho.
O caminho até ao local de trabalho era curto, talvez uns trezentos metros, agora de avenida nova, passeios largos e mesmo pista para ciclistas. Tudo limpo e arranjado, com espaços ajardinados de relva bem aparada e canteiros com flores coloridas.
Pouca gente na rua, àquela hora matinal - um ou outro cidadão a correr na pista deserta dos ciclistas, três apressados, de pasta na mão, a dirigirem-se para a boca do Metro - e os cafés a abrirem as portas, já preparados para servirem as bicas e as sanduiches dos pequenos almoços não tomados em casa.
Lá estava ela, sentada no banco em frente à agência bancária, com o cão rafeirote e um monte de sacos a seu lado, com o seu olhar doce de sempre. Cumprimentaram-se com os bons dias do costume.
Já se conhecem dali há algum tempo, já conversaram várias vezes e ela já lhe contou das suas amarguras e da tristeza da sua vida... uma vida que já viveu bem mas que, agora, pelas voltas que a vida dá, a atirou para aquele banco. Não pede, não implora, apenas olha para as pessoas e o seu olhar doce e triste, deixa adivinhar a vida amarga que a persegue.
Ela já sabe que, daqui a nada, pode ir ao "Jardim da Avenida", ali ao lado, tomar o seu café com leite, comer o seu pão com queijo flamengo e levar, no saco de plástico, as sobras dos salgados da véspera.
Foi assim que ele combinou com o dono daquele café e foi a maneira suave que ele arranjou de a ajudar a mitigar a fome escondida.
2 comentários:
Bom apontamento sobre vidas paralelas.
Vidas que nos envergonham.
Beijos
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