sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

PEIXE ASSADO

Foi num jantar de diplomatas. Ele tinha ajudado o embaixador numas questões de heranças e de terrenos de família e este achou, por bem, convidá-lo para um jantar de Reis que ia oferecer a alguns diplomatas e banqueiros.

O convite era bem explícito: o Senhor Embaixador tem a honra de convidar V. Ex.ª para o jantar a realizar-se no dia 6 de Janeiro, dia de Reis, na sua residência no 202 da Avenue de la Poissonerie, Paris, junto à Place des Voges. Um número de porta que lhe trazia reminiscências dum outro jantar, num outro 202, com outros personagens, estes de ficção.

A festa elegantíssima, com a fina flor da diplomacia, vestidos compridos, decotes a condizer, muito fumo de charutos havanos, champagne a escorrer nas flutes e os criados de libré a passarem, o caviar Beluga, os salgados de lagosta, o foie-gras e o Sauterne, o queijo derretido com nozes e mel, numa ostentação de fazer corar a crise e as restrições... Dissera-lhe, o Embaixador, em tom quase confidencial, que era preciso apaparicar bem aqueles diplomatas e  banqueiros pois eles é que influenciavam a economia e as tendências da política empresarial...

A mesa, imensamente comprida, decorada com candelabros de doze braços, com velas imaculadamente brancas, aguardava que os convidados se sentassem e fosse servido o consomé de bisque d'hommard. O Embaixador, ao fazer o brinde de boas vindas, de bom ano novo, anunciou que o rei do jantar, ou não fosse dia de Reis, era um peixe preciosíssimo, peixe raro, pescado na Dalmácia, um peixe enorme que era capaz de satisfazer o apetite daqueles trinta convidados especiais. É que o peixe não tinha tamanho para mais bocas, gracejou.

A travessa, transportada por dois criados, deu a volta à mesa para que o peixe, descomunal, pudesse ser apreciado por todos e, depois, colocado numa mesa à parte a fim de ser servido já no prato. E foi depois de dada a volta à mesa que o empregado da frente tropeça na franja da carpete, ainda se tenta segurar nas costas da cadeira da embaixatriz do Japão, sem sucesso, e se estatela, ele, a travessa com o peixe e o outro empregado que, desapoiado, se desequilibrou também... um imenso oh oh oh de lamentos, uma grande inquietação e um profundo pedido de desculpas do Embaixador.

Entrou-se no prato de carne, um roast-beef com batatinhas mousseline e confit de champigons.

Um resto de jantar sem outra história a não ser a quase repetição do episódio em casa de Jacinto no 202 dos Campos Elísios...

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