quarta-feira, 30 de maio de 2012

AMEI-TE E POR TE AMAR


(do autor)

"Amei-te e por te amar
Só a ti eu não via…
Eras o céu e o mar,
Eras a noite e o dia…
Só quando te perdi
É que eu te conheci… 



Quando te tinha diante
Do meu olhar submerso
Não eras minha amante…
Eras o Universo…
Agora que te não tenho,
És só do teu tamanho. 



Estavas-me longe na alma,
Por isso eu não te via…
Presença em mim tão calma,
Que eu a não sentia.
Só quando meu ser te perdeu
Vi que não eras eu. 



Não sei o que eras. Creio
Que o meu modo de olhar,
Meu sentir meu anseio
Meu jeito de pensar…
Eras minha alma, fora
Do Lugar e da Hora… 



Hoje eu busco-te e choro
Por te poder achar
Não sequer te memoro
Como te tive a amar…
Nem foste um sonho meu…
Porque te choro eu? 



Não sei… Perdi-te, e és hoje
Real no [...] real…
Como a hora que foge,
Foges e tudo é igual
A si-próprio e é tão triste
O que vejo que existe. 



Em que és [...] fictício,
Em que tempo parado
Foste o (…) cilício
Que quando em fé fechado
Não sentia e hoje sinto
Que acordo e não me minto… 



[...] tuas mãos, contudo,
Sinto nas minhas mãos,
Nosso olhar fixo e mudo
Quantos momentos vãos
Pra além de nós viveu
Nem nosso, teu ou meu… 



Quantas vezes sentimos
Alma nosso contacto
Quantas vezes seguimos
Pelo caminho abstracto
Que vai entre alma e alma…
Horas de inquieta calma! 



E hoje pergunto em mim
Quem foi que amei, beijei
Com quem perdi o fim
Aos sonhos que sonhei…
Procuro-te e nem vejo
O meu próprio desejo… 



Que foi real em nós?
Que houve em nós de sonho?
De que Nós fomos de que voz
O duplo eco risonho
Que unidade tivemos?
O que foi que perdemos? 



Nós não sonhamos. Eras
Real e eu era real.
Tuas mãos - tão sinceras…
Meu gesto - tão leal…
Tu e eu lado a lado…
Isto… e isto acabado… 



Como houve em nós amor
E deixou de o haver?
Sei que hoje é vaga dor
O que era então prazer…
Mas não sei que passou
Por nós e acordou… 



Amamo-nos deveras?
Amamo-nos ainda?
Se penso vejo que eras
A mesma que és… E finda
Tudo o que foi o amor;
Assim quase sem dor. 



Sem dor… Um pasmo vago
De ter havido amar…
Quase que me embriago
De mal poder pensar…
O que mudou e onde?
O que é que em nós se esconde?



Talvez sintas como eu
E não saibas senti-o…
Ser é ser nosso véu
Amar é encobri-o,
Hoje que te deixei
É que sei que te amei… 



Somos a nossa bruma…
É pra dentro que vemos…
Caem-nos uma a uma
As compreensões que temos
E ficamos no frio
Do Universo vazio… 



Que importa? Se o que foi
Entre nós foi amor,
Se por te amar me dói
Já não te amar, e a dor
Tem um íntimo sentido,
Nada será perdido…



E além de nós, no Agora
Que não nos tem por véus
Viveremos a Hora
Virados para Deus
E n’um (…) mudo
Compreenderemos tudo."


Fernando Pessoa 




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1 comentário:

Anónimo disse...

Lindo! Obrigada pelo envio. A foto também está muito bela. Beijinhos, lola