sexta-feira, 13 de janeiro de 2012

O FOLE

Desta vez estava mesmo frio! Um frio que se entranhava pela carne e se depositava nos ossos, sentindo-os como se fossem paus de gelo. E não havia camisas de flanela, camisolas grossas e casacos forrados que a aquecessem daquele frio intenso.

Quando se chegou à janela da sala deu conta que o terreno, que sempre o vira verde e cheio de flores, se transformara num campo de gelo branco rabiscado, aqui e ali, por manchas de verde e um ou outro amarelo ou vermelho das poucas flores que souberam resistir ao frio do inverno soalheiro.

Também reparou que o tanque dos peixes, que ficava mesmo por baixo da janela, estava coberto por uma capa de gelo que os isolava do exterior, como se tivesse transformado num aquário com paredes de pedra e tampo de vidro. E os movimentos lentos e restritos daqueles peixinhos vermelhos davam bem ideia do frio que estava, também, naquela água parada.

A casa era imensa e estava desabitada há bastante tempo, uma casa de grandes divisões, de janelas enormes e tectos altos, e que nunca iria aquecer o suficiente durante o curto tempo que ali estivesse. Mas tinha que fazer o inventário dos bens de família antes que se iniciassem as partilhas. Coubera-lhe essa tarefa! O único aquecimento que encontrou guardou-o para o quarto onde iria dormir naquela noite. A lareira, naquele recanto do salão de aspecto acolhedor, estava vazia de lenha a contrastar com as paredes forradas de prateleiras, ainda cheias de livros, sem espaço para caber mais um.

Decidiu que iria ficar a trabalhar ali, no recanto, onde a mesa quadrada de tampo verde, que serviu de mesa de jogos de carta antigamente, lhe ia servir de base de apoio para a sua tarefa. Mas tinha que encontrar uma mão cheia de lenha para fazer um lume que lhe desse algum calor, enquanto ali estivesse, sentada, no seu trabalho de inventariação.

Foi na casa das arrumações do material do jardim que encontrou um cesto com paus de lenha velha, coberta de musgo e humidade. Dispôs os paus, da melhor maneira que sabia, no meio do chão de tijolo refractário da lareira, juntou uns jornais velhos, que tinham ficado esquecidos em cima da mesa, esperando, agora, que os fósforos, que descobrira na cozinha, ainda estivessem capazes de acender. Após duas tentativas, lá incendiou os jornais que proporcionaram uma chama forte mas incapaz de pegar fogo àquela madeira cheia de humidade.


Ainda bem que ainda ali estava o velho fole, pendurado no prego ao lado da lareira, que fez soprar, com força e determinação, o ar capaz de iniciar, com muito fumo à mistura, o processo de combustão daquela madeira recalcitrante.




E, a pouco e pouco, a chama foi ganhando forma e volume, enchendo aquele canto de calor e de conforto, devolvendo um pouco de cor e ânimo àquela casa, onde a vida parecia já ter terminado há muito.


1 comentário:

Anónimo disse...

Às vezes, apecia-me ter um fole para dar força à minha vida.

Beijos
Berta