segunda-feira, 10 de outubro de 2011

CHARUTO

Abriu a gaveta e, ao dar com ele, sorriu satisfeito.

Ali estava, dentro de um cilindro metálico, de alumínio, bem fechado por uma tampa de rosca, estanque, para que mantivesse, ao longo do tempo, a humidade necessária para ser bem apreciado.


Pegou naquele tubo comprido, rolou-o entre os dedos, fez o gesto de quem pega num charuto e colocou-o na boca, entre os lábios, como se estivesse fumando.

E ficou-se, assim, naquele rolar entre os dedos, naquele imitar de gestos tantas vezes feitos, naquele imaginar de fumar, naquela hesitação de abrir a tampa, de tirar de dentro o "puro", de sentir o aroma único, de o cheirar da "cabeça ao rabo"...

Mas não,  não queria fumar, não queria voltar ao vício que, faz tempo, abandonou, não queria tornar-se dependente de novo.

Mas, desta vez... porque não só desta vez? 

E imaginava o fumo a soltar-se em espirais, a sair da boca em anéis que se iam alargando à medida que se afastavam de si, quase  sentia os sabores e os aromas únicos daquele fumo... a pouco e pouco a tampa foi sendo desenroscada, entre cada meia volta uma paragem, uma hesitação breve, e mais meia volta até que a tampa se soltou. Um inclinar do cilindro para baixo e ei-lo a escorregar suavemente na sua mão esquerda, a ser acariciado pelos seus dedos, a ser tocado com delicadeza, como quem pega numa criança acabada de nascer... quase com medo de lhe tocar, com receio de amachucar aquela pele delicada, quase um temor...

Iria ter coragem de o acender? Iria transformar em fumo aquele rolo de folhas secas, cheirosas, que estremeciam e crepitavam ligeiramente quando o rolava entre os seus dedos?

Depois de mais uma passagem por baixo das narinas, depois de ser lentamente cheirado, depois de muitos fechares de olhos  saudosos, de muitos rolares entre os dedos, voltou a colocá-lo no tubo metálico, apertou-lhe a tampa com energia e convicção e voltou a pô-lo na gaveta onde o encontrara...

Fechou a gaveta com um sorriso de satisfação.


4 comentários:

Anónimo disse...

Obrigada pelo envio de seu belo texto que mostra sua sensibilidade em encontrar num simples e mecânico gesto significados dramáticos e literários.

Beijinhos, lola

Anónimo disse...

Raul, continua. São momentos de relaxe e de uma boa distração, bem escritos e com oportunidade.
Toni Ramalho de Almeida.

Anónimo disse...

Quase roça a volúpia. Quase uma mulher - EU - deseja ser charuto e, não fumada, mas gozada e saboreada nessa partilha perfeita. Amar!

Beijos
Berta

Anónimo disse...

Gostei do texto,uma chamada de atenção ao perigo deste vicio,que infelizmente mata tanta gente.Um texto,bem pensado,e muito sentido...!
Beijo