quinta-feira, 6 de outubro de 2011

MUNICIADA

Começou a preocupar-se ao ver as notícias nos jornais atrasados que ia lendo, cada vez que ia à vila para vender os produtos da horta ou quando se proporcionava a ocasião para ir cortar o cabelo, e, também, ao espreitar as imagens assustadoras na televisão do café, daquilo que se tinha passado em Londres, e do que ia acontecendo lá na Grécia e no norte de África...

A sua casa era pequena e pobre, os seus bens escassos, mas o espaço era o seu, tinha-o pago com muito trabalho, com muitos anos de sacrifício; aquele lugar, aquela casa com a horta pegada, donde tirava o seu alimento e o seu sustento. 

Não ia deixar que aqueles encapuçados, de matracas, de paus e com pedras nas mãos, lhe partissem os vidros, rebentassem a porta ou as janelas, como viu fazerem com as montras das lojas naquelas cidades.


Quase deixou de dormir a pensar naquilo e no que lhe poderia acontecer. Passou a manter-se alerta, como o seu cão, o "Maroto", de orelha levantada e  olho bem aberto.

E, por via das dúvidas, resolveu municiar-se... Arranjou um carrinho de mão cheio de pedras, das da estrada quase abandonada que leva ao apeadeiro do comboio e que já não existe e, em cada parapeito das janelas, colocou a munição a jeito, guardou mais um monte de pedras, lá nas traseiras, e agora, eles que venham!

Arma para disparar não tinha, a forquilha seria sempre o último recurso, mas aquelas pedras, bem atiradas, ele que ainda tinha força nos braços, aliadas a uma boa pontaria, iam fazer mossa.

Até passou a dormir mais descansado, já não precisava de estar tão alerta, começou a acordar mais bem disposto e com mais coragem para ir tratar da horta e dar de comer aos coelhos e às galinhas. 

(Foto do autor - Alentejo - Novembro de 2006)
A verdade é que não era provável que aquela malandragem lá aparecesse. Aquilo era só lá fora, nas estranjas, mas quer aparecessem, quer não, já estava com a casa bem municiada.

Lembra-se bem do seu pai sempre lhe dizer, era ele um miúdo: "homem prevenido vale por três, porque por dois é só lá, nas cidades... e aqui, no campo, sempre temos a ajuda de um cão que ladra e de um burro que zurra".


1 comentário:

Anónimo disse...

Obrigada pelo sorriso que me provocou. Sempre me emociona a doçura simples das pessoas autênticas.
Beijos
Berta