terça-feira, 23 de abril de 2013

O JARRO E A POESIA



"O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.

O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.

O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.

Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.

Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.

Então o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.

Mas o pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.

A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.

E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.

E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.

O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto, 
e o poema ficou feito."

Nuno Júdice, A Matéria do Poema - 2008



(DO AUTOR - JARRO SILVESTRE, DA ESPÉCIE ARUM  maculatum, A NASCER DA TERRA, NA QUINTA DA PROSA)


1 comentário:

Anónimo disse...

O Nuno Júdice é um poeta soberbo.Para mim,claro.
Ivone Oliveira