sábado, 11 de agosto de 2012

A GARÇA

Tinha estado ali, quase toda a manhã. Quieta, como se fosse uma garça-estátua a imitar os homens-estátuas, mas sem o pratinho das moedas. Talvez, se tivesse posto uma rede diante, as pessoas dos barcos, ao passarem, lhe atirassem com um peixe e, assim, teria a sua subsistência garantida. Mas não! Ninguém lhe atirou um peixe sequer, nem ela se deu ao trabalho de mergulhar o bico para apanhar fosse o que fosse. Apenas iam tirando fotografias, à sua elegância e ao seu imobilismo.

Aquelas águas sujas, cheias da poluição dos barcos, de óleo e do gasóleo dos motores, de restos de comida, não convidavam ao petisco. Nem peixes havia, só aquelas taínhas escuras que comem os limos e as cracas dos cascos dos barcos e que bebem e respiram as águas poluídas a saberem a combustível.


(DO AUTOR - BAÍA DE HONG KONG)

Contemplativa, nem sequer olhava para a agitação e ruído do porto, e nem bulia, quando um barco mais ruidoso lhe passava uma tangente, apenas acompanhando o que o cabo de amarração à poita oscilava...

E só quando, do alto da amurada do barco vermelho, com o nome bem evidente em caracteres chineses e dourados, a anunciar um restaurante flutuante, o cozinheiro lhe deu três assobios é que ela levantou a cabeça, abriu as asas e, num voo curto mas gracioso, foi poisar no convés, junto à cozinha, para comer os restos do peixe fresco que ele lhe tinha preparado.

Depois, de papo bem cheio, levantou voo e partiu na certeza de que amanhã, por aquela hora, voltará ao mesmo cabo de amarração, para assegurar a sua sobrevivência. Em troca deixa-se fotografar, no seu imobilismo e graciosidade, para as centenas de turistas frequentadores do restaurante, actuando como chamariz para o mesmo.

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3 comentários:

Professora disse...

Eu sei que há garças masculinas, mas essa, com tal segurança e força, é, de certeza, Mulher!

Beijos
Luísa

Anónimo disse...

Belíssimo texto. Beijinhos, lola

Anónimo disse...

Raul, tão lindas as suas observações poéticas sobre a graça...
Algumas vezes ficamos assim, também, entregues ao imobilismo, expondo-nos, no aguardo de algo que nem sabemos se virá...
Vera Menna Barreto