sexta-feira, 9 de novembro de 2012

SERRA-MÃE



Ao atravessar o Sado,
ao fim do dia,
e ao ver a Serra-Mãe ali ao lado
num negrume, cheio de melancolia,
quase ouvia
o murmúrio de cantiga
da Serra ora adormecida...

E, no momento,
veio-lhe,
ao pensamento
a Arrábida, a Serra-Mãe, Sebastião da Gama...


"O agoiro do bufo, nos penhascos,
foi o sinal da Paz.
O silêncio baixou do Céu,
mesclou as cores todas o negrume,
o folhado calou o seu perfume,
e a Serra adormeceu.

Depois, apenas uma linha escura
e a nódoa branca de uma fonte amiga;
a fazer-me sedento, de a ouvir,
a água, num murmúrio de cantiga,
ajuda a Serra a dormir.

O murmúrio é a alma de um Poeta que se finou
e anda agora à procura, pela Serra,
da verdade dos sonhos que na Terra
nunca alcançou.

E outros murmúrios de água escuto, mais além:
os Poetas embalam sua Mãe,
que um dia os embalou.

Na noite calma,
a poesia da Serra adormecida
vem recolher-se em mim.
E o combate magnífico da Cor,
que eu vi de dia;
e o casamento do cheiro a maresia
com o perfume agreste do alecrim;
e os gritos mudos das rochas sequiosas que o Sol castiga
- passam a dar-se em mim.

E todo eu me alevanto e todo eu ardo.
Chego a julgar a Arrábida por Mãe,
quando não serei mais que seu bastardo.

A minha alma sente-se beijada
pela poalha da hora do Sol-pôr
sente-se a vida das seivas e a alegria
que faz cantar as aves na quebrada;
e a solidão augusta que me fala
pela mata cerrada,
aonde o ar no peito se me cala,
desceu a Serra e concentrou-se em mim.

E eu pressinto que a Noite, nesse instante,
se vai ajoelhar...

... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...
... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ... ...

Ai não te cales, água murmurante!
Ai não te cales, voz do Poeta errante!,

- se não a Serra pode despertar."

Sebastião da Gama, Serra-Mãe.

(DO AUTOR - O RIO SADO, O ATLÂNTICO E A SERRA DA ARRÁBIDA)



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2 comentários:

Manuel Poppe disse...

Uma belíssima fotografia e um poeta gentil... Obrigado, amigo!

Anónimo disse...

Olá Raúl, muito bonito, parabéns!

Ana Perestrello