Desde que a trombose o tornou um inválido para o trabalho começou a passar, por ali, as tardes. Fazia parte do seu tratamento: de manhã ia à fisioterapia, passava uma vez por semana no laboratório para controlar o sangue - tinha de estar no 2, se era mais alto tinha hemorragias, se era mais baixo o risco de ter nova trombose era muito elevado -, depois da sesta da tarde, quase invariavelmente, ia no seu passo trôpego e ajudado pela canadiana - perdera a força na perna e no braço do mesmo lado, a mão ficara quase uma garra, de fechada - até ao banco que o filho lhe pusera no alto do outeiro.
Dali avistava a sua lavoura, agora sob a orientação do rapaz mais velho, o único que quis ficar agarrado à terra, avistava a mancha dos sobreiros e o olival plantado em fileiras certas para facilitar a apanha mecanizada da azeitona - agora, com os preços que pedem, não há mão de obra que justifique a apanha manual -.
E, lá mais para o fundo, no perder da vista dos montes, no sem fim da terra, o poente. Quantas tardes não ficara ali a ver o pôr-do-sol?
Desde há uns dias que deixara de aparecer. Costumava, quando o tempo lho permitia, ir até lá, junto dele, dar dois dedos de conversa, falarem das perspectivas do próximo ano e a ficarem, ambos, a ver o pôr-do-sol...
Soube que já não vai voltar a sentar-se naquele banco... deixou acabar os comprimidos e não disse nada a ninguém. Desta vez, a trombose não lhe perdoou.
Já não vão voltar a falar do novo ano que está para chegar!
(DO AUTOR - ALGURES NA SERRA DE SÃO MAMEDE) |
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3 comentários:
Triste, triste. Muito bem escrito. Gostooooooooo
Luísa Amaral
Tocante...
Ana Hertz
Tristemente belo...
Beijinho, Raul!
Joana Menano
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