Tinha acabado de chegar da farmácia, de mãos a abanar.
Fora ao Médico de Família fazer a consulta programada e aproveitou para pôr as queixas em dia, e foi de quase tudo: do estômago com aquela azia e ardor que lhe chegavam à garganta, da tensão arterial alta que lhe dava aquelas dores de cabeça e os picos nos olhos que já não podia suportar, do colesterol que estava altíssimo, da ureia que não baixava dos 8, dos diabetes que lhe apareceram há três anos, mais a bronquite com a tosse e aquele catarro horroroso, das dores na coluna e nos joelhos... e já nem teve coragem para se queixar das insónias, dos zumbidos nos ouvidos, e do cansaço que lhe ia tomando conta do andar e do subir das escadas.
O médico nem levantava os olhos, a cada queixa ou sintoma, toca de escrever na receita tripla - pois só ia ter nova consulta daí por três meses - o nome do medicamento apropriado. E, quando acabou a consulta, deu-se na mão com quatro receitas, todas preenchidas, o que dava, tudo somado, dezasseis medicamentos. O modo de tomar aquela medicação toda saiu numa folha impressa que a enfermeira lhe entregou, explicando como devia tomar cada um. Havia uns que só tomava uma vez por dia, outros duas vezes e dois que tinha que tomar três vezes ao dia, antes das refeições o que, tudo somado, dava uns 22 comprimidos por dia. Ficou sem saber se ainda lhe sobravam horas do dia em que não tomava medicação.
E, da consulta, vai a pé para a farmácia, que não era longe, no vagar do seu andar, pois o cansaço e as dores nas pernas não permitiam que caminhasse mais depressa. E, no caminho, ia meditando e fazendo contas em voz alta: ao pequeno-almoço são seis - o do estômago, os da tensão arterial, mais o do reumatismo que já andava a tomar, e o do colesterol -, depois ao almoço eram o do coração, o da coagulação do sangue, mais os da diabetes, juntamente com a vitamina, o que, tudo somado, faz seis comprimidos, tantos como os do pequeno-almoço, mais três ao lanche, já não se lembrava bem para quê, mais os seis ao jantar e um ao deitar, para ver se adormece mais depressa. E,na verdade, tudo somado, dá os 22 comprimidos que lhe tinha dito a enfermeira.
Tira a senha, aguarda a chamada do número, o 127, e ainda vai no 121. Sem um banco para se sentar, ele que estava cansado de ter vindo a pé à torreira do sol abrasador. Cento e vinte seis, e já só falta um. O besouro, de novo, e ele a dirigir-se ao balcão n.º 3. Boas tardes e entrega o molho das receitas, a menina, diligente, de bata imaculadamente branca, abre o gavetão e fecha o gavetão e vai colocando no cesto os medicamentos receitados.
E pronto, aqui estão, e, tudo somado, são 126 euros a pagar. A pensão, que tinha ido levantar nessa manhã, não chegava aos 450 euros e começou a contar as notas, devagar, e a custar-lhe a conta a chegar ao fim.
É que, tudo somado, quase ficava sem dinheiro para a renda da casa, para a água, a luz e o gás; já devia dois meses na mercearia e as meias-solas estavam a pedir um reforço.
Olhe menina, não vai dar, o dinheiro é curto e eu prefiro a sopa ao comprimido, a batatinha cozida à cápsula da vitamina, o chá da noite com a bolacha Maria, à pastilha que se desfaz na boca.
Também, para morrer intoxicado com aqueles remédios todos, não precisava pagar tanto e, se formos a ver bem a coisa, tudo somado, assim por assim, se não tomar os remédios, até pode ser que ainda ande por cá mais algum tempo... é que, tudo somado, já só faltavam dois anos para os noventa!
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