quinta-feira, 31 de março de 2011

RETROPROGRESSO

O musgo das paredes fica, é ecológico, a cor e a tonalidade vão variando ao longo do ano, assim escusa de ser sempre igual, é uma forma de combater a monotonia.

A máquina de lavar roupa deixa de ser automática e passa a manual. Antigamente chamava-se tanque da roupa, agora é uma instalação para lavagem manual de roupa. Torneira não há, funciona com a água da chuva e a trazida por baldes; não faz mal, escusa-se de pagar a água aos serviços municipalizados. Esgoto também não tem; deixa, também não se paga a taxa de saneamento. Detergente também não. Polui muito! Sabão azul e branco, lava e dá cheiro a lavado à roupa que basta lavar uma vez por semana para não se estragar com as lavagens. A roupa depois seca ao ar, não precisa de ser centrifugada. Torce-se, à mão. O ideal para peças delicadas.O estendal da roupa fica por cima, bem alto para não se sujar com as passagens das pessoas

Sanitários? Tem, ao fundo, com porta, para dar privacidade. O balde para a lavagem fica de fora, assim como a vassoura e a esfregona. Tudo à vista!

As mãos lavam-se no tanque, a aproveitar a água da lavagem da roupa. As mãos secam ao ar. Como a roupa!


(Açores - Ponta Delgada Sinagoga -  2007)
 
Será que "isto" vai ser a nossa realidade daqui por pouco tempo?

quarta-feira, 30 de março de 2011

DESEJOS

Andava de desejos, de desejos fortes, sentia que estava de novidade.

Primeiro tinham sido aqueles enjoos, aquele mal estar matinal, aquela aversão aos ovos estrelados, e ela que gostava tanto de uma alheira com ovo estrelado, depois aquele apetite por kiwis... eram três ou quatro por dia, até que enjoou.

Tudo isto no espaço de umas duas semanas... num repente.

Hoje deu-lhe o apetite  de coisa nova, mas não sabia o quê: picou uma pêra, não, goiabada, também não, queijo fresco, nem isso, batata frita... muito salgada, araruta, deixou-lhe a boca seca, chocolate, muito doce.

Abria lata, fechava caixa, mordiscava uma bolacha, provava daqui, provava dali, mas nada a saboreava, nada a satisfazia...

Só faltava a lata das línguas de gato!  Ali, bem diante dela, vermelha, na prateleira da despensa. Sempre, com línguas de gato!



 Pegou na lata, sentou no sofá, a ver a novela, abriu a tampa e tirou uma... pôs na língua como uma hóstia, a comungar o prazer, uma, duas, três...

e a novela a mostrar as paisagens do rio Araguaia, de encantar os olhos...

e outra, mais outra, e  os dedos a tocarem o fundo da  lata, nem mais uma... apenas as migalhas...


Adivinhou os desejos... simples, tão simples como as línguas de gato da velha lata vermelha!

terça-feira, 29 de março de 2011

CONCERTO

Desmarcou a reunião que tinha a meio da tarde, e foi ao cinema.

Um filme comovente, uma história musical, Tchaikovskyana, passada numa Moscovo de há 30 anos, ainda fortemente marcada pela influência comunista, um convite vindo de Paris para uma única exibição da orquestra do Bolshoi no teatro de Châtelet, um telemóvel que toca no meio dos ensaios e o fax do convite a ser interceptado pelo antigo Maestro da orquestra,  Andrei Simoniovich Filipov, demitido pelo regime e colocado na limpeza do teatro e do gabinete do director.

Uma espécie de vingança, uma resposta a confirmar a ida a Paris, e a reconstituição da orquestra original feita à pressa pelos antigos executantes deportados ou despedidos pelos acólitos de Brejnev e, também, por uma jovem e exímia solista, Anne-Marie Jacquet, nascida em Moscovo e levada para Paris, ainda bebé, para fugir às garras daquele regime opressivo.

Termina em apoteose, com um concerto para violino de Tchaikvosky que vale pelo filme todo.



Sai do circuito comercial depois de amanhã.

Vale por tudo, pelo recordar o que era um regime comunista, pelas cenas comoventes do reencontro de antigos companheiros de música (não lhes chamo camaradas porque não o eram e por isso foram despedidos e deportados), pelas histórias de cada um, pelo fascínio e aventuras em Paris, pela chegada ao teatro, pela violinista-solista, pela interpretação, pela música.

Vale, também, pela harmonia que a música nos traz... 


http://www.youtube.com/watch?v=OTUfpkIq3cI

segunda-feira, 28 de março de 2011

SONHADOR

"Vagueia o poeta pelos campos; admira,
Adora; ouve dentro de si mesmo uma lira.

E ao vê-lo chegar, as flores, todas as flores,
As que dos rubis empalidecem as cores,
As que dos pavões deixam as caudas ofuscadas,
As florezinhas azuis, as florezinhas douradas
Tomam, para o acolher, nos seus ramos agitados,
Arzinhos humildes, ou grandes ares afectados,
E, familiarmente, porque fica bem às belas:
«Olha! É o nosso amado que passa!», dizem elas.

E, cheias de luz e de sombra, com vozes inquietas,
As árvores gigantescas que vivem nas florestas,
Todas essas velhinhas, as tílias, os áceres, os teixos,
Os carvalhos venerandos, os enrugados freixos,
O olmo de negra ramagem, que o musgo entorpece,
Como os ulemas fazem quando o mufti aparece,
Saúdam-no com grandes vénias, curvando para a terra
As cabeças das folhagens e as suas barbas de hera,
E vendo na sua fronte um sereno esplendor,
Murmuram muito baixinho: É ele! O sonhador!"

(Poemas - Victor Hugo - Les Roches, Junho de 1831)

É o que dá ser sonhador e ir passear no campo, no meio de um arco-íris de flores vermelhas, azuis, douradas, multicolores, vaguear pelos bosques dos sonhos por entre os carvalhos, tílias, sobreiros, pisando suavemente os tapetes de musgo e de folhas caídas, e ouvir o murmurar das ramagens, o segredar das flores, e sentir-se acariciado e amado por uma natureza em paz...

Porque o sonhar é o primeiro passo para a realidade!


domingo, 27 de março de 2011

FÁBULA OU HISTÓRIA

"Um dia, magro e sentindo um real desfastio,
Um macaco com a pele de um tigre se vestiu.

O tigre fora malvado, ele tornou-se atroz.

Ele tinha assumido o direito a ser feroz.

Arreganhava os dentes, gritando: eu serei
O herói dos matagais, da noite o temível rei!

Como malfeitor dos bosques, emboscado nos espinhos,
De horror, morte e rapinas, escureceu os caminhos,
Degolou os viajantes e devastou a floresta,
Fez tudo o que havia feito aquela pele funesta.

Vivia no seu antro, no meio da voragem.

Todos, vendo-lhe a pele, criam na personagem.

Gritava e rugia como as feras danadas:
Olhem, a minha caverna está cheia de ossadas;
Olhem para mim, sou um tigre! Tudo treme,
Diante de mim, tudo recua e emigra; tudo freme!

Temiam-no os animais, fugindo com grandes passos.

Um domador apareceu e tomando-o nos braços,
Rasgou-lhe a pele, como se rasga um farrapo,
E pondo a nu o herói, disse: Não passas de um macaco!"

(Poemas - Victor Hugo - Jersey, Setembro de 1852)

Será que nos vamos deixar aterrorizar por mais macacos?

sábado, 26 de março de 2011

SILÊNCIO

DUAS CANÇÕES DE SILÊNCIO


"OUVE COMO O SILÊNCIO
SE FEZ DE REPENTE
PARA O NOSSO AMOR

HORIZONTALMENTE...



CRÊ APENAS NO AMOR
E EM MAIS NADA
CALA; ESCUTA O SILÊNCIO
QUE NOS FALA
MAIS INTIMAMENTE; OUVE
SOSSEGADA
O AMOR QUE DESPETALA
O SILÊNCIO

DEIXA AS PALAVRAS À POESIA..."

(PARA VIVER UM GRANDE AMOR - VINICIUS DE MORAES - OXFORD  1939)


Cala a tua voz
Escuta a poesia
Crê apenas no amor
E deixa que o silêncio
Nos faça companhia

Escuta o amor
Que nos sossega...

Não digas nada
Fica quieta, fica calada
E sente o amor
Na sua entrega

As palavras, deixa-as à poesia...



sexta-feira, 25 de março de 2011

NAQUELE TEMPO

"SOB O CARAMANCHÃO DE GLICÍNIA LILÁS
AS ABELHAS E EU
TONTAS DE PERFUME

LÁ NO ALTO AS ABELHAS
DOIRADAS E PEQUENAS
NÃO SE OCUPAVAM DE MIM
IAM DE FLOR EM FLOR
E CÁ EM BAIXO EU
SENTADA NO BANCO DE AZULEJOS
ENTRE PENUMBRA E LUZ
FLOR E PERFUME
TÃO ÁVIDA COMO AS ABELHAS"

(Obra poética - Sophia de Mello Breyner Andresen - Poemas Dispersos)

Tão ávida do viver, tão ávida do sonhar, tão ávida do alcançar...

quinta-feira, 24 de março de 2011

CAMPO

CAMPO

"ESTOU SÓ NOS CAMPOS
A DOCE NOITE MURMURA
A LUA ME ILUMINA
CORRE EM MEU CORAÇÃO UM RIO DE FRESCURA
DE TUDO O QUE SONHO MINHA ALMA SE APROXIMA"


(Sophia de Mello Breyner Andresen - Obra Poética - Livro Sexto - I - Coisas)


De tudo o que sonho será que a minha vida se aproxima?

quarta-feira, 23 de março de 2011

MANHÃ

MANHÃ

"COMO UM FRUTO QUE MOSTRA
ABERTO PELO MEIO
A FRESCURA DO CENTRO

ASSIM É A MANHÃ
DENTRO DA QUAL EU ENTRO"



(Sophia de Mello Breyner Andresen - in Obra Poética - Livro Sexto I - As coisas)

Pois é, estamos na semana da Poesia... e a manhã, hoje, está linda, linda como a maçã que acabei de abrir.

terça-feira, 22 de março de 2011

ARTUR AGOSTINHO

Cumpriu a vida aos 90 anos!

Inconfundível na voz, essencialmente um homem da rádio, Artur Agostinho partiu... 

Os relatos de futebol e de hóquei, o Sporting, o seu Sporting, os filmes da década de 40... o Artur andava por todo o lado, entrava-nos pela casa dentro, fez parte, quase sempre, do nosso quotidiano.



Uma boa viagem, desta vez sem regresso!

segunda-feira, 21 de março de 2011

MAIS DIAS

Hoje, e esta semana, comemoram-se uma data de dias e semanas mundiais.

O Dia da Poesia, que se estreia hoje e se prolonga pela semana, o Dia Mundial da Árvore e da Floresta, e que coincide com o Ano Internacional da Floresta, e a Semana da Água.

Se a Água, a Árvore e a Floresta têm de muito (tudo!) em comum, a Poesia associa-se muito bem a esta tríade.

Os poetas cantam a Natureza, falam das águas cristalinas das fontes, da sombra fresca das árvores na floresta, cantam odisseias marítimas... Uma boa associação, uma excelente conjugação!

E a festa da poesia, esta semana, tem muitos eventos marcados por todo o lado, muitos mesmo...

É sinal que as letras e a poesia continuam a marcar a nossa vida.

Mas porque é, acima de tudo, o Dia da Poesia, não resisto a transcrever uma do nosso Pessoa, "heteronimozado" de Álvaro de Campos:

Tenho uma grande constipação

Tenho uma grande constipação,
E toda a gente sabe como as grandes constipações
Alteram todo o sistema do universo,
Zangam-nos contra a vida,
E fazem espirrar até à metafísica.
Tenho o dia perdido cheio de me assoar.
Dói-me a cabeça indistintamente.
Triste condição para um poeta menor!
Hoje sou verdadeiramente um poeta menor.
O que fui outrora foi um desejo; partiu-se.

Adeus para sempre, rainha das fadas!
As tuas asas eram de sol, e eu cá vou andando.
Não estarei bem se não me deitar na cama.
Nunca estive bem senão deitando-me no universo.
Excusez du peu... Que grande constipação física!
Preciso de verdade e de aspirina.

E quem não precisa de verdade? E quem não precisa, também, de aspirina?

domingo, 20 de março de 2011

RISCOS

O céu agora ganhou um novo colorido, um azul mais luminoso, mais intenso, mais brilhante.

É a primavera a mostrar-se, a descobrir-se neste dia de equinócio, em que o dia e a noite duram o mesmo tempo.

Ontem, ao fim do dia e durante a noite, olhou-se o céu por causa da lua, hoje olhou-se de novo por causa da cor e da luminosidade.

E, no Alentejo, o céu é especial.

E hoje não sei por que razão, talvez por ser o equinócio, talvez por ser a primavera, talvez porque o céu alentejano estava particularmente bonito, os aviões resolveram passear por este céu lindo e riscaram-no todo... de riscos longos, rectilíneos, cruzados.

(Alentejo - 2011)

Mas não estragaram o azul do céu, apenas o pintaram, de riscos brancos, etéreos, voláteis...

sábado, 19 de março de 2011

DIA DO PAI

Dezanove de Março, dia de São José, há muito considerado o Dia do Pai.

Agora que deu a moda de se comercializarem os dias, de, a propósito da comemoração de qualquer data que puxe ao sentimento - como o dia dos namorados, o dia da mãe e este dia do pai -, se induzirem as pessoas a fazerem compras, tive o grato prazer de receber duas prendas dos meus filhos: ela enviou-me uma fotografia, via telemóvel, do local onde foi passar o fim de semana e ele veio dar-me um beijo e um abraço. Duas prendas boas, calorosas, saborosas e quase gratuitas. 

Foi assim o meu dia do Pai.

Mas este dia do Pai coincidiu com a Lua Cheia e com o facto de acontecer o perigeu lunar: uma lua cheia mais clara e brilhante, que ocorre porque o satélite estará no ponto de sua órbita mais próximo da Terra.

Imagino milhões de pessoas olhando o céu, hoje sem nuvens, e bastantes milhares a fazerem fotografias desta lua cheia e brilhante.

É que nem todos os dias, ou melhor noites, temos a oportunidade de ver uma lua assim, tão cheia, tão gorda e tão gloriosa.


(PERIGEU LUNAR - 19/03/2011)

sexta-feira, 18 de março de 2011

DIA MUNDIAL DO SONO

Também tem direito a dia, e logo de importância: e não é dia nacional, nem internacional, mas Mundial. Olaré! que isto de dormir, pelos vistos, é importante.

Não há dúvida que o dormir e o sono são fundamentais para a nossa vida. O sono retempera, funciona como uma espécie de carregamento de baterias, e não há quem consiga viver sem dormir.

Dizem que o ideal, nas 24 horas do dia, seria trabalhar 8 horas, dormir outras tantas e as restantes 8 serem usadas para outras tarefas ou lazeres.

Os bebés, esses, dormem a maior parte do tempo  e, à medida que vamos crescendo e envelhecendo o tempo e a necessidade de dormir vão diminuindo. 

O sono tem nome... chama-se João Pestana. Nem sempre aparece quando é chamado, por vezes deve andar distraído e,  quando ele não aparece, o sono transforma-se em insónia.

Mas o João Pestana é quase sempre sensível a uma boa canção de ninar.

A que melhor me lembro, do tempo da minha infância, canta assim:

                           Dorme dorme meu menino
                           Que a mãezinha logo vem
                           Foi lavar os cueirinhos
                           À fontinha de Belém

Mas a que mais me marcou e me deixa muitos recordares de juventude é a Canção de Embalar do Zeca Afonso:

                           Dorme meu menino a estrela d'alva
                           Já a procurei e não a vi
                          Se ela não vier de madrugada

                           Outra que eu souber será pra ti
                           ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô ô (bis)
                           Outra que eu souber na noite escura
                           Sobre o teu sorriso de encantar
                           Ouvirás cantando nas alturas
                           Trovas e cantigas de embalar
                           Trovas e cantigas muito belas
                           Afina a garganta meu cantor
                           Quando a luz se apaga nas janelas
                           Perde a estrela d'alva o seu fulgor
                           Perde a estrela d'alva pequenina
                           Se outra não vier para a render
                           Dorme que ainda a noite é uma menina
                           Deixa-a vir também adormecer

                   (http://www.youtube.com/watch?v=h8TpRnMU09M)

 Bem, por homenagem ao dia de hoje, o melhor é mesmo ir dormir!

É que: deitar cedo e cedo erguer, dá saúde e faz crescer.

Durmam bem!



quinta-feira, 17 de março de 2011

PÁSSAROS

Fazia tempo que não tocava na caneta de tinta da china, nem nos lápis de cor especiais que guardava no estojo de madeira. 

Mas hoje, porque o dia de sol estava lindo e acolhedor, resolveu pegar na pequena pasta onde tinha o material de desenho e foi até ao jardim. 

Sentou-se no seu banco preferido, bem afastado dos ruídos da cidade, acomodou-se e deixou-se estar ali, tranquilo, a escutar a natureza, a sentir o perfume das flores acabadas de abrir, a alegrar-se com os pássaros que cantavam por todo o lado.

Tinha trazido o saco com o miolo do pão e, ao espalhá-lo pelo chão, diante de si, cedo se viu rodeado de pequenas aves, famintas e agradecidas por aquela dádiva inesperada.

Abriu a pasta, tirou o caderno de folhas brancas, pegou no lápis e na borracha, e esteve entretido a fazer esboços daqueles pássaros irrequietos e saltitantes. Quando acabou o pão e os pássaros se foram embora, fechou o caderno, arrumou o lápis e a borracha no estojo, colocou tudo na pasta e foi embora.

Depois, em casa, na tranquilidade do seu estúdio, deu vida e cor aos esboços da manhã.


quarta-feira, 16 de março de 2011

INSÓNIA

Aquela insónia terrível, aquele bater forte do coração, o palpitar desencontrado, tudo aquilo a criar-lhe ansiedade e a acentuar-lhe a insónia. Uma espécie de ciclo vicioso: quanto menos dormia mais se preocupava em adormecer, mais ansiedade aparecia... um tormento.

Passou a noite quase em branco. Sabia que tinha momentos de sono, mas sempre entrecortado por esses despertares frequentes.

Contou carneiros, foi atrás de borboletas, imaginou-se contadora oficial de nuvens, mas nada, quando a contagem ia alta os carneiros tresmalhavam-se, as borboletas dispersavam-se por todo o lado e as nuvens desfaziam-se em chuva...

As horas a avançarem, a noite a passar-se e o dia com tanto que fazer. Enroscou-se, desenroscou-se, virou para a direita, virou para a esquerda, pôs-se de barriga para baixo, mas nada. Mente desperta, olhos fechados, insónia presente.

Levantou-se, foi à gaveta dos milagres, abriu a embalagem dos comprimidos e resolveu tomar dois: dose dupla!

Voltou para a cama à espera do efeito desejado; até ficou mais desperta, de novo as palpitações, agora com latejar na cabeça, um bater compassado, um virar e um revirar na cama, e o dormir sem aparecer. Os minutos a passarem, as horas a acumularem-se, o despertador daqui a nada a tocar.

Resolveu levantar-se, encheu a banheira de água bem quente, espalhou os sais de banho, pôs uma música suave e enfiou-se naquele banho apetecente. Ainda tinha duas horas...

Acordou com o despertador, com a  água já morna, as duas horas passadas, mas o sono recuperado. 

Quando foi fechar a gaveta dos tais milagres deu-se conta que trocara a embalagem dos comprimidos, tinha aberto a das vitaminas... 

terça-feira, 15 de março de 2011

O ACORDAR

Gosta de se levantar cedo, de ver o dia a clarear, de sentir os primeiros raios de sol a aquecerem-lhe o corpo, de assistir ao apagar suave dos luzeiros num céu quase negro e que, a pouco e pouco, se vai vestindo de um azul claro, de olhar o vapor a escapar-se das águas mansas da lagoa, de ver a Lua a sorrir para Vénus depois de uma noite a dois, de ouvir o acordar dos pássaros e o cantar do galo, de saber que, cada dia, a natureza renasce.

(Infantado - 1 de Março de 2011)
Quando o dia amanhece assim, quando tudo está em paz e em tranquilidade, lembra-se muitas vezes da canção tão docemente interpretada por Françoise Hardy (França).

LE PREMIER BONHEUR DU JOUR -  (letra: Frank Gérald / Música: Jean Renard, 1963):

Le premier bonheur du jour
C'est un ruban de soleil
Qui s'enroule sur ta main
Et caresse mon épaule.

C'est le souffle de la mer
Et la plage qui attend
C'est l'oiseau qui a chanté
Sur la branche du figuier.

Le premier chagrin du jour
C'est la porte qui se ferme
La voiture qui s'en va
Le silence qui s'installe.

Mais bien vite tu reviens
Et ma vie reprend son cours
Le dernier bonheur du jour
C'est la lampe qui s'éteint.

http://www.youtube.com/watch?v=CrHA9gA8qpE



segunda-feira, 14 de março de 2011

GLOBO TERRESTRE

Ofereceram-lhe um globo terrestre, diferente dos que habitualmente se vêem por aí porque, em vez de ser todo cheio de cores, com os oceanos e mares pintados de azul e cada país com sua cor, este parece ser de alumínio, e com os limites dos continentes e dos países gravados no próprio metal, assim como os nomes respectivos.

Quase do tamanho de uma bola de futebol, pesado, a revelar a sua consistência maciça, e pronto a girar ao menor impulso. 




Ficava bem, ali, em cima da secretária, ao alcance da mão e do olhar, pronto a relembrar uma geografia que foi esquecendo e a localizar os acontecimentos que vão surgindo por todo o mundo: as revoltas na Líbia e restante norte de África, os problemas na Somália, as guerras e conflitos armados no Irão, Afeganistão, no Iraque, no Cazaquistão, os atentados nas Filipinas, as inundações na Austrália e na América Central e do Sul, a delapidação da floresta amazónica, a nuvem negra do vulcão da Islândia, os terramotos no Chile e Perú e, agora, o do Japão, os tsunamis que surgem pelo Índico e Pacífico e que destroem cidades inteiras, a nuvem invisível de radiação das centrais nucleares japonesas, a lembrar Chernobyl, mas também a abertura de um novo Canal no Panamá, o aparecimento de baleias azuis nos mares dos Açores, o nevão no Pico do Areeiro, na ilha da Madeira, as flores a cobrirem os campos do Alentejo...

Um mundo que está sempre a girar em torno de si próprio, do seu eixo imaginário, e que teima em manter-se na sua órbita em torno do sol, indiferente às guerras, aos conflitos, aos atentados que os seus habitantes promovem, mas a sofrer com as agressões ao seu meio ambiente, a aquecer lentamente e a deixar derreter os gelos dos pólos, como que a fazer um aviso prévio de que as coisas não estão bem...

Quantas vezes não lhe apeteceu pegar naquele mundo ali à sua mão, passar-lhe a esponja, limpar o sujo, acabar as guerras, os ódios, as ganâncias, soprar os mal estares...   

domingo, 13 de março de 2011

DESTROÇOS

A força da natureza é impressionante, assusta e impõe muito respeito. 

Impressionam, mais do que as imagens do tremor de terra, as do tsunami, as daquele mar a entrar terra a dentro, exaustivamente mostradas nestes últimos dias, e a tudo destruir à sua frente. 

De nada vale a tecnologia, o poder económico, a sofisticação. Nestas ocasiões nada vale. Apenas fugir, procurar abrigos, os mais seguros possíveis, e esperar.

(Destroços - Rio Minho - 2004)

E mais um perigo que surge, o de um desastre nuclear, este sem visibilidade,  a espalhar-se com o vento, silenciosamente, a adoecer populações, a matar como se fora uma peste invisível.

Mas não vale a pena chorar muito, lamentar, exteriorizar as emoções, agora apenas é altura de arregaçar as mangas e iniciar a reconstrução e a reabilitação de uma vida que não pára. Assim fazem os japoneses.

Nós, acabámos de sofrer mais um "tsunami" com as novas medidas que este governo fantoche nos quer impor.  E que tal arregaçar as mangas e começar a empurrar esta gente daqui para fora, enfiá-los no tsunami que eles nos criaram e deixá-los, amontoados como se fora um conjunto de destroços inúteis, sem possibilidade de reabilitação?

sábado, 12 de março de 2011

E AGORA?

O que se vai seguir?

Vamos continuar a assistir, parados, à desgovernação deste governo que não tem credibilidade (?), ao afogar lento das nossas esperanças, da nossa vida, do nosso viver (?), ao sacrifício insano de todos, aos juros e spreads a subir, aos impostos a galgar as nossas possibilidades (?), aos ordenados a não serem pagos, aos cortes de vencimentos, à contribuição extraordinária das pensões (?), ao agonizar de uma sociedade, ao assassínio premeditado do futuro dos nossos jovens, ao aniquilamento dos idosos (?), ao...

Ou vamos reagir contra esta podridão, aos fatos Hugo Boss do sócrates (?), aos carros de luxo dos governantes, dos políticos, dos presidentes, directores, sub-directores, adjuntos e corja dos institutos, das fundações, das direcções gerais (?), aos cartões de crédito, aos telemóveis (?), às varas de porcos, aos loureiros podres, aos que nos chupam o dinheiro para enriquecerem sem vergonha(?), aos...

Será que o Movimento dos À Rasca vai despertar a consciência cívica de todos e vai criar as condições para expulsar esta gentalha toda que mama, suga e gasta o dinheiro que todos criamos, o dinheiro que nos vão roubar ao fim do mês e o dinheiro que nos levam nos impostos cada vez mais caros? É que, qualquer dia, não nos resta mais nada que ir pedir dinheiro emprestado para alimentar e engordar esta gente toda.

E chamam a isto de democracia... só se for por o demo ser do diabo, e assim sim, temos uma democracia de demónios...

sexta-feira, 11 de março de 2011

O RELÓGIO DE CUCO

Comprara-o há uns anos atrás. 

Dos autênticos, dos feitos na Floresta Negra, a terra destes relógios quase de encantar.

Nasceram de uma lenda, da lenda de um cuco que vivia naquela floresta, livre e amigo de todos os bichos que por lá moravam. Nessa floresta escura, como faz parte de muitas lendas, vivia uma bruxa pérfida, horrorosa e feia. E sempre que do alto da sua árvore avistava a bruxa má, quando esta saía de casa para procurar os animais que ia capturar para as suas poções ou encantamentos, punha-se a cantar o seu "CUCOOOOO, CUCOOOOOOO" bem alto, para que todos  se pudessem esconder, gorando, assim, os intentos da bruxa má.

Ora, a bruxa, porque é bruxa e tem poderes, cedo se apercebeu que aquele cuco era a causa do seu insucesso nas suas saídas perversas. E tratou de lhe montar uma armadilha para capturar aquela ave, tão amiga dos outros animais e tão atenta às deambulações da bruxa pela floresta.

E, por artes de magia negra, lá conseguiu apanhar o pobre do cuco. Não o quis matar e, porque era má, resolveu fechá-lo, para sempre, numa casinha  que tinha pendurada na parede da casa. Era uma casinha de madeira, que tinha um janela pequena que o cuco podia abrir mas que o impedia de sair.

Quando os outros animais se aperceberam que o cuco não cantava mais para os avisar da bruxa trataram de o procurar por todo  o lado, mas sem sucesso.

Assim, sem cuco a "cucar" o seu canto, a bruxa podia sair  à vontade apanhando, desprevenidamente, todos os animais que precisava para as suas bruxices.

O infeliz do cuco, aprisionado naquela pequena casa de madeira, já não podia ajudar os outros animais e andava triste por isso, pois estava fechado dentro de quatro paredes com uma janela, donde não podia sair.

Até que teve uma ideia! Um bingo! Se podia ir à janela, podia voltar com o seu "cucar", ainda mais forte, para avisar os seus amigos da floresta sempre que a bruxa saísse de casa. E, se algum animal ouvisse o seu Cuco, esse animal ia passando aos outros, o grito de aviso do cuco, voltando a salvar todos bichos da sua floresta.

E assim nasceu a lenda deste cuco feito prisioneiro numa casinha de madeira, pendurada na parede de uma casa e que cantava várias vezes ao dia.


Daí a fazer-se o primeiro relógio foi um instante.

E o seu relógio de cuco, fiel e cumpridor, agora que já não há bruxas daquelas na floresta - as bruxas e os bruxos de agora vivem nas cidades, são de outra qualidade, muito pior e muito mais maliciosos, muito mais traiçoeiros e vingativos - continua, cada meia hora, a sair da sua janela e a lançar o seu cuco, a avisar das horas que são.

quinta-feira, 10 de março de 2011

CUSTA...

Entrou a coxear, doíam-lhe as costas, dizia, uma dor que a incomodava mesmo. Tinha dificuldade em andar, por isso a filha a acompanhava, para a amparar, para lhe carregar os exames que foi fazendo ao longo dos meses, mais o saco dos remédios que, entretanto, andava a tomar.

Sentou-se com dificuldade, aquela dor, um gemido mais sentido, uma lamúria, quase uma lágrima dorida.

Pois, para aqui estou, uma velha sem sentido de vida, com dores, com tremores, com cansaço, com falta de ar, o coração que me trai de vez em quando e a cabeça a esquecer-se...

Sabe, isto de se ser velho custa, assim, com estes males todos; a gente a ver a vida a ir-se embora, e o problema é que demora a esgotar-se; ao menos podia ser rápido, sem estas dores, sem este sofrer exagerado.

Sei que não há solução. É a vida, ou o fim dela, mas posso-lhe dizer uma coisa: este viver custa...

quarta-feira, 9 de março de 2011

DO ALTO

Lá estão, no seu alto, dominando, alcançando com o olhar e, dali,  partindo em voos lentos, com bater de asas compassado.

Ali, no alto da torre, construíram o seu ninho, namoraram e estão criando, já, os filhotes.
 
Está assim, o Ribatejo e o Alentejo, cheios de ninhos e de cegonhas a anunciar o renascer do uma estação que está quase a aparecer nas páginas dos calendários.


(Terena - 2009)

terça-feira, 8 de março de 2011

CARNAVAL

Já passou e não se deu por ele. 

Pelo menos na cidade grande; nas ruas, nem um mascarado, nem uma serpentina, nem um papelinho, nem uma brincadeira...

A televisão mostrou os carnavais por aí, por Torres, por Loulé e, pelos vistos, também por Viseu; só que, em Viseu, não houve corso, não houve alegria, não houve tolerância, foi um Carnaval semi-privado, organizado pelo primeiro ministro, a cobrar 10 euros de entrada  sem direito a recibo, mas com direito a porrada, da boa, e de expulsão, a quem, pacificamente, queria mostrar desagrado por esta situação grave que todos (quase todos!) estamos vivendo. Mas como o homenzinho só gosta de elogios, de palmas e de subserviências, não tolera contrariedades ou apupos e, quando lhe cheira a alguma contestação, foge pela porta das traseiras e depois vem falar para as câmaras da televisão com a arrogância dos fracos, com a mentira costumeira.

Mas em Viseu o que se passou foi um Carnaval de vergonha, um Carnaval de enxovalho, um Carnaval de prepotência, um Carnaval de profunda ironia, um Carnaval de nojo a mostrar quem é aquele fulano.

Agora só espero que o Movimento Geração à Rasca, no próximo dia 12, consiga a força, crie o movimento, alerte a consciência de todos para expulsar os fariseus que nos puseram a todos à rasca, que nos estão a lixar a vida, que nos tramaram e nos vão tramar pelas próximas gerações, que estão a hipotecar o futuro dos nossos filhos, que estão a dar cabo da vida dos nossos idosos, das famílias com fracos recursos...

Nunca passei um Carnaval tão sério, tão apreensivo, tão triste, tão indignado.

segunda-feira, 7 de março de 2011

MANHÃ DE SOL

A noite tinha sido bem chuvada, tinha-a ouvido a cair forte, a bater nos vidros da janela do quarto, a acordá-lo no seu sono leve.

Mas a chuva deve ter-se esgotado ao amanhecer. É que o dia acordou cheio de sol, de chão molhado e lavado, de cheiro fresco e brisa suave. Parecia que uma daquelas senhoras da limpeza, tinha passado a esfregona na alvorada com um desses detergente que cheiram a primavera.

Quis aproveitar aquele abrir de portas de um dia luminoso e foi à procura do mar.

Estava-se bem na esplanada, protegida dos ventos e humidades por vidraças enormes que lhe permitiam ver o mar, os barcos a passar no rio, a ponte ao longe e o Cristo-Rei na outra margem.

Tinha levado o jornal e um livro pois não sabia quanto tempo iria ficar ali. A manhã apetecia, o sol iluminava e aquecia os corpos e ele não tinha mesmo nada que fazer.

Pediu uma tisana de verbena e lima, uma torrada, um copo de água e ali ficou. A torrada, bem tostada, deixou migalhas tentadoras em cima da mesa.

Não tardou muito tempo a aproximar-se, a experimentar o terreno. Primeiro um voo de reconhecimento, depois um poisar no encosto da cadeira da mesa ao lado, novo voo, um chilrear e, agora, poisou na cadeira em frente, a testar a reacção... sabia que ninguém lhe ia fazer mal, estava habituado a estes petiscos, às migalhas, porque ali, só mesmo migalhas ou, então, sementes, daquelas que cobrem os pães de mistura. 

Olhou à volta e viu que não era só ele, notou que havia mais pássaros, cada um, aparentemente, com o seu território. Apercebeu-se que se um pássaro se aproximava de outro, este vinha logo defender o seu lugar, a sua área. Lembrou-lhe os moedinhas de estacionamento, cada um na sua área e com agressões verbais ou empurrões quando aparece outro na zona. a roubar-lhe um lugar e uma moedinha, quase certa. 

Ambos à procura das migalhas dos outros.

Deu um salto de uma cadeira para outra, agora mais perto, apenas a um pulo da mesa e, sempre  de olho atento, começou a debicar as migalhas que se encontravam no tampo preto da mesa.

(Krugger park - África do Sul - 2006)

Um gesto para esboroar um pouco mais da torrada para lhe fazer mais migalhas e, de novo, um voo para longe, mais um pouso na cadeira e um regressar à mesa.

Por ali esteve até limpar tudo. Olhou para ele, quieto, uns dois segundos e partiu.


Foi para outra mesa, refastelar-se... encher-se de migalhas, agora de scones que aquele casal, ali ao lado, estava a comer, acompanhados de um chocolate quente, a fumegar!



domingo, 6 de março de 2011

FIM DE FESTA

A praça estava toda engalanada; havia muitos balões, muita cor, muita alegria, música a encher todos os espaços, bailes, marchas, fantasias e animação.

Durou dois dias, sempre dois dias, mas  dois dias bem vividos, festejados, dançados, brindados, bem comidos e bem regados.

Começam os festejos com os bombos e tambores, logo às sete horas da manhã, ensurdecedores no ruído, a acordar o sono mais pesado, a estremecer janelas, paredes e móveis, a fazer tilintar os copos nas prateleiras; são sempre 15 minutos assim. A chamar todos! Só depois do tocar dos bombos é que entra o pessoal para decorar a praça vazia: com os festões, os balões, o palco improvisado, as esplanadas com as mesas e as cadeiras, as bancas para as mostras e vendas do artesanato. As luzes e a instalação sonora, essas são colocadas de véspera, uma tarefa mais demorada, com mais exigência técnica, a pedir mais tempo do que as duas horas precisas para se montar o restante.

É que as festas aqui têm regras e horários: o acordar com os bombos às sete, quinze minutos de rufos e bombos à volta da praça, como se fora uma procissão, e só depois é permitida a entrada do pessoal para a montagem de tudo, em duas horas, não mais!

Às 9h 30 minutos é a abertura oficial, com o alcaide a presidir, numa cerimónia de pompa grotesca, pelo vestuário, pelo aparato, com foguetes a estalar no ar, com o discurso da praxe, sempre inflamado, sempre apelativo e a largada de pombos. Depois dá-se a partida para a corrida da légua, pelas ruas ali à volta, dentro dos limites daquele bairro, e chegada junto à porta norte da praça.

Praça que se vai enchendo de pessoas, de música, de canções, de artistas que mostram habilidades e reúnem à sua volta alguns curiosos, de vendedores que exibem e anunciam os seus produtos, de um encher de sons diferentes, de vozes, de gritarias,  tudo misturado, tudo confuso. 

À tarde são os ranchos, as bandas, as palhaçadas, os bailes, as peças de teatro, os grupos corais, os contadores de histórias...

Servem-se refeições a toda a hora, bebe-se em qualquer momento, as esplanadas sempre cheias, as cadeiras ocupadas, o cheiro a frango assado, a febras, e o fumo dos assadores a misturar-se com o dos cigarros e o dos charutos.

Pela noite dentro a animação dos bailes, das orquestras, do chá-chá-chá, dos boleros, dos tangos, das marchas populares, das kizombas... mais além uma cigana com castanholas ensaia um flamenco acompanhado com as palmas da assistência.

O fogo de artifício anuncia o fim do primeiro dia, a marcar a hora do silêncio até ao dia seguinte.

E de novo o barulho dos foguetes a acordar de mais um dia, a chamar o povo, para um quase repetir de tudo, desta vez sem corrida a pé, mas com jogos tradicionais na praça, com a subida do pau ensebado, com campeonatos de malha, o quebrar da bilha,  as corridas de saco, o festival de ilusionismo, o concurso de pregões e as quadras ao desafio.

Até que tudo acaba no fim, diz-se. 

Depois é o arrumar da festa, das mesas e cadeiras, o retirar das bancas, o desfazer do palco, o adeus aos balões e aos festões.

Finalmente os bombos e tambores a marcarem o termo a darem a volta à praça, de novo em procissão, mas agora em sentido inverso como a anunciar o fechar do ciclo que anualmente se repete.


(Bilbao  - 2008)

Desta vez, a chuva abundante, que apareceu no fim da festa, ajudou a lavar o chão e as paredes das casas deixando a praça limpa e lavada como se nada ali se passara.

sábado, 5 de março de 2011

A CAMÉLIA

Trouxera a cameleira ainda pequenina, num vaso. Tinha-lhe sido oferecida com a indicação de a plantar num local não muito exposto ao sol, apenas algumas poucas horas por dia, pois não gosta muito de temperaturas elevadas.

Escolheu um lugar onde ficou bem protegida, quer do frio excessivo do inverno, quer dos calores inclementes do verão, e foi crescendo, lentamente, num vagar muito seu, a consolidar o seu crescimento, a encher-se de folhas verdes, brilhantes, durante todo o ano e, cada inverno, a presentear-nos com flores brancas, da alvura da neve.

Nos primeiros anos, apenas apareciam uma ou duas flores, também era um arbusto pequeno, mas agora, que já ganhou mais volume, que já cresceu mais, as flores, de pétalas aveludadas, vão aparecendo em maior número, prolongando-se o florir por mais tempo, embelezando o local-recanto onde está colocada.

(Camélia . Março de 2007)

A camélia lembrou-lhe a letra de uma marchinha-canção brasileira, de 1938, da autoria de Benedito Lacerda e Humberto Porto, muito apropriada a esta época de Carnaval

Oh! Jardineira
Porque estás tão triste?
Mas o que foi que te
aconteceu?

Foi a camélia

Que caiu do galho
Deu dois suspiros
E depois morreu

Vem jardineira

Vem meu amor
Não fique triste
Que este mundo
É todo teu
Tu és muito mais bonita
Que a camélia
Que morreu



Pode ver-se em vídeo no youtube:

http://www.youtube.com/watch_popup?v=D2qluktV5eA&vq=medium