Lá volto eu ao tempo!
Eu, que não quero ser escravo do tempo, deixo-me escravizar na escrita e, quando dou por ela estou, outra vez, a falar dele.
Hoje não vou dissertar sobre a temporalidade, sobre a 4ª dimensão, ou a teoria da relatividade, mas sobre a ampulheta, aquele objecto de vidro com areia no seu interior.
A ampulheta de areia foi um dos instrumentos de que os homens se serviram para marcar o tempo. Duas ampolas ou âmbulas de vidro, ligadas entre si por um orifício estreito por onde passa, de uma âmbula para outra, a areia contida no seu interior.
Vira-se a ampulheta e a areia lá vai passando por aquele aperto no vidro, escorrendo como um fio, até se acabar. Cada ampulheta tem o seu tempo determinado que depende do tamanho dos grãos de areia, e que deve ser uniforme; depende, também, da quantidade da mesma e do volume da ampulheta e, finalmente, do diâmetro do orifício de passagem.
Quando a areia se esgota na âmbula superior, vira-se a ampulheta e tudo recomeça de novo, a demorar o mesmo tempo, exactamente.
Um vira e vira até quando se quiser. Pena a ampulheta não regular o tempo. Era bom! Sempre que quisesse que o tempo parasse, não virava a ampulheta e pronto. Tudo se suspendia, tudo parava... e valia a pena?
Que adiantava parar o tempo? Parar o tempo é como parar a vida, e a vida morria; parava a Terra, e o mar deixava de ter marés, as sombras aquietavam, os pássaros não voavam, a fruta não amadurecia, a voz não saía, a vista não via e eu não ouvia.
E agora que faço? Viro a ampulheta, ou deixo o tempo parado?
Não posso deixar o tempo parar...