quarta-feira, 31 de outubro de 2012

CARNE VIVA




Ficam assim, em carne viva, os troncos destas árvores nobres e nacionais.
 
Faz parte do seu ritual de vida!
 
Cada nove anos chegam os homens e, como num cerimonial cirúrgico, vão dispondo os instrumentos de corte, encostando os escadotes ao tronco, calçando luvas de pele, colocando os capacetes de protecção e, às ordens do responsável, começam a cortar, selectivamente, a cortiça daqueles troncos erectos, imponentes, senhoriais!
 
Tiram-lhes a casca - a cortiça -, um dos materiais mais nobres da natureza arborícola, e as árvores vão ficando despidas, de tronco sangrante, em carne viva. 
 
Ao olhar as árvores, assim nuas, despidas da sua cortiça, com o tronco da cor do sangue vivo, lembrou-se do país, da governação, da troyka, dos políticos que, cada dia, vão arrancando a pele às pessoas, delapidando os contribuintes, numa atitude cirúrgica, bem escalpelizada e radical, deixando as feridas, bem à mostra, como carne viva, não perdoando nem um bocadinho de pele para se fazer qualquer enxerto.
 
Os sobreiros, esses, vão regenerando nova pele, cortiça nova, fresca e de boa qualidade. Isto porque os homens, os que sabem tratar das árvores, apenas lhes tiram parte da casca,  para não a matarem, nem mexem nas raízes, não alterando a seiva e, por isso, apesar de ficarem com o tronco em carne viva, os sobreiros recuperam rápido...
 
Mas os outros homens, os da economia, das finanças, da governação e da política arrancam-nos a pele quase toda, cortam-nos os alimentos do corpo e da alma, roubam-nos a esperança, aquilo que ainda resta da seiva que nos alimenta, considerando-nos como árvores condenadas, árvores das quais aproveitarão até a sombra, enquanto tiverem folhas.

Mas este povo lusitano, como estes sobreiros nobres e lusos, nunca se irá vergar a esta gente e, se tiver que morrer, será de pé, como as árvores!
 


(DO AUTOR - NA SERRA DE SÃO MAMEDE - SOBREIROS ACABADOS DE SEREM DESCORTIÇADOS)






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terça-feira, 30 de outubro de 2012

SIMETRIAS



Eram quase perfeitas, as simetrias conseguidas!

A água quieta servia de espelho e as plantas - que emergiam de dentro dela e se prolongavam para o céu ou mergulhavam, de novo, naquela água parada - eram os riscos daquele desenho simples que se repetia, ao invés, como uma verdadeira simetria.

Um palíndromo de riscos e rabiscos e não de letras, ou palavras!

E só,
Quando a água começar a secar,
Ou o charco voltar,
De novo,
A se inundar,
Ou a chuva, então, salpicar
Aquela superfície brilhante e molhada,
É que a simetria desaparece
Perdendo o encanto
Que salta à vista enquanto é,
Assim,
Olhada!





(DO AUTOR - AS SIMETRIAS NUM CHARCO DA SERRA DE SÃO MAMEDE)




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segunda-feira, 29 de outubro de 2012

AMORAS





Nos muitos caminhos da Serra, quase abandonada, as silvas vão cobrindo os muros velhos, em ruínas, formando sebes intransponíveis, entrelaçando os ramos cobertos de espinhos afiados, agressivos e tecendo rendas que guardam, no interior da sua malha, defendidos, cachos de amoras negras e cor de rubi.

Ferem-se as mãos, picam-se os dedos, risca-se a pele... mas vale a pena a mão cheia daqueles frutos delicados e aromáticos!

E, ao deixarem-se derreter na boca, lentamente, uma a uma, vão libertando densos sabores que lembram a marmelada, as compotas e os doces, o lume da lareira, o chiar da panela de ferro, as castanhas assadas, a jeropiga e a água pé dos outonos que começam a chegar trazendo os frios, tornando os dias mais curtos, antecipando o anoitecer, pedindo mantas e a envolvência de uma música, mansa e morna, que nos deixe, suavemente, adormecer... 


 
(DO AUTOR - AS AMORAS DE SÃO BENTO PRISIONEIRAS DAS SILVAS AGRESSIVAS)





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domingo, 28 de outubro de 2012

EFÉMERO



"A ÁGUA da chuva desce a ladeira.
É uma água ansiosa.
Faz lagos e rios pequenos, e cheira
A terra ditosa.

Há muitos que contam a dor e o pranto
De o amor os não qu'rer...
Mas eu, que também não os tenho, o que canto
É outra coisa qualquer."

Fernando Pessoa, A Chuva Desce a Ladeira.


(DO AUTOR - A ÁGUA DA CHUVA A DESCER A LADEIRA DA SERRA DE SÃO MAMEDE)






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sábado, 27 de outubro de 2012

SE DESTE OUTONO



"Se deste outono uma folha,
apenas uma, se desprendesse
da sua cabeleira ruiva,
sonolenta,
e sobre ela a mão
com o azul do ar escrevesse
um nome, somente um nome,
seria o mais aéreo de quantos tem a terra,
a terra quente e tão avara
de alegria."

Eugénio de Andrade, in Obra Poética - Se Deste Outono...



(DO AUTOR - AS CORES DO OUTONO A ENCHEREM A PAISAGEM DE NOSTALGIA - SERRA DE SÃO MAMEDE)




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sexta-feira, 26 de outubro de 2012

NUVENS E AVES



(DO AUTOR - NUVENS E AVES SACUDIDAS PELO VENTO NA SERRA DE SÃO MAMEDE)



"Sacode as nuvens que te poisam nos cabelos,
Sacode as aves que te levam o olhar.
Sacode os sonhos mais pesados do que as pedras.

Porque eu cheguei e é tempo de me veres,
Mesmo que os meus gestos te trespassem
De solidão e tu caias em poeira,
Mesmo que a minha voz queime o ar que respiras
E os teus olhos nunca mais possam olhar."


Sophia de Mello Breyner Andresen, SACODE AS NUVENS.



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quinta-feira, 25 de outubro de 2012

BIBLIOTECA



Achei lindo este poema de um autor argentino, Roberto Juarroz, e faz parte da sua "Poesía Vertical".
"Además" o castelhanho "argentinizado" entende-se bem!

 (DO AUTOR - PARTE DA BIBLIOTECA ERNESTO DO CANTO, PONTA DELGADA, SÃO MIGUEL, AÇORES)

La biblioteca 

El aire es allí diferente.
Está erizado todo por una corriente
Que no viene de este o aquel texto,
Sino que los enlaza a todos
Como un círculo mágico.
El silencio es allí diferente.
Todo el amor reunido, todo el miedo reunido,
Todo el pensar reunido, casi toda la muerte,
Casi toda la vida y además todo el sueño
Que pudo despejarse del árbol de la noche.
Y el sonido es allí diferente.
Hay que aprender a oírlo
Como se oye una música sin ningún instrumento,
Algo que se desliza entre las hojas,
Las imágenes, la escritura y el blanco.
Pero más allá de la memoria y los signos que la imitan,
Más allá de los fantasmas y los Ángeles que copian la memoria
Y desdibujan los contornos del tiempo,
Que además carece de dibujo,
La biblioteca es el lugar que espera.
Tal vez sea la espera de todos los hombres,
porque también los hombres son allí diferentes.
O tal vez sea la espera de que todo lo escrito
Vuelva nuevamente a escribirse,
Pero de alguna otra forma, en algún otro mundo,
Por alguien parecido a los hombres,
Cuando los hombres ya no existan.
O tal vez sea tan solo la espera
De que todos los libros se abran de repente,
Como una metafísica consigna,
Para que se haga de golpe la suma de toda la lectura,
Ese encuentro mayor que quizá salve al hombre.
Pero, sobre todo, la biblioteca es una espera
Que va más allá de letra,
Más allá del abismo.
La espera concentrada de acabar con la espera,
De ser más que la espera,
De ser más que los libros,
De ser más que la muerte.


Juarroz, Roberto.



quarta-feira, 24 de outubro de 2012

ESTACIONAMENTO DE LUXO


A placa não engana: LUGAR DE ESTACIONAMENTO DO BLOCO DE ESQUERDA.

O carro, uma limusina, também não engana: JAGUAR, e dos caros, porque até o mais barato é muito caro.

É assim a realidade da nossa política, dos nossos políticos...

Pregam uma coisa e praticam outra, tipo "ouve o que eu te digo e não olhes para o que eu faço".

Um deputado socialista, Francisco Assis (até tem nome de santo!), escandalizou-se perguntando se "qualquer dia querem que o presidente do grupo parlamentar do PS ande de Clio?" (um carro da gama média/baixa da Renault), na sequência das críticas feitas ao grupo parlamentar do PS por ter comprado quatro carros (de luxo) por 210.000 euros.

Tudo pago, não do bolso deles, mas com o dinheiro dos nossos impostos, estes, sim, de verdadeiro luxo!

(DE ANA AMARAL MARQUES - FOTO TIRADA NA RUA COM UM IPHONE SEM TRUCAGEM OU ARRANJO))

Mais palavras para quê? 

São políticos e deputados portugueses...

É preciso dizer mais?

Sim! BASTA!

 (E não me venham dizer que o carro é dum fascista de direita que, abusivamente, veio ocupar o lugar de estacionamento do Clio do presidente - ou dono ou, lá o que é - do Bloco de Esquerda!)  

 
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terça-feira, 23 de outubro de 2012

VINDIMA


Já se fizeram há algum tempo, as vindimas!

Agora, resta a vinha vindimada, sem cachos de uvas tintas, mas cheia de parras vermelhas, a preencher a paisagem da encosta, a deixar o olhar preso àquela mancha rubra, confiante, bonita, de sonho...


" O que é bonito neste mundo, e anima,
É ver que na vindima
De cada sonho
Fica a cepa a sonhar outra aventura...
E que a doçura
Que não se prova
Se transfigura
Numa doçura
Muito mais pura
E muito mais nova..."

Miguel Torga - Confiança


(DO AUTOR - VIDEIRAS VINDIMADAS NA SERRA DE SÃO MAMEDE)



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segunda-feira, 22 de outubro de 2012

OURIÇOS

Ei-los, bem verdes, formando cachos de bolas com espinhos bem afiados, guardando um tesouro, bem saboroso!
 
E, enquanto, no seu interior, o fruto amadurece, enquanto está em formação, os ouriços mantêm-se bem fechados, bem afiados, vigilantes, desafiando qualquer mão ou dedos mais afoitos.
 
Depois, perto do nascimento, os ouriços vão mudando a sua cor para castanho, abrindo-se lentamente, para deixar sair o fruto da sua gestação, num parto aparentemente indolor.
 
E a castanha solta-se, luzidia, brilhante, na cor que lhe dá o nome.
 
O São Martinho aproxima-se, o Outono já trouxe as chuvas e algum frio, as casas pedem lareiras acesas e a água-pé está pronta para o Magusto.
 
Que venham as castanhas assadas, a estalar a pele, a soltarem-se da casca acinzentada pela brasa do carvão... Quentes e boas!
 

(DO AUTOR - OURIÇOS NA SERRA DE SÃO MAMEDE)




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domingo, 21 de outubro de 2012

VERDE FOI MEU NASCIMENTO


"Verde foi meu nascimento
E de luto me vesti
Para dar a luz ao mundo
Mil tormentos padeci..."

Uma das milhares de adivinhas da nossa infância.


(DO AUTOR - AZEITONAS VERDES E NEGRAS NA SERRA DE SÃO MAMEDE)








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sábado, 20 de outubro de 2012

AFIRMAÇÃO

Foi encontrá-lo, quase perdido no meio de nada, no profundo do Alentejo, depois de um longo caminho a pé, difícil de percorrer.

Forte, erecto, rígido, determinado, a apontar o céu, a mostrar pujança, a mostrar aos homens que, naqueles tempos da pré-história, a afirmação não precisava de subterfúgios, de comprimidos azuis, ou de outra coisa qualquer.

Testemunho solitário de uma virilidade que quase parece esquecida!

(DO AUTOR - MENIR DOS ALMENDRES - ÉVORA)


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sexta-feira, 19 de outubro de 2012

ATHANÁSIO

Fica na rua da Sé, em Angra do Heroísmo, a Pastelaria Athanásio.

É um estabelecimento com mais de cem anos de história, mas só a partir de 1945 adquiriu o nome de Pastelaria Athanásio.

Primitivamente era um café, o "Café Matezinho", da propriedade de um tal Mateus da Rosa Júnior que deu o nome à pastelaria e café que, naquela época, era muito frequentado pela sociedade Angrense, sendo ponto de encontro "obrigatório" de artistas que vinham de visita a Angra, bem como dos terceirenses aficcionados pela festa brava. O próprio senhor "Matezinho" era um exímio cavaleiro amador e um excelente adestrador de cavalos.

Foi o Sr. Francisco Ávila de Vasconcelos, que tinha um estabelecimento "A Havaneza", quem fundou a   pastelaria que, por sua morte, passou ao seu filho Athanásio, com o nome de PASTELARIA ATHANÁSIO. Este, após a morte do tal senhor de Matezinho, foi ocupar o espaço do café, aumentando, assim, a área da pastelaria. Esta casa sempre se dedicou ao fabrico de bolos e doçarias regionais - os doces do Athanásio - cuja fama é reconhecida desde longa data. E não só os doces como o café e os chás e tisanas de todo o mundo.

(DO AUTOR - A PASTELARIA ATHANÁSIO, NA RUA DA SÉ, EM ANGRA DO HEROÍSMO - ILHA TERCEIRA - AÇORES)

Actualmente, o espaço é propriedade de um antigo empregado e gerente José Gaspar de Lima que mantém a tradição da pastelaria não só pela qualidade e diversidade dos doces regionais, mas nas cores originais do espaço.



quinta-feira, 18 de outubro de 2012

OLHA

Fez-lhe lembrar o "Pára, Escuta e Olha" das passagens de nível sem guarda, aquele "OLHA".

Um OLHA de chamada de atenção, um OLHA de prevenção, um OLHA de cuidado!

Mas ele preferia, mil vezes, o OLHA o mar à tua frente, o OLHA a vida que deves saborear, o OLHA para ti mas, sobretudo também, o OLHA para os outros, o OLHA para a frente e para os lados e não para o umbigo, um OLHA atento, como o do pássaro que OLHA a objectiva da câmara fotográfica com toda a atenção!


(DO AUTOR - TERRA ESTREITA - ALGARVE)




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quarta-feira, 17 de outubro de 2012

MAR VERDE



Mar de chumbo, mar cinzento,
Mar opaco.
Mar presente,
Mar jovem, adolescente...


Mar tão verde, verde mar,
Mar tão cheio
E tão profundo.
Mar profano, vagabundo...


Mar verde, de esmeralda.
Bailam ondas,
Dança morna.
Mar que vai e não retorna...

Mar de sonho, mar que fala,
Mar que ruge,
Mar que canta,
Mar que chora e s'aquebranta...

Mar traidor, inesperado,
Mar amigo, mar sem fim,
Mar eterno, mar amado,
Meu mar de mim... 



(DO AUTOR - O MAR DA ANTÁRCTIDA)





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terça-feira, 16 de outubro de 2012

LIBERDADE


"- Liberdade, que estais no céu...
Rezava o padre-nosso que sabia,
A pedir-te, humildemente,
O pio de cada dia.
Mas a tua bondade omnipotente
Nem me ouvia.

- Liberdade, que estais na terra...
E a minha voz crescia
De emoção.
Mas um silêncio triste sepultava
A fé que ressumava
Da oração.

Até que um dia, corajosamente,
Olhei noutro sentido, e pude, deslumbrado,
Saborear, enfim,
O pão da minha fome.
- Liberdade, que estais em mim,
Santificado seja o vosso nome."


Miguel Torga, in Diário XII - Liberdade.


(DO AUTOR - VOANDO EM LIBERDADE SOBRE OS MARES DA ANTÁRTIDA)













segunda-feira, 15 de outubro de 2012

VISITA


"Fui ver o mar.
Homem de pólo a pólo, vou
De vez em quando olhá-lo, enraizar
Em água este Marão que sou.

De penedia triste
Pus-me a olhar aquele fundo
Dentro do qual existe
O coração do mundo.

E vi, horas a fio,
A sua angústia ser
Uma espécie de rio
Que não sabe correr."

Miguel Torga, in Antologia Poética, Visita.



(DO AUTOR - O MAR MEDITERRÂNEO)





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domingo, 14 de outubro de 2012

MAR SOLITÁRIO

SOLIDÃO

"Estás todo em ti, mar, e, todavia,
como sem ti estás, que solitário,
que distante, sempre, de ti mesmo!

Aberto em mil feridas, cada instante,
qual minha fronte,
tuas ondas, como os meus pensamentos,
vão e vêm, vão e vêm,
beijando-se, afastando-se,
num eterno conhecer-se,
mar, e desconhecer-se.

És tu e não o sabes,
pulsa-te o coração e não o sente...
Que plenitude de solidão, mar solitário!"

Poema SOLIDÃO, de Juan Ramón Jiménez , in "Diário de Un Poeta Reciencasado"



(DO AUTOR - O ATLÂNTICO VISTO DA COSTA OCIDENTAL PORTUGUESA)




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sábado, 13 de outubro de 2012

QUEIMADA

Juntam-se ramos de árvores já secos, folhas de carvalho que se apanharam do chão, muita caruma de pinheiro, silvas acabadas de cortar (algumas ainda com amoras), ervas do mato secas, fetos, ramos de medronheiro, algumas pinhas, ouriços já castanhos, faz-se um amontoado de tudo e, com um fósforo, chega-se-lhe o fogo...  Demora a pegar mas, ao fim de algum tempo, e ajudado pela brisa suave vinda do poente, o fogo começa a mostrar as labaredas que se insinuam por entre as folhas e a erva aparecendo, quase ao mesmo tempo, aquele fumo forte, que brota em rolos, cheio de cinzas e de aromas...

(DO AUTOR - A QUEIMADA NA QUINTA DA PROSA, HOJE)

É o outono a dar cheiro aos campos, o fumo a purificar a mata, o chão a libertar-se dos restos secos do verão, a terra a preparar-se para a hibernação dos frios que hão-de vir.




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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

VAZIO

Ainda há pouco tempo transbordava vida e, agora, está vazio, sem vida...

(DO AUTOR - NINHO DE CEGONHA - ORTIGA)

... a sugerir o Portugal daqui a uns tempos, vazio de tudo, de ideias, de pessoas... e morto, ou antes, assassinado por esta corja de gente que nos vai atrofiando e definhando cada dia.



quinta-feira, 11 de outubro de 2012

DESTROÇOS



"O MUNDO JÁ CAIU, SÓ ME RESTA DANÇAR SOBRE OS DESTROÇOS"

Clarice Lispector


(DO AUTOR - CAMÉLIA DESTROÇADA)




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quarta-feira, 10 de outubro de 2012

CHAPARRO



Abriu os ramos como se estivesse a espreguiçar-se, ao acordar de mais um dia deste outono, ainda cheio de verão...


(DO AUTOR - NO ALENTEJO AO NASCER DO SOL)




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terça-feira, 9 de outubro de 2012

BEIJO





"Trocaria a memória de todos os beijos que me deste por um único beijo teu. E trocaria até esse beijo pela suspeita de uma saudade tua, de um único beijo que te dei."

Miguel Esteves Cardoso



(DO AUTOR - O BEIJO DE GUSTAV KLIMT NUMA TAPEÇARIA GOBELIN, EM GHENT - BÉLGICA)






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segunda-feira, 8 de outubro de 2012

PÁLIDAS SOMBRAS, AS ROSAS





(DO AUTOR - UMA NOITE, EM CAMINHA)





"Elas são vaporosas,
Pálidas sombras, as rosas
Nadas da hora lunar...

Vêm, aéreas, dançar
Com perfumes soltos
Entre os canteiros e os buxos...
Chora no som dos repuxos
O ritmo que há nos seus vultos...

Passam e agitam a brisa...
Pálida, a pompa indecisa
Da sua flébil demora
Paira em auréola à hora...

Passam nos ritmos da sombra...
Ora é uma folha que tomba,
Ora uma brisa que treme
Sua leveza solene...

E assim vão indo, delindo
Seu perfil único e lindo,
Seu vulto feito de todas,
Nas alamedas, em rodas,
No jardim lívido e frio...

Passam sozinhas, a fio,
Como um fumo indo, a rarear,
Pelo ar longínquo e vazio,
Sob o, disperso pelo ar,
Pálido pálio lunar..." 

Fernando Pessoa, in Cancioneiro - Minuete invisível














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domingo, 7 de outubro de 2012

PUDESSE EU




"Pudesse eu não ter laços nem limites
Ó vida de mil faces transbordantes
Para poder responder aos teus convites
Suspensos na surpresa dos instantes".

Sophia de Mello Breyner Andresen, in Poesia, Antologia - Pudesse eu.





(DO AUTOR - PERFIL DA SERRA DA ESTRELA AO ENTARDECER)




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sábado, 6 de outubro de 2012

O 5 DE OUTUBRO DA VERGONHA

Hoje falo na primeira pessoa e é por vergonha que o faço:

Vergonha de ter uns dirigentes como aqueles que tenho.

Vergonha por, esses dirigentes, terem impedido que o povo se pudesse manifestar no seu apoio à causa da República, como sempre foi feito, na sua sala de visitas que é a Praça do Município onde, no dia 5 de Outubro de 1910, foi declarada a República. Certamente que foi por medo deste povo, o mesmo povo que o ministro das Finanças, ainda há poucas horas, tinha denominado como "o melhor povo do mundo". Foram expressivas as imagens, nas televisões, das barreiras policiais, e de polícias com metralhadoras nos telhados dos edifícios... Apenas duas mulheres conseguiram furar o cordão policial, no Pátio da Galé, quando o Cavaco Silva fazia o seu discurso, quase em privado, para uma assistência seleccionada: uma mulher, de 57 anos, que gritou do fundo da sala, desesperada, porque não sabe o que fazer com a "choruda" pensão de 227 euros que recebe cada mês; a outra, uma cantora lírica, que se pôs a cantar, com a música "Firmeza" de Fernando Lopes-Graça, um poema de Cochofel - "Não seja o travor das lágrimas / capaz de embargar-te a voz; / que a boca a sorrir não mate / nos lábios o brado de combate. / Olha que a vida nos acena para além da luta. / Canta os sonhos com que esperas, / que o espelho da vida nos escuta."

Vergonha pela forma como o Cavaco Silva abandonou, prontamente, a sala saindo às escondidas por uma porta lateral.
(TIRADA DA NET)

Vergonha por ter um governo que resolve eliminar um feriado tão importante para a República, como o do seu próprio dia.

Vergonha por ter um primeiro-ministro do governo desta República que, na comemoração do seu 102º aniversário, vai para fora do país.

Vergonha pela vergonha que sinto por tudo isto e pelo que ainda nos vai acontecer.



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sexta-feira, 5 de outubro de 2012

PRISIONEIROS

É assim que nos sentimos todos - trabalhadores, pensionistas que trabalharam toda a vida, idosos, desempregados, jovens sem futuro... - prisioneiros, sem possibilidade de fuga, numa imensa prisão que se chama Portugal.



(DO AUTOR - ARQUEOLOGIA INDUSTRIAL - ILHA DO FAIAL, AÇORES)




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quinta-feira, 4 de outubro de 2012

NÃO SEI O QUE DISSE... MAS CALCULO!

 Deve ter sido, mais ou menos, assim:

(O MINISTRO DAS FINANÇAS, VÍTOR GASPAR - IMAGEM DO GOOGLE MODIFICADA PELO AUTOR)

...

Provavelcertamente foi dizer que temos que fazer mais sacrifícios.

Provavelcertamente foi dizer que vai ter que aumentar os impostos.

Provavelcertamente foi dizer que vai continuar a haver mais desemprego.

Provavelcertamente foi dizer que vamos ter, ainda, mais dificuldades para mantermos a nossa dignidade.

Provavelcertamente foi dizer que nos vai meter, ainda mais, a mão nos bolsos.

Provavelcertamente foi dizer que não vai mexer nos milhões que são canalizados para as fundações que continuam a exaurir o dinheiro que é de todos e que todos pagamos.

Provavelcertamente foi dizer que não mexe nas reformas chorudas dos deputados, dos ex-governantes, dos ex-políticos, nem dos gestores da banca, nem dos pluri-ex-administradores de empresas do estado, que todos pagamos.

Provavelcertamente foi dizer, de forma velada, lenta, pausada e subreptícia que o povo que pague a crise porque os ricos, coitados, precisam do dinheiro para alimentarem as suas fortunas.

Provavelcertamente foi dizer...

                                                                                                   ... Por favor, não diga mais! 


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quarta-feira, 3 de outubro de 2012

OUTONAL



Outonal


"Caem as folhas mortas sobre o lago;
Na penumbra outonal, não sei quem tece
As rendas do silêncio... Olha, anoitece!
- Brumas longínquas do País Vago...

Veludos a ondear... Mistério mago...
Encantamento... A hora que não esquece,
A luz que pouco a pouco desfalece,
Que lança em mim a bênção dum afago...

Outono de crepúsculos doirados,
De púrpuras, damascos e brocados!
- Vestes de terra inteira de esplendor!

Outono das tardinhas silenciosas,
Das magníficas noites voluptuosas
Em que soluço a delirar de amor..."

Florbela Espanca, Charneca em Flor, in Poesia Completa



(DO AUTOR - QUINTA DA PROSA NO OUTONO)





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terça-feira, 2 de outubro de 2012

NÃO FORA O SOL


Quase ia tropeçando naquela planta, ou passando-lhe com o pé, bem por cima, pisando-a. Uma planta bem viva, ainda pequenina, a rebentar de um chão feito de pedras inanimadas.

Não fora o sol do fim da tarde a prolongar-lhe a sombra, a inclinação da luz a acentuar-lhe o verde, tornando-a mais visível e, certamente, aquela planta teria morrido esmagada sob a sola das botas rudes e pesadas que levava nos pés.

Estranho, nascer nesta época de fim de ciclo, na altura da queda das folhas, do desembaraçar dos ramos das árvores, do murchar do mundo vegetal.

De certeza que a semente estava já a aquietar-se para o inverno frio, que costuma ser, a esconder-se da luz, sob a protecção daquelas pedras, à espera de uma primavera prometida para mais tarde... Mas não foi assim que aconteceu!

Depois daqueles dias de chuvas e do fresco a anunciar o outono, o tempo quente voltou a aparecer enganando a semente que, ao sentir o calor das pedras protectoras, começou a germinar com força, iludida pela falsa primavera acontecida.

Por enquanto não deu pelo engano e lá vai crescendo, destemida e ousada, no meio daquele deserto de pedras soltas, a afirmar-se oásis de vida e de verdura.

Veremos até quando...


(DO AUTOR - ALGURES EM SINTRA)





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segunda-feira, 1 de outubro de 2012

IGNORANTES

Estava ali! 

No meio do barulho, do desconforto provocado por aquela gente toda, das conversas que o incomodavam, dos comentários que não gostava de ouvir, dos atropelos ao bom-senso, da sobranceria, da mediania de opiniões, de frases lapidares...

E não podia fugir! 

Bastava abrir um jornal, ouvir as notícias na rádio, ligar a televisão na hora dos telejornais ou assistir a um confronto de ideias qualquer...

Estava farto!

De ouvir catedráticos a chamar ignorantes aos empresários, de ouvir empresários a dizer que não queriam nas suas empresas catedráticos daqueles, de assistir a debates feitos de teorias nunca experimentadas...

Saturado!

De medidas para isto, de aumentos de aquilo, de mentiras quase sempre, de conversas de muita treta, de desmentidos desconvictos, do "diz que disse mas não disse"...

Furioso!

Com as fundações, as parcerias, os assessores, os sugadores, os paraísos fiscais...

(DO AUTOR - NO TEJO, FRENTE À BAÍA DE CASCAIS, NUMA TARDE DE VERÃO - 2012)
Se pudesse!

Fugia, partia por aí fora, ia embora, arrumava as saudades numa caixa de sapatos, deixava que o vento o levasse e, num porto qualquer, o deixasse, longe daqui, longe disto, longe destes ignorantes...



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