domingo, 30 de setembro de 2012

QUASE UM POEMA DE AMOR





(DO AUTOR - VARIAÇÕES SOBRE ÁGUA - AÇORES - SÃO MIGUEL - FURNAS - 2006)



"Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor.
E é o que sei fazer com mais delicadeza!
A nossa natureza
Lusitana
Tem essa humana
Graça
Feiticeira
De tornar cristal
A mais sentimental
E baça
Bebedeira.

Mas ou seja que vou envelhecendo
E ninguém me deseje apaixonado,
Ou que a antiga paixão
Me mantenha calado
O coração
Num íntimo pudor,
- Há muito tempo já que não escrevo um poema
De amor."

Miguel Torga, in Diário V, Quase um poema de amor.


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sábado, 29 de setembro de 2012

GRAÇAS



"De quantas graças tinha, a Natureza
Fez um belo e riquíssimo tesouro,
E com rubis e rosas, neve e ouro,
Formou sublime e angélica beleza.

Pôs na boca os rubis, e na pureza
Do belo rosto as rosas, por quem mouro;
No cabelo o valor do metal louro;
No peito a neve em que a alma tenho acesa.

Mas nos olhos mostrou quanto podia,
E fez um sol, onde se apura
A luz mais clara que a do claro dia.

Enfim, Senhora, em vossa compostura
Ela a apurar chegou quanto sabia
De ouro, rubis, neve e luz pura".


Luís de Camões - Sonetos


(DO AUTOR - VARIAÇÕES SOBRE ÁGUA - AÇORES - SÃO MIGUEL - PARQUE DAS FURNAS - 2006)




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sexta-feira, 28 de setembro de 2012

JOANINHA VOA VOA

E vieram à memória as lenga-lengas sobre a Joaninha:



(DO AUTOR)
Joaninha voa voa
Que o teu pai foi a Lisboa
Com um saco de dinheiro
P'ra pagar ao sapateiro

Joaninha voa voa
Que o teu pai foi para Lisboa
Com um saco de farinha
Para ti, ó Joaninha.

Ou, então:

Joaninha voa voa
Que o teu pai está em Lisboa
A tua mãe no moinho
A comer pão com toucinho.

Joaninha voa voa
Que o teu pai está em Lisboa
Com um rabinho de sardinha
Para comer, que mais não tinha...

Joaninha voa voa
Que o teu pai foi p'ra Lisboa
Voa, Joaninha voa
Qu'eu te darei pão e broa
Voa voa, Joaninha
Leva cartas p'ra Lisboa
Enfiadas numa linha.

Ou, numa versão do Eduardo Olímpio e Paco Bandeira:

Joaninha avoa avoa, que o teu pai foi para Lisboa
Joaninha avoa avoa, a trabalhar
Joaninha avoa avoa, que o teu pai foi para Lisboa
com os teus olhos no olhar.

Levou o saco de linho
com a rosa que bordaste
uma enxada e um ancinho
e o farnel que lhe amanhaste

Joaninha avoa avoa, que o teu pai está em Lisboa
Joaninha avoa avoa, a trabalhar
cava tuneis, avenidas
ergue casas coloridas para a cidade morar

Para a cidade morar
nele já moram saudades
da tua cara gaiata
do sol que há no teu voar

Joaninha avoa avoa, que o teu pai foi para Lisboa
Joaninha avoa avoa, a trabalhar
Joaninha avoa avoa, que o teu pai está em Lisboa
em Lisboa a emigrar

Não enxerga o que se fala
cada grito é uma bala
dentro do peito a queimar.

Joaninha avoa avoa, que o teu pai morre em Lisboa
devagar.

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quinta-feira, 27 de setembro de 2012

A FLOR MURCHA



Nasceu de um gomo, de um parto quase violento, que libertou uma quantidade imensa de pétalas brancas, compridas, como dedos finos e delicados, que ficaram a coroar a haste verde durante todo o verão.

Linda que era, a flor...

E reinou, no meio do jardim, bem acima de tudo, a mostrar a sua coroa, a afirmar a sua nobreza, a chamar a atenção das abelhas, a cativar olhares, a despertar cobiças nas outras flores, mais rasteiras, mais modestas mas, também, flores.

Reinou enquanto pode, afirmou-se enquanto conseguiu, chamou a atenção das abelhas enquanto teve pólen, cativou enquanto deslumbrou até que, chegada a altura, começou a perder os dedos brancos, que foram amarelecendo, tornando-se grossos e encurvados, caindo no chão, atapetado de humildes florinhas cheias de cor...

E a flor, agora, em fim de estação, sem graça, a murchar no dia-a-dia, recolhe-se no anonimato e no quase desespero de se sentir ignorada e não olhada por ninguém, a fazer lembrar gente que se foi enchendo de importância, de balofice, encostada a um oportunismo de momento, frágil, inconsistente e inconsequente e que, por terem acontecido mudanças, por se terem alterado circunstâncias ou mudado apoios, voltam a ser as lesmas, invertebrados rastejantes, que lhe estão na massa do próprio sangue; não no carácter porque o não têm! 



(DO AUTOR - AGAPANTO (OU COROA DE HENRIQUE) EM FIM DE ESTAÇÃO)




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quarta-feira, 26 de setembro de 2012

AS FLORES




(DO AUTOR - AS FLORES PURAS DE UMA MANHÃ FUTURA)
"Era preciso agradecer às flores
Terem guardado em si,
Límpida e pura,
Aquela promessa antiga
De uma manhã futura."


Sophia de Mello Breyner Andresen - in, Obra Poética - No Tempo Dividido - As Flores.




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terça-feira, 25 de setembro de 2012

AQUELA NUVEM





(DO AUTOR - NUVEM EM SÃO MIGUEL - AÇORES)



"- É tão bom ser nuvem,
ter um corpo leve,
e passar, passar.

- Leva-me contigo.
Quero ver Granada.
Quero ver o mar.

- Granada é longe,
o mar é distante,
não podes voar.

- Para que te serve
ser nuvem, se não
me podes levar?

- Serve para te ver.
E passar, passar.

Eugénio de Andrade - Aquela nuvem.


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segunda-feira, 24 de setembro de 2012

AURORA



(DO AUTOR - NUMA PAREDE DO RESTAURANTE SEM FIM, EM TELHEIRO)


"Vejo a aurora e o prognóstico que o sol vai nascer. O que vejo é presente, o que anuncio é futuro. Não é o sol que é futuro porque esse já existe, mas sim o seu nascimento que ainda não se realizou. Contudo, não poderia prognosticá-lo sem conceber também, na minha imaginação, o mesmo nascimento, como agora faço, quando isto declaro. Mas nem aquela aurora que eu vejo no céu e que precede o aparecimento do sol, nem aquela imagem formada no meu espírito, são o mesmo, nascimento do sol, ainda que, para se predizer este futuro, se devam enxergar a aurora e a sua imagem como presentes".


Santo Agostinho, in Confissões, XI, Cap. 18, 283





(DO AUTOR - A IMAGEM DA AURORA)







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domingo, 23 de setembro de 2012

CHUVA

Desta vez o calendário, as estações e o clima coincidiram no dia. É tão raro!

Quase não deu para acreditar! Depois de meses de seca, de pastos amarelos de encardidos pelo sol, de gado emagrecido, de costelas bem marcadas no couro que as reveste, de charcas sem água, há muito...

O dia tinha nascido de sol quente, como se fora um dia de verão, a prometer calor. Mas, com o aproximar da costa atlântica, começou a aparecer um vento de noroeste que foi ganhando forças à medida que o dia chegava ao fim e o mar estava mais perto: um vento que agitava as águas do rio-mar, que enchia as praias de ondas mais gordas e fortes, que arrefeceu o ambiente e pedia agasalho porque o fresco da noite incomodava...

E já a noite era senhora, já os ponteiros do relógio tinham passado da meia-noite, quando ela chegou: de início quase sem se ouvir, mas a mudar o cheiro do ar, a amaciar os sons da cidade, a tornar os barulhos dos carros mais suaves... era uma chuva mansa, quase amedrontada mas que, depois, se vingou na demora em aparecer... e veio forte, mas não devastadora, lavou o ambiente e deixou tudo bem molhado.

Assim como surgiu, já partiu...

Veio assinar o ponto, afirmar que o outono é a estação das chuvas, do tempo mais fresco, dos agasalhos à noite...

E era tão bom que assim fosse!


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sábado, 22 de setembro de 2012

OUTONO



Foi-se embora o verão e entrou o outono, quase sem se dar por isso a não ser por um amanhecer mais fresco, por um céu que se deixou cobrir de algumas nuvens e por um toque leve de humidade que levou a pensar que era capaz de aparecer alguma chuva!

Mas a verdade é que o verão, que no calendário acabou hoje, não se foi embora mesmo de verdade: deixou-se ficar... entreabriu a porta ao outono mas, de seguida, voltou a fechá-la impedindo o calor de ir embora, empurrando as nuvens para longe e deixando que o sol prolongasse a estiagem que se tem feito sentir.

(DO AUTOR)

Um verão persistente, seco e cheio de calor, a afirmar a sua força até onde puder aguentar. Parece que tudo isto é por culpa do anticiclone dos Açores que renegou as suas origens de ilhéu e veio instalar-se mais junto do continente.

Quem sabe, um destes dias não lhe dá a saudade e volta para as suas ilhas, regressando tudo à normalidade?




sexta-feira, 21 de setembro de 2012

DESBOBINAR O SONHO



No momento em que o sonho estava a acontecer, quando estava a chegar ao momento crucial, tocou o telefone e tudo se desvaneceu...

Bem tentou enrolar o sonho ao contrário, rebobiná-lo... lembrar, passo a passo, os passos do sonho... o pássaro a voar, o cão que ladrava, as flores vermelhas no vaso junto à janela, a nuvem branca que, momentaneamente, tapou o sol, o coaxar da rã no tanque junto à cameleira, o gato enroscado sobre o muro... de tudo se lembrava mas faltava-lhe o essencial, o que, verdadeiramente, sonhava, aquilo que ligava todos aqueles flashes de imagens!

E não houve maneira de dar a volta ao sonho, por mais que o fizesse andar para trás ou para a frente, como costuma fazer quando vê um filme em casa... a verdade é que o sonho não é, propriamente, como um filme: não tem película, não tem fita, nem suporte ou, sequer, um disco...

E a este sonho, como a muitos outros, não conseguiu encontrar maneira de o enrolar ou de o desbobinar... 

(DO AUTOR)




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quinta-feira, 20 de setembro de 2012

POESIA DE PAREDE


Por vezes, deparamos com achados destes, inesperados, cheios de poesia, escritos nas paredes brancas de um lugar quase esquecido...

 
(DO AUTOR - ESCRITO NUMA PAREDE DO RESTAURANTE SEM FIM EM TELHEIRO)

"Trago-te na minha vida como quem
escuta os passos musicais do tempo,
como as manhãs tocam a paisagem...

e amplamente te recebo dos horizontes da dor
que é a nossa distância de seres quase tudo.

Trago-te na minha vida como é possível
a noite trazer o luar.

Que movimento guia a tua essência inacabada?
Onde te cumpres perguntando a vida?
E que Pudor, estares em ti antes de seres?
Tu, a Expectante, mortalmente sossegada...

Trago-te na minha vida de mãos postas
coroada de solidão e suspensa
como uma rosa fechada."


Trago-te na minha vida
Vítor Matos de Sá (1927 - 1975), in O Horizonte dos Dias -  (1952)






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quarta-feira, 19 de setembro de 2012

RUÍNAS



"Se é sempre Outono o rir das Primaveras,
Castelos, um a um, deixa-os cair...
Que a vida é um constante derruir
De palácios do Reino das Quimeras!

E deixa sobre as ruínas crescer heras,
Deixa-as beijar as pedras e florir!
Que a vida é um contínuo destruir
De palácios do Reino das Quimeras!

Deixa tombar os meus rútilos castelos!
Tenho ainda mais sonhos para erguê-los
Mais alto do que as águias pelo ar!

Sonhos que tombam! Derrocada louca!
São como os beijos de uma linda boca!
Sonhos!... Deixa-os tombar... Deixa-os tombar."

 Florbela Espanca, in "Livro de Sóror Saudade - Ruínas"



(DO AUTOR - RUÍNAS EM MONSARAZ)



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terça-feira, 18 de setembro de 2012

CANSAÇO

"O que há em mim é sobretudo cansaço
Não disto nem daquilo,
Nem sequer de tudo ou de nada:
Cansaço, assim mesmo, ele mesmo,
Cansaço.

A subtileza das sensações inúteis,
As paixões violentas por coisa nenhuma,
Os amores intensos por o suposto alguém.
Essas coisas todas -
Essas e o que faz falta nelas eternamente -;
Tudo isso faz um cansaço,
Este cansaço,
Cansaço.

Há sem dúvida quem ame o infinito,
Há sem dúvida quem não queira nada -
Três tipos de idealistas, e eu nenhum deles:
Porque eu amo infinitamente o finito,
Porque eu desejo impossivelmente o possível,
Porque eu quero tudo, ou um pouco mais, se puder ser,
Ou até se não puder ser...

E o resultado?
Para eles a vida vivida ou sonhada,
Para eles o sonho sonhado ou vivido,
Para eles a média entre tudo e nada, isto é, isto...
Para mim só um grande, um profundo,
E, ah com que felicidade infecundo, cansaço,
Um supremíssimo cansaço.
Íssimo, íssimo, íssimo,
Cansaço..."

Álvaro de Campos - O que há em mim é sobretudo cansaço.

(DESENHO DO AUTOR)



















segunda-feira, 17 de setembro de 2012

É PRECISO MAIS?


(DO GOOGLE IMAGES)


Foram das maiores manifestações de sempre!

Em todas as cidades, em muitas vilas, o povo anónimo, sem outras bandeiras ou cartazes que os da indignação, sem outras armas que a sua presença e a sua voz, veio para a rua manifestar-se...

Um povo feito de pessoas, que...

Vieram DIZER NÃO à atrofia, ao esganamento, ao roubo, à indiferença, à cegueira e à surdez deste governo.

Vieram GRITAR o descontentamento, a desconfiança, o desprezo contra este modo de governar.

Vieram AFIRMAR que não vão deixar que lhes retirem a dignidade de pessoas que são.

Vieram EXIGIR bom senso, diálogo, mudança de atitudes.

Vieram, em uníssono, MOSTRAR que a união faz a força.

E AGORA, senhor primeiro-ministro, senhor ministro das finanças, senhores governantes, acham que É PRECISO MAIS?

Acham que é preciso voltar a tomar atitudes mais duras?

Não acham que chegou a altura de repensarem e mudarem de atitude?

Pensem nisto, mas depressa!

É que já não têm muito tempo!








domingo, 16 de setembro de 2012

MAR

"De todos os cantos do mundo
Amo com um amor mais forte e mais profundo
Aquela praia extasiada e nua,
Onde me uni ao mar, ao vento e à lua"

Sophia de Mello Breyner Andresen - Mar

(DO AUTOR - ILHA TERCEIRA - AÇORES - AO LONGE O PICO E SÃO JORGE, NUM FIM DE TARDE)




sábado, 15 de setembro de 2012

RHYTHM IN BLUE

Sabe bem andar por aqui. Sem jornais, sem rádio ou televisão. Sem saber de crises, de entrevistas, de manifestações, de medidas, de cortes ou de sacrifícios...

Nestes dias de paz, de sossego, de brumas, de odor marítimo, de simpatia, de acolhimento, de partilha...

Sabe bem esquecer o aperto, a dor, a mentira, o despotismo, a troika...

Aqui, "amnesio-me", desligo-me, esqueço-me...

Vejo azul, vejo flores, vejo Açores!

(DO AUTOR - ANGRA DO HEROÍSMO AO FIM DO DIA)


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sexta-feira, 14 de setembro de 2012

PICO

"Eu buscava uma ilha sobre o vento e a espuma
a que só era de ser a sempre ausente
ilha nenhuma.

Agora tenho-a à minha frente
ilha de bruma

Buscava um lugar santo um canto um cântico
um triângulo mágico uma palavra um fim.
E vejo um grande pico sobre o atlântico
e uma ilha a nascer dentro de mim."

Manuel Alegre - Ilha de Bruma.



(AS ILHAS - SÃO JORGE E O PICO - AVISTADAS DE ANGRA DO HEROÍSMO, AO PÔR DO SOL)




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quinta-feira, 13 de setembro de 2012

ESPELHO

 "O espelho reflecte certo; não erra porque não pensa.
Pensar é essencialmente errar.
Errar é essencialmente estar cego e surdo."

Porque será que este governo não vê e não ouve?

O espelho reflecte certo - Alberto Caeiro.


(DO AUTOR - ESPELHO DE ÁGUA NO RIO TÂMEGA E A COLUNA DE TRAJANO - CIDADE DE CHAVES)






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quarta-feira, 12 de setembro de 2012

RISCO

Assinalou o atravessar do céu, naquele luminoso fim de tarde, com um categórico, forte e absoluto risco dourado, tão determinante e definitivamente efémero como a duração daquele instante! 

(DO AUTOR - NOS CÉUS DE PORTUGAL)


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terça-feira, 11 de setembro de 2012

(E)MIGRAÇÃO

Começam a juntar-se aos bandos! Às vezes formam uma nuvem negra que tapa o Sol, de tantos que são! Como um cardume fora de água, a voar em uníssono, num entendimento perfeito de voltas, reviravoltas, torvelinhos, de subidas, de descidas...

E, quando se cansam, quando necessitam de um pouso, enchem as árvores que quase se abatem de tanto peso ou, se são urbanos, cobrem os telhados das casas num chilreio ensurdecedor.

Chegada a hora vão embora, e lá partem, para o sul, nas suas migrações... Todos os anos é assim, mais dia menos dia, mais semana menos semana, mas quando chega a hora nem olham para trás: seguem o seu destino, juntos, aos bandos...

(DO AUTOR - PARDAIS)
 
Como muitos portugueses, homens-pássaros que, sozinhos, ou em bandos, também têm necessidade de partir da sua terra, do seu país, que os empurra para fora, que os obriga a ir embora, para norte, para sul ou para o outro lado do mar..., numa imensa emigração que vai deixando este país cada vez mais pobre, cheio de idosos que, cada dia, vão perdendo o valor das suas reformas, de mão de obra pouco qualificada, porque os bons técnicos e os bons profissionais, esses, se ainda não partiram, estão já de malas feitas...

Pois é, ficam os muitos jovens, os que não podem partir, os incompetentes, os idosos e, claro! os políticos e os financeiros que, enquanto houver algum modo de criar leis para sugar mais impostos, e "spreads" e juros para roubar o que resta... vão ficando... não como pardais aos bandos, em chilreios divertidos, mas como abutres, sozinhos, num cada um por si, à espera da carniça, dos ossos, dos olhos e da pele dos que por cá ficam!


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segunda-feira, 10 de setembro de 2012

EMARANHADO

Depois das novas medidas impostas por este desgoverno, correia de transmissão da troyka, que tantos sacrifícios exigem de quem trabalha, ou já trabalhou, mas que tem dispensado de esforços o grande capital, as grandes empresas e os próprios políticos, bem entendido!, as palavras que tenho para manifestar como me sinto são estas:
emaranhado, atado, amarfanhado, entrelaçado, enredado, embaraçado, enleado, enovelado, encordoado, engasgado, apertado, capado, cercado, cerceado, forçado, enforcado, ladrado, roubado, manietado, quebrado, abalado, definhado, desapossado, enjeitado, injustiçado, agrilhoado, crucificado...


(DO AUTOR - CABOS ENLEADOS)


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domingo, 9 de setembro de 2012

SMILE

Talvez não seja o melhor remédio, como rir!

Mas, mesmo que as coisas não estejam a correr bem, que as medidas de austeridade sejam, cada vez mais,  impiedosas, que as dificuldades pareçam intransponíveis, que o dia a dia seja de sacrifício... a força de um sorriso ajuda a suportar melhor as contrariedades.

E sorrir não traz custos, nem tem custos e, quem sabem, não põe os outros mais felizes? 


(DO AUTOR)



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sábado, 8 de setembro de 2012

FREE MIND

FREE MIND...

ESPÍRITO LIVRE...

EVASÃO...

(DO AUTOR - FREE MIND)


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sexta-feira, 7 de setembro de 2012

IMPULSO

Deu um bater de asas forte, ergueu-se ligeiramente da água e, mesmo continuando com o bater, agora mais forte e mais rápido, não era capaz de se elevar no ar...

E foi só, com o impulso recebido por ambas as patas, que deixaram  bem expressiva a sua pegada naquela água tranquila, que se libertou, finalmente, da atracção de água para seguir atrás da traineira azul carregada de peixe...



(DO AUTOR - A LEVANTAR VOO - CANAL DA CULATRA - ALGARVE)





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quinta-feira, 6 de setembro de 2012

ADAMASTOR

O Cabo das Tormentas, rebaptizado depois da passagem de Vasco da Gama, como Cabo da Boa Esperança, corresponde, de forma quase literal, à descrição feita por Camões nos Lusíadas:


"...
O rosto carregado, a barba esquálida,
De olhos encovados, e a postura
Medonha e má e a cor terrena e pálida;
Cheios de terra e crespos os cabelos
A boca negra, os dentes amarelos.

..."


Luís de Camões - Lusíadas - Canto V, est. 39


Está lá tudo: a cor terrena e pálida, os cabelos crespos, os olhos encovados, a barba esquálida...


(DO AUTOR - CABO DA BOA ESPERANÇA - ÁFRICA DO SUL)





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quarta-feira, 5 de setembro de 2012

AGORA, QUE AS FLORES JÁ SE FORAM




(DO AUTOR - AÇORES - SÃO MIGUEL - PARQUE DAS FURNAS)
Agora, que as flores já se foram,
que os frutos da árvore maduraram
e foram sendo colhidos...

Agora, que o estio está a chegar
ao fim dos dias compridos,
e com as horas escurecendo mais cedo...

Agora, que o outono começa a ameaçar
dias de bruma, de mistério, de segredo,
de ventos, de chuva, a dizer adeus ao verão...

Os ramos da árvore agitam-se, num bailado,
numa dança de braços, num turbilhão
de rodas, de viras, ou de um baile bem mandado...

E as folhas soltando-se uma a uma vão,
voando como o vento que as sopra,
deixando nús os frágeis ramos, quase sem vida,
da pobre árvore, cada vez mais despida... 



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terça-feira, 4 de setembro de 2012

PREGUIÇA

Andavam sempre encostados, como se fossem dois amigos de longa data, sempre um ao lado do outro, sem se despegarem, quase siameses... movendo-se de forma lenta, como caracol em dia de preguiça.

Um, era um perfeito Molengas!

O outro, sempre foi de Pouca Pressa!

E quando, assim juntos, resolviam partir para qualquer lugar, a única certeza que se tinha é que, com a lentidão com que deslocavam, nunca iriam chegar a destino algum!


(DO AUTOR - BARRA DE OLHÃO)



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segunda-feira, 3 de setembro de 2012

ESQUISSO

Pegou no bloco, no lápis e pôs-se a fazer um desenho!

Começou por um risco horizontal a delinear uma praia, depois um outro, vertical, como se fosse um mastro, bem alto, e depois, risco a risco, traço a traço, o esboço foi tomando a forma de um barco ancorado e de uma duna de areia, mais ao fundo.

Foi enchendo o esquisso de pormenores: ao barco foi acrescentando os cabos, a adriça, a retranca, o leme, a cabine, as vigias, a amurada, as defensas... e, lá mais atrás, a duna alta foi ganhando forma e foi-se cobrindo de vegetação.

As cores da aurora deram o tom rosado e uniforme ao céu e às águas, que o espelhavam, e amaciaram os verdes e os castanhos da vegetação que atapetava a duna. O barco, esse, foi ganhando a cor do sol que, naquele momento, e numa tangente ao plano de água, ia colorindo o casco de um vermelho intenso!



(DO AUTOR - BARCO VERMELHO NA CULATRA)




domingo, 2 de setembro de 2012

O TEJO

O dia de hoje foi particularmente quente!

O Tejo apetecia! Azul, liso, tranquilo, refrescante!

Cascais olhava Lisboa e o vento, leve e solto, enfunava a genoa que, assim cheia e vaidosa, foi levando o barco até para lá do Terreiro do Paço.

Durante todo o trajecto foi bom ver e sentir o rio largo cheio de barcos, de velas, de movimento... 

E a cidade, luminosa e  resplandecente, debruçada sobre o rio, também olhava aquele movimento e sorria complacente.

(DO AUTOR - LISBOA AVISTADA DO TEJO)
Agora, com a tarde a ir-se embora o vento, de momento mais intenso, quase parecia festejar um aniversário, ao soprar com força naquelas velas todas levando, de novo, os barcos aos seus cais de origem...
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sábado, 1 de setembro de 2012

LUA PLENA

Ontem, ameaçou ser uma lua linda!

Hoje, cumpriu a promessa!

E na Culatra, com a imensa amplitude das marés, a lua espelha-se no mar liso da maré vazia...

Mas é lá no alto, onde hoje é rainha, que esplendora, radiante e bela, e que a vejo a sorrir, um sorriso selenita, cúmplice e misterioso! 



(DO AUTOR - ÀS ZERO HORAS DE 1 DE SETEMBRO)






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