(do autor - Londres) |
"...
Quando - pela última vez - bateste à porta da casa e te sentaste à mesa
Trazias contigo como sempre alvoroço e início
Tudo se passou em planos e projectos
E ninguém podia pensar em despedida
Mas sempre trouxeste contigo o desconexo
De um viver que nos funda e nos renega
- Poderei procurar o reencontro verso a verso
E buscar - como oferta - a infância antiga
A casa enorme vermelha e desmedida
Com os seus átrios de pasmo e ressonância
O mundo dos adultos nos cercava
E dos jardins subia a transbordância
De rododendros dálias e camélias
De frutos roseirais musgos e tílias
As tílias eram como catedrais
Percorridas por brisas vagabundas
As rosas eram vermelhas e profundas
E o mar quebrava ao longe entre os pinhais
Morangos e muguet e cerejeiras
Enormes ramos batendo nas janelas
Havia o vaguear tardes inteiras
E a mão roçando pelas folhas de heras
Havia o ar brilhante e perfumado
Saturado de apelos e de esperas
Desgarrada era a voz das primaveras
Buscarei como oferta a infância antiga
Que mesmo tão distante e tão perdida
Guarda em si a semente que renasce"
Sophia de Mello Breyner Andresen, in Obra Poética, O nome das Coisas, Carta a Ruben A., Junho de 1976
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1 comentário:
Como é que se escrevem coisas tão lindas? Como tem tanta sensibilidade para as captar?
Beijo
LM
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