sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

O CHAPÉU

 Tinha-o comprado num mercado de rua... um mercado de chão, daqueles de passeio, encostado a um muro... havia chapéus, capulanas, lenços, chinelos de praia...  tudo multicolor, com as cores fortes e intensas da África oriental e meridional.

Foi o chapéu que lhe chamou a atenção... de uma cor indefinida, com toques de um cinzento quase branco e de um rosa velho, desmaiado... a contrastar, pela sobriedade, com os outros chapéus ali amontoados; parecia feito de sisal e lã... tricotado como um crochet de fio duplo, a aba sem remate, a deixar pontas espigadas, quase propositadas, a dar um ar  rústico.

Pegou nele, colocou-o na cabeça... cabia perfeito... olhou-se no espelho gasto, fracturado de cima a baixo, que estava pendurado naquele muro velho... ficava lindo, sentia-se bem com ele... reparou no entrançado do mesmo material a fazer de fita do chapéu, e no toque de graça feminina... uma flor de plástico branco, de pétalas  mal recortadas, ponteadas por missangas vermelhas e com  o centro, também, feito das  mesmas missangas vermelhas.

Da flor saíam uns bigodes que lembravam os do "Farrusco", o seu gato branco farruscado de manchas de pelo preto, mas que tinha um bigode farto e comprido...

Uma compra destas não acabava sem ser bem regateada. O preço era quase uma ninharia mas, mesmo assim, o vício do regateio, do oferecer um terço do valor para deixar subir até metade, era superior às suas forças e à justeza do preço originalmente pedido. Mas ela gostava de regatear...

O clima quente e o sol intenso daquelas regiões pediam um chapéu leve, bem arejado e que protegesse dos raios daquele sol inclemente.  É que a pele branca, herdada de vikings que passaram pelo Minho, não facilitava nada... tinha vários casos na família de doenças de pele causadas pelo sol e não queria que lhe acontecesse o mesmo... 

Gostou tanto dele que não o tirou mais; até almoçou na esplanada do Jardim Primavera de chapéu posto. A olhar o mar, a sentir a brisa amena que lhe acariciava o rosto, a recordar outros tempos em que ali ia, nas tardes de verão, com os amigos e colegas da Faculdade.

Mas hoje estava sozinha, tinha resolvido dedicar o dia a si... só a si.

Ali ficou! Na esplanada... a brisa a tornar-se um vento mais mantido, uma ou outra sopradela mais forte, o mar a encrespar, a criar uma ondulação que batia com insistência no muro alto que protegia a esplanada... de súbito, uma rabanada de vento mais forte, e o chapéu a voar... em rodopios... e ela a correr, a tentar chegar-lhe com a ponta dos dedos, quase quase, mas o vento, castigador e traiçoeiro, levou-lho... e fê-lo pousar no mar agitado...

Ainda por cima, ela que não sabia nadar...

(Moçambique - Pemba - Dezembro de 2006)



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