quarta-feira, 10 de março de 2010

OS FRAMBÓSIOS


O senhor José é um homem rude, campesino, mas dócil nas atitudes e no modo como fala com as pessoas e, sobretudo, na maneira muito especial como lida e conversa com as plantas que são o seu mundo. É hortelão desde que se conhece e as roseiras, as plantas de cheiro, os tubérculos, os legumes da horta, as árvores de fruto não têm segredos para ele. Gadanha a terra, semeia, planta, arranja, rega, aduba, desparasita, sulfata, poda, colhe na altura certa... é o seu mundo!
Como gosta de falar, e nem sempre tem gente a seu lado, passa horas esquecidas a monologar com as suas "meninas". São monólogos que traduzem o amor que dedica às suas plantas: "eu bem te disse ontem que a geada desta noite ia dar cabo das tuas folhas, olha lá se não tinha razão?" ou "hoje acordaste bem disposta, és a rosa mais bonita deste rosal" e, sempre que encontra alguém para dialogar, perde-se nas conversas, mas sem descurar o que está a fazer: a abrir o sulco na terra para deixar passar a água que vai regar os feijões, a compor os pimentos verdes caídos por causa da ventania da madrugada, a cortar aquele ramo da macieira de bravo de Esmolfe já meio seco...
Há uns anos compraram-lhe umas estacas de framboesas e de mirtilos para ele plantar na horta onde costuma trabalhar. Nunca tinha ouvido falar em tais nomes nem como seriam os frutos desses arbustos; conhecia os morangos silvestres, as groselhas, as amoras, mas aqueles com nomes esquisitos, isso não. E lá dispôs as plantas em linha, orientadas por arames esticados entre paus fortes espetados no chão e tratou daqueles desconhecidos com todo o esmero e dedicação. O entusiasmo foi grande quando começaram a florir e, maior ainda, quando os frutos começaram a despontar. A natureza e os cuidados do senhor José fizeram com que aqueles novos arbustos se carregassem de muitos frutos que iam surgindo, crescendo e amadurecendo em várias etapas.
Da primeira vez que pediu um recipiente para os colher não se percebeu muito bem o que queria e para quê: era para os "frambósios", dizia ele. Aquele nome, assim, fez lembrar os gambusinos que se apanhavam com um saco e ficou-se na dúvida se não estaria a brincar ou a expressar-se mal. Só junto dos frutos se compreendeu: como eram parecidos com os morangos achava que o nome devia ser masculino e tratou de os baptizar de "frambósios". Não valeu de nada dizer que eram framboesas. O certo é que, lá na Quinta já não há framboesas... só frambósios!

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