sexta-feira, 12 de março de 2010

CARÁSPITA

A minha tia Túlia era uma mulher ríspida, de poucos sorrires e muitos sobrolhos. Era o oposto da tia Lurdes, sempre a sorrir, com cara boa e olhar terno.

A tia Lurdes nunca dizia a palavra chatice, achava pouco conveniente numa senhora, ficava-se pelo aborrecimento, pelo incómodo, ou quando a chatice era mesmo uma chatice dizia "cha cha"...

Já a tia Túlia era pessoa de outros dizeres: chatice, maçada, tédio, maldição, raiva... naquele tempo era inaceitável dizer outras palavras que se dizem agora com todo o à vontade, embora se pensassem ou fossem ditas pelo próprio, mas na sua intimidade.

Mas ela tinha uma expressão que era o máximo: quando estava extremamente irritada com alguma coisa, quando fazíamos alguma asneira mais grossa, se a chateávamos para além do seu aceitável saía-se com o caráspita e, aí, era a altura para pararmos.

Daí para a frente, o mínimo era o quarto escuro, o castigo de ficarmos virados contra a parede, quando não umas palmadas aplicadas com força, com aquela mão seca, de poucos afagos e que nos deixava as nádegas bem vermelhas e doridas.

Nunca ouvi mais alguém que pronunciasse a palavra caráspita, não a encontro nos dicionários, mas acho que a palavra tem muito de onomatopeico; então se dita com o timbre de voz da tia Túlia, com aquele olhar de fúria e com aquela mão seca, levantada e pronta a actuar...

Penso muito na tia Túlia, cada vez mais... Bem, não sei bem se é nela que penso, se no seu, dela, caráspita. É que hoje em dia, face à pouca vergonha que por aí grassa, às trafulhices, às mentiras, às ignomínias que se praticam, vem-me sempre à ideia de gritar, bem alto, CARÁSPITA, para esta gente ordinária, para esta política, para este governo, para esta forma de vida.


1 comentário:

Paula Ferreira disse...

Minha avó portuguesa falava caráspita!