"O poeta quer escrever sobre um pássaro:
e o pássaro foge-lhe do verso.
O poeta quer escrever sobre a maçã:
e a maçã cai-lhe do ramo onde a pousou.
O poeta quer escrever sobre uma flor:
e a flor murcha no jarro da estrofe.
Então, o poeta faz uma gaiola de palavras
para o pássaro não fugir.
Então, o poeta chama pela serpente
para que ela convença Eva a morder a maçã.
Então o poeta põe água na estrofe
para que a flor não murche.
Mas o pássaro não canta
quando o fecham na gaiola.
A serpente não sai da terra
porque Eva tem medo de serpentes.
E a água que devia manter viva a flor
escorre por entre os versos.
E quando o poeta pousou a caneta,
o pássaro começou a voar,
Eva correu por entre as macieiras
e todas as flores nasceram da terra.
O poeta voltou a pegar na caneta,
escreveu o que tinha visto,
e o poema ficou feito."
Nuno Júdice, A Matéria do Poema - 2008
(DO AUTOR - JARRO SILVESTRE, DA ESPÉCIE ARUM maculatum, A NASCER DA TERRA, NA QUINTA DA PROSA) |
1 comentário:
O Nuno Júdice é um poeta soberbo.Para mim,claro.
Ivone Oliveira
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