Não são, mas parecem!
São apenas dois desenhos na parede de um muro velho: uma açoriana, com o seu capote e capelo, e uma vaca desenhados como se fossem sombras projectadas numa qualquer parede rosa e velha da Ilha Azul!
Um traje que caiu em desuso nesta ilha açoriana do Faial, mas que, pelos anos vinte do século passado, era um traje bastante comum.
Raul Brandão fez um relato cuidado sobre o uso deste traje no seu livro "As Ilhas Desconhecidas - Notas e paisagens":
"...
O que dá um grande carácter a esta terra é o capote. A gente segue pelas ruas desertas e, de quando em quando, irrompe de uma porta um fantasma negro e disforme, de grande capuz pela cabeça. São quase sempre as velhas que o usam, mas as raparigas, metidas na concha deste vestuário, que pouco varia de ilha para ilha, chegam a comunicar encanto ao capote monstruoso. É um ser delicado e loiro e o contraste realça a figurinha que saltita em passo de ave condenada àquele pesadelo, como certos bichos de aspecto estranho que trazem a carapaça às costas.
... Também me explicam que é uma coisa ao mesmo tempo monstruosa e cómoda: vai-se com ele pela manhã à missa, usam-no as velhas aferradas aos seus hábitos, e uma rapariga pode visitar uma amiga na intimidade, porque está sempre vestida: basta lançá-lo sobre os ombros. Envolve todo o corpo, e, puxando o capuz para a frente, ninguém a conhece. O que uma mulher que use o capote precisa é de andar muito bem calçada, porque tapada, defendida e inexpugnável, só pelos pés se distingue; pelo sapato e pela meia é que se sabe se é bonita a mulher que vai no capote. O capote herda-se, deixa-se em testamento e passa de mães para filhas. O capote numa casa serve às vezes para toda a família. Mulher que precisa de ir à rua de repente, pega nele e sai como está. - Este já foi da minha avó - diz-me uma rapariga. - Era dum pano inglês escuro, dum pano magnífico que dura vidas.
..."
(Raul Brandão, in As Ilhas Desconhecidas - Notas e paisagens - A Ilha Azul).
O capote, em lã ou merino, era em preto ou em azul ferrete e levava uns bons metros de pano. O capelo, também ele entretelado e armado com cartão e barbas de baleia, era cosido ao colarinho do capote e abria na frente lembrando o corpo de uma raia.
(Parágrafo retirado do Blog Virtual Memories - 15 de Maio de 2010).
O capote - que foi um símbolo do arquipélago - já quase se não vê, mas as vacas, essas, continuam a proliferar e a transformarem-se, cada vez mais, no ícone daquelas ilhas.
Agora o que parece é que, na realidade, a única sombra chinesa, naquela fotografia, é a do fotógrafo, com um típico chapéu de palha faialense na cabeça, e que se deixou apanhar pelo sol, àquela hora já meio levantado do horizonte, e que ia projectando a sua sombra no chão daquela terra que acorda, todos os dias, a olhar o Pico!
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4 comentários:
Quem tem capa, sempre escapa... uma maneira que as mulheres das ilhas tinham de escaparem à vigilância dos outros? Mas os sapatos e as meias não eram o "gato escondido com o rabo de fora"?
Bjs
LM
Excelente! Um abraço e até à volta!
Muito sugestivo e engraçada a história do Capote e do Capelo armado com as barbas das baleias (um aproveitar do tudo que agora tanto se desperdiça!).
Bjs
Berta
Adorei sua sombra a assinar a foto. Muito obrigada por mais uma de suas crônicas a revelar paisagens e costumes até então desconhecidos para mim.
Beijinhos, lola
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