quinta-feira, 17 de junho de 2010

ANDAR A PÉ E O UNTAR DAS MÃOS

Parece que o tempo acertou, meteorologicamente falando; o calor começou a notar-se, o vento já  não é tão frio e as noites vão armazenando parte da temperatura conquistada ao dia e já se tornam agradáveis e convidativas.
Agora já sabe bem andar a pé. Deixa-se o carro na garagem, à porta de casa, e calcorreia-se a distância entre esta e o trabalho. Cerca de 3 Km em passeios, alguns com muitos buracos, atravessares de ruas, túneis de passagem nas avenidas mais largas e um cruzar de pessoas de todos os tipos: gordas e magras, brancas, negras, morenas ou pálidas, cabelos curtos ou compridos, apressadas ou apenas passeantes de rua e é curioso ir observando esta multitude de gente que passa diante de nós. Que tipo de trabalho exercem? De onde vêm? São famílias grandes ou pessoas solitárias?
A maior parte deve ter salários baixos... 
Imagino-as formigas oriundas de diversos locais no carreiro dos passeios, empacotadas nos comboios que vêm de longe, muitas a entrarem no formigueiro do Metro e a enlatarem-se nas carruagens e a entalarem-se, algumas, nas portas que se fecham impiedosamente.
Entre as 7 e as 9 horas da manhã e depois, das 17 até às 20 horas, é um afã de gente nesta urbe que quase sufoca.
Mas estas caminhadas a pé também nos dão tempo para ver o que habitualmente não vemos, quando conduzimos: por um lado os jardins que começam a ser renovados e a tornarem-se bons locais de lazer, depois os monumentos que são, de um modo geral, bonitos e atractivos - acho uma maravilha a estátua que homenageia os mortos da Guerra Peninsular, ali em Entre-campos -, e a arquitectura urbana heterogénea e, muitas vezes caótica, feita de prédios antigos bonitos, arranjados e, alguns, premiados com o Prémio Valmor, mas também de edifícios em total degradação e ruína, ou edifícios modernos, elegantes e adaptados ao ambiente arquitectónico do local ou, ainda, de aberrações difíceis de entender como puderam ser aprovadas e construídas (claro que todos bem entendemos, tudo depende da forma como são untadas as mãos dos fiscais, dos projectistas, dos arquitectos, dos... da Câmara Municipal).

Este untar das mãos faz-me lembrar a história que ouvia da boca do tio Justino, casado com uma prima-irmã da minha avó, a tia Ester, e que viveram muitos anos em África, no Congo francês. Contava ele de um vendedor de tecidos que apresentava aos patrões, em França, uma factura sui generis -
tantos metros de seda X francos, tantos metros de cambraia Y francos, tantos metros de popeline para camisas Z francos, e etc., até à alínea final em que colocava sempre: óleo (huile no original) tantos francos. O patrão, em França, intrigado perguntou para que era preciso tanto "huile" se o comércio era de tecidos? Para untar as mãos daquela gente toda, respondeu o funcionário, se não, ninguém comprava nada.
Agora não se gasta "óleo", as luvas são mesmo em Euros e à descarada. Há quem lhe chame contrapartidas e coloque o dinheiro em paraísos fiscais...
É no que dá isto de andar a pé: distraio-me a olhar alguns prédios aberrantes e lembro-me do tio Justino e da tia Ester.

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