sexta-feira, 17 de fevereiro de 2012

O ABAFADOR

Era um berlinde de vidro maior que os outros! E servia para abafar os mais pequenos. Bastava tocar com o abafador no berlinde e, zás, o berlinde mudava de proprietário e ficava pertença do dono do abafador.

O abafador, habitualmente, era de vidro multicolorido e quantas mais cores tivesse mais poder tinha, mas podia ter um olho de cor única - azul, frequentemente - a fazer de centro, era o "olho de boi", ou ser de vidro branco leitoso e opaco e, nesse caso, dava-se-lhe o nome de "vaca" ou "leiteira" e servia de salvaguarda ao dono para evitar que lhe abafassem os berlindes. 



As regras do abafador mudavam de terra para terra, de ano para ano, e de momento para momento. Nalguns sítios, o dono do abafador só podia abafar um berlinde se tivesse com ele uma esfera metálica, daquelas dos rolamentos, conhecida por "licença", e tinha de ser uma esfera grande, e nunca daquelas pequeninas, que não tinham qualquer valor. Quem tivesse um abafador, e fosse maior em tamanho que o proprietário do berlinde, era certo e sabido que o abafava sem apelo nem agravo. E se fosse mais pequeno, bastava que fosse acompanhado por uma "testemunha" de maior corpulência que as regras do abafa valiam na mesma.

Eram regras que ninguém questionava... bastava, quase, que um dissesse que era a regra, habitualmente um mais matulão, entenda-se, e não havia mais discussões. Acontecia, algumas vezes, o saco dos berlindes, ao fim da manhã de recreio, ficar sem berlinde algum, especialmente se eram bonitos, porque bastava aparecer um tipo mais velho com uma "vaca" ou com um "olho de boi" e lá se iam os "bilas" ou os "guelhas".

Às vezes um puto mais esperto inventava uma cláusula de última hora, para tentar impedir que lhe abafassem o berlinde, e lá se acrescentava mais um artigo às regras aleatórias dos abafadores.

Hoje já quase não se vêem covas no chão de terra para jogar ao berlinde e, muito menos, abafadores de vidro... A sociedade actual e os homens que fazem as políticas, os governos e os países, e que manipulam o dinheiro e o poder, transformaram o jogo do berlinde e os abafadores num imenso jogo de influências, de poderes, de forças, de abafamentos de povos, de injustiças, de opressões sobre os mais fracos...

Os abafadores que mais abafam o nosso viver chamam-se, agora, "Impostos", levam quase tudo e têm vários nomes: IVA, IRS, IRC, IMI, IS, IA, IUC... e, já agora, só falta acrescentar mais um: o ISURQOPAT (Imposto Sobre Um Raio Que Os Parta A Todos)!



2 comentários:

Anónimo disse...

"Olho de Boi, Olho de Vaca, Abafador, Papa." - Era assim que eu jogava ao Bilas com 3 buraquinhos no chão feitos com o rolar do tacão do meu sapato. Eu era um puto e não sabia.
Ótima! Adorei a sua crônica.
Um abração.
Chibante

Anónimo disse...

Abafador era também aquele que matava. Eutanásia? Lembra-se do conto Alma Grande? Ainda hoje me impressiona.
Beijos