sábado, 23 de março de 2013

A OUVIR O MAR



Esta tarde, em que o sol se mostrou tímido e escondido atrás de nuvens de ameaça, o mar, pelo contrário, tinha deixado a sua mansidão e timidez longe dali.

E mostrou-se cheio, erguendo-se e esbracejando ondas fartas, violentas e bruscas, troando num tom baixo e forte, ribombando clamores de protesto, largando cabelos de água que o vento atirava para a praia, como se estivesse zangado, mas acabava, sempre, de forma doce e suave, a espreguiçar-se na areia que, serenamente, o ouvia e lhe ia escutando os seus segredos...



"Eu hontem passei o dia
Ouvindo o que o mar dizia.

Chorámos, rimos, cantámos.

Fallou-me do seu destino,
Do seu fado...

Depois, para se alegrar,
Ergueu-se, e bailando, e rindo,
Poz-se a cantar
Um canto molhádo e lindo.

O seu halito perfuma,
E o seu perfume faz mal!

Deserto de aguas sem fim.

Ó sepultura da minha raça
Quando me guardas a mim?...

Elle afastou-se calado;
Eu afastei-me mais triste
Mais doente, mais cansado...

Ao longe o Sol na agonia
De roxo as águas tingia.

«Voz do mar, mysteriosa;
Voz de amôr e da verdade!
- Ó voz moribunda e dôce
Da minha grande Saudade!
Voz amarga de quem fica,
Trémula voz de quem parte...»

................

E os poetas a cantar
São echos da voz do mar!"

António Botto, in "Canções" - Passei o Dia Ouvindo o que o Mar Dizia.





(DO AUTOR - A OUVIR O MAR, NA PRAIA DE SÃO LOURENÇO - ERICEIRA)




5 comentários:

Anónimo disse...

Ouvir o mar... ouvir a alma da terra, a alma da gente...
Ana Hertz

Anónimo disse...

Ouvir o mar... ouvir a alma da terra, a alma da gente...
Maria Luísa Silva

Anónimo disse...

Uma beleza este mar.Uma beleza também o poema de António Botto.Ainda no outro dia um desconhecido aqui no facebook,me criticou por eu dizer que António Botto era um grande poeta.Imagino porquê.
Ivone Oliveira

Anónimo disse...

Lindo!
Ana Barrigas

Anónimo disse...

Lindo e a ouvir o Mar da Ericeira mais lindo fica.
Maria de Lourdes Silva