segunda-feira, 25 de março de 2013

CORRE O RIO E ENTRA NO MAR



"Da mais alta janela da minha casa
Com um lenço branco digo adeus
Aos meus versos que partem para a Humanidade.

E não estou alegre nem triste.
Esse é o destino dos versos.
Escrevi-os e devo mostrá-los a todos
Porque não posso fazer o contrário
Como a flor não pode esconder a cor,
Nem o rio esconder que corre,
Nem a árvore esconder que dá fruto.

Ei-los que vão já longe como que na diligência
E eu sem querer sinto pena
Como uma dor no corpo.

Quem sabe quem os terá?
Quem sabe a que mãos irão?

Flor, colheu-me o meu destino para os olhos.
Árvore, arrancaram-me os frutos para as bocas.
Rio, o destino da minha água era não ficar em mim.
Submeto-me e sinto-me quase alegre,
Quase alegre como quem se cansa de estar triste.

Ide, ide de mim!
Passa a árvore e fica dispersa pela Natureza
Murcha a flor e o seu pó dura sempre
Corre o rio e entra no mar e a sua água é sempre a que foi sua.

Passo e fico, como o Universo."

Alberto Caeiro (Fernando Pessoa) - Da mais alta janela da minha casa, in O Guardador de Rebanhos.



(DO AUTOR - A RIBEIRA DE SÃO LOURENÇO A DESAGUAR NO MAR, NA PRAIA DE SÃO LOURENÇO)

2 comentários:

Anónimo disse...

Muito bom!
Ana Hertz

Anónimo disse...

Lindo poema e fotografia.
Helena Restani Ferreira